Há uma casa na vizinhança que resolveu abrigar um cachorro. Não é preciso ser mentalista para inferir que o propósito é afastar a marginalidade, que vez ou outra pula no jardim e furta o que estiver ao alcance.

O cachorro (vamos chamá-lo de Zeca) fica a maior parte do tempo na área externa. É um vira-lata. Alvoroçado e sozinho, está quase sempre latindo. Uma de suas táticas para chamar a atenção consiste em se lançar contra o portão minúsculo e fazer um barulho daqueles.

O diálogo de Zeca começa cedo. Nunca me incomoda. Pelo contrário. Há dias em que eu mesma cogito passar pelas proximidades da residência para saber se ele está bem.

Quando estou próxima à janela, estico a cabeça em direção ao portão para ver Zeca. Se alguém se irrita e xinga o cachorro, eu já me aborreço. Certa vez, um sujeito estava quase no final do perímetro quando decidiu voltar e bater no portão violentamente, chateando Zeca. Ao notar que ele estava tentando pegar o cachorro, quebrei os meus protocolos de conduta (só grito em caso de extrema necessidade) e berrei:

– EI! VOCÊ AÍ PERTO DO PORTÃO! ESTOU TE VENDO! TE VENDO, ENTENDEU? DEIXA O CACHORRO EM PAZ! VOU TE FILMAR.

Evidentemente, ele jogou o lança-chamas de palavras grosseiras em cima de mim, achando que estava me descompondo. Tolinho. Tsc tsc! No final das contas, após alguns instantes, o agressor deu meia volta e escapuliu. Zeca estava seguro novamente.

Zeca é objetivo. Fala na lata, sem intermediários. Fica no canto dele, não usa artifícios para conseguir o que quer. Ele late e pronto. Se sente falta, ele late. Discurso direto, em primeira pessoa, sem parafrasear ou camuflar. Não tem receio de não ser compreendido. Ele não tem culpa das interpretações alheias e sabe disso. Faz por instinto, mas também porque esse é o modo de dizer o que pensa.

Acho que Zeca ainda não encontrou a tecnologia ofensiva e nem o bolo de gelatina (feito de uma gosma viscosa e sem gosto, ludibriadora e artificial) – coisas que a humanidade não vive sem. E espero que nunca encontre.

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