Por Vinícius Mansur, da Assessoria de Comunicação / Ministério da Cultura.

O seminário Cultura e Política foi encerrado na noite [da] quinta-feira, dia 29, no Teatro Arena da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com uma verdadeira aula do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Mais de 600 pessoas abarrotaram a arquibancada do teatro e centenas de internautas acompanharam ao vivo pela internet a exposição das ideias de Boaventura sobre o tema da noite: Deslocando Fronteiras: Cultura Política, Movimentos Sociais e Emancipação Social.

Com participação prevista nesta atividade, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, foi até o Rio de Janeiro, mas não pode participar em função de um forte resfriado. No palco, o sociólogo português foi acompanhado pelo mediador da aula, o secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (MinC), Guilherme Varella, e precedido pelas saudações da presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, Lia Calabre, e do reitor da UFRJ, Roberto Leher.

Secretário de Políticas Culturais do MinC, Guilherme Varella, media aula de Boaventura de Sousa Santos (Foto: Lia de Paula - Ascom/MinC)

Secretário de Políticas Culturais do MinC, Guilherme Varella, media aula de Boaventura de Sousa Santos (Foto: Lia de Paula – Ascom/MinC)

Boaventura Sousa Santos iniciou sua fala como uma definição contundente de cultura: “Eu acho que qualquer ato contra a barbárie é um ato de cultura. Cultura é tudo aquilo que luta contra a barbárie”. E durante mais de duas horas, entre a sua fala e as intervenções do público, o sociólogo versou sobre os aportes que a cultura pode para um mundo em crise, onde os modelos econômico e político hegemônicos o conduzem para a barbárie.

“A cultura pode contribuir seriamente se for entendida de maneira contra hegemônica. Isso é, a cultura, no mundo ocidental, foi transformada em algo demasiadamente alto para chegar a todos e demasiadamente baixo para não chegar à ciência”, introduziu.

Para Boaventura, a ciência, incluindo as ciências sociais, deixou-se dominar pela razão instrumental, aproximando-se das diversas culturas como uma “extrativista do conhecimento” e pretendendo tornar-se o único ou o verdadeiro saber da social. “Enquanto for assim, não teremos um verdadeiro diálogo ou encontro com aquilo que eu chamo ecologia de saberes. A crítica que fazemos à ciência não é por não ser útil, obviamente que ela é útil. O grande mal é ela ter assumido o monopólio”, explicou.

Nessa perspectiva, o sociólogo reafirmou a importância da “descolonização do conhecimento”, tarefa a qual a cultura tem muito a aportar porque ela “permite sempre, ou deveria permitir, ou permite mais que as outras áreas” a inclusão em diálogo, porque ela pode “reconhecer o outro para depois conhecer”, enquanto a ciência primeiro conhece para depois afirmar se reconhece ou não. “Eu tenho que saber que o outro existe com dignidade, tenho que imaginar que não sou completo no mundo, que além da minha compreensão do mundo há outras. E que basta esse reconhecimento para eu ter a vontade de conhecer. E só porque a ciência não fez isso ela tem o monopólio e é tão hostil aos conhecimentos populares”, definiu.

Por deter estas características, Boaventura afirmou que a cultura “pode nos ajudar a resgatar a utopia”, um conceito muito atacado nas últimas décadas por intelectuais que “disseram que todas as utopias, de esquerda ou de direita, iriam nos levar ao totalitarismo”. Mas, o resultado deste processo foi “o desenvolvimento do conformismo” e do totalitarismo de um “poder invisível” que se quer tornar um “poder invencível”, como é o mercado financeiro, exemplificou.

Do ponto de vista econômico, o professor apontou que “a grande aula dada pela cultura” está no fato dela não ser um bem escasso e, mesmo quando é objeto de valor de troca, tem valor de uso excedente, nunca se reduzindo àquilo que vale no mercado, oferecendo aprendizados para “superar a estrutura capitalista, colonialista e patriarcal que a pertencemos”.

Finalmente, Boaventura de Sousa Santos destacou que a cultura se faz, em grande medida, na rua, local que vem sendo intensamente ocupado por movimentos políticos em todo mundo por o entenderem “como o único espaço público que não está colonizado pelos mercados financeiros” e por entenderem que “a democracia que nós temos foi sequestrada”. Prevendo que as próximas décadas serão marcadas por fortes mobilizações de rua, o sociólogo finalizou indicando o aporte que a cultura pode ofertar à política. “A cultura está habituada a estar na rua, de modo pacifico, construtivo e criativo, e portanto pode ser um grande um instrumento para ajudar-nos a sermos, no princípio do século XXI, rebeldes competentes”, concluiu.
Sobre o Cultura e Pensamento

O seminário Cultura e Política integra o programa Cultura e Pensamento, desenvolvido pelo MinC, por meio da Secretaria de Políticas Culturais (SPC). O programa teve seu primeiro ciclo realizado entre 2005 e 2012, focado no debate teórico acerca da cultura. Em 2015, ele foi retomado com a proposta de estimular a reflexão e a interlocução entre diferentes visões do campo da cultura, ultrapassando a barreira acadêmica e reunindo grupos culturais, movimentos, redes, ativistas, intelectuais, fazedores e fazedoras de cultura, jovens inovadores, mestres e mestras, aproximando campos sociais, territórios e correntes de pensamento.

O segundo ciclo do programa foi inaugurado em setembro, também no Rio de Janeiro, com o tema A Crise de Valores na Sociedade Atual. Após o seminário Cultura e Política realizado no Rio de Janeiro nesta quinta-feira, dia 29, a cidade de São Paulo será a próxima a receber uma edição do Cultura e Pensamento. No dia 4 de novembro, será realizado na capital paulista o seminário Cidade e Cultura: a construção de outros imaginários urbanos.

Confira o vídeo completo do seminário:

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