Não basta estar na rede, é preciso causar. Interessante é que o verbo causar, que pede uma transitividade, na condição de gíria é tangenciada pela intransitividade. Quem causa simplesmente causa. Está, pois, cheio do efeito, sendo sua própria consequência.  O problema é querer causar com frases feitas.

As frases feitas sempre existiram. Mas agora elas abundam nas redes. Abundar é o verbo ideal nesse caso (estou propondo outra etimologia para a palavra). Não gosto de frase feita. Na falta do que dizer, diz-se o que já foi dito. Vai-se ao baú dos clichês, espreme-se esse sumo ralo do dito até que se ele fique desbotado. Vivendo numa excitação constante, queremos a todo custo ser vistos, lidos, elogiados:  “Me vê, me cutuca, me curte, me ama… Eu saberei retribuir na mesma intensidade”.  Escambo virtual.

Não gosto dessa necessidade fremente, que muito se vê por aí, daqueles que, não sendo leitores, querem passar uma imagem de que são cultos, letrados, intelectuais. E vão destilando as tais frases feitas, sem saber que elas são feitas para serem usadas por quem não tem criatividade ou não querem pensar. Ou, querendo pensar, preferem o fácil. Eu quero a arqueologia do fóssil. Ih, acho que fiz uma frase feita (não é redundante dizer isso? Não existe frase não feita. Veja como sou meu próprio crítico). Mas é só pra descontrair.

O importante é impactar, mesmo que a via seja compactar.

Será que estamos emburrecendo? Não creio. Apenas a rede expõe a gente como “nunca antes na história desse país” (a frase feita mais famosa da década). Nunca antes na história da humanidade as sociedades puderam se exibir em tão altas doses. Daí que sabemos o que outro pensa, do que é capaz ou não, o que aparenta ser, o que quer ter, apenas pelo que ele diz, mesmo copiando e colando, mesmo usando frases feitas.

Antes ninguém gostava de escrever redações porque precisava pensar e desenvolver sua opinião em mais de 20 linhas. Hoje, que tudo é sintetizado, as pessoas copiam e colam. Dão Control C e Control V o tempo todo. Vá entender esse povo! Vemos uma legião de frases sem nenhum efeito, apenas na onda do bonitinho. Aliás, têm, sim, efeito colateral: mostram que você não consegue ser você quando e onde mais deveria ser você. Sociedade dos escribas virtuais. Copistas. A idade média é aqui.

Clarice Lispector disse certa vez que passara uma noite toda tendo pesadelos horríveis. Tinha sonhado lendo coisas que jamais escrevera. Ela acordou atordoada e extremamente chateada com essa possibilidade. Ah, Clarice, e não é exatamente isso que ocorre hoje? Você é usada para as mais bobas frases de efeito por gente que nunca de fato leu um fio de sua narrativa complexa, mas apaixonante.

Caríssimo, um exercício de criatividade vem com um exercício de personalidade. Você pode me perguntar: “mas como posso desenvolver esse meu lado crítico e criativo para poder ir além de uma maria vai com as outras?” Estude! Mergulhe nos livros! Vá a uma biblioteca, afogue-se de cultura (afogar é exagero, não quero nem o suicídio cultural). Vá ao teatro, ouça uma música boa (ah, você não sabe o que é uma boa música?), vá a um teatro e assista a uma tragédia ou a uma comédia, visite uma exposição de arte. Ou, simplesmente, contemple a natureza, buscando nela sua dose diária de linguagem. É preciso praticar a arte do ver para poder falar/escrever, como diz um heterônimo do Pessoa:

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…

O mestre Caeiro nos ensina a arte do ver. Se você acorda todo dia para a eterna novidade da vida, certamente terá sobre o que falar, será criativo, crítico, e saberá que tudo tem um preço. É preciso ter olhar de girassol. É nesse sentido que você aprenderá a analisar para, em seguida, sintetizar. As redes sociais são os ambientes das sínteses, mais do que das análises. Elas cobram de você a capacidade de ver grande e reduzir grande. Essa matemática não combina com aquela regrinha besta que aprendemos na escola que diz que mais por menos dá menos. Dessa regra só vale o “menos por menos dá mais”. O que é isso? Simples: ser mais, sendo menos.

De minha parte, prefiro pagar um alto preço por dizer o que penso do que por ficar buscando o que os outros disseram para me esconder neles e me anular. Não seja bobo; seja criativo!

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