Por Claudio de Moura Castro, da Veja | Transcrição Pesquisa Mundi
Quando buscávamos um livro, a solução era óbvia: bastava ir à biblioteca. Mas rondam tempestades ameaçando essa venerada instituição. Em poucos anos, caberão em um notebook todos os livros produzidos na história da humanidade (as estimativas flutuam entre 42 milhões e 130 milhões). Um pouco adiante, e enfia-se tudo em um celular.
Para que biblioteca? Periódicos científicos e muitas outras publicações migram para a sua versão digital, o mesmo acontecendo com os jornais. Diante do www, é risível o tamanho das bibliotecas em papel. A Wikipédia esmaga a mais ambiciosa enciclopédia tradicional. E para que bibliotecária se o “Santo Google” acha tudo rapidinho?
Por 10 dólares ou pouco mais, a versão digital de praticamente todos os livros em inglês pode ser comprada na Amazon. Um minuto depois de um só clique, o livro está em nosso poder. É inevitável que o Brasil vá pelo mesmo caminho – apesar do atraso presente. E não há como impedir a digitalização pirata de livros populares.
Diante disso tudo, o que será das bibliotecas? São caras, e seu acervo no Brasil é pífio, falta-nos o hábito de frequentá-las. Portanto, se definharem sua falta não será notada.
Mark Twain afirmou que as notícias de sua própria morte haviam sido exageradas. O mesmo se pode dizer das bibliotecas. De fato, elas podem ter assegurado o seu lugar no futuro, desde que se transformem. Biblioteca careta e chata não sobreviverá. Como depósito de livros, está condenada.
É sintomático que algumas bibliotecas americanas tenham levado seus livros para trapiches, pois havia muitos usos mais nobres para o espaço. Eis a pista para a salvação: a biblioteca do futuro será um canivete suiço: fará tudo.
Se bem concebida, ela será um lugar aonde vamos sem pensar muito no que faremos lá. Vamos por que nos atrai, porque é bom estar nela. Para início de conversa, precisa ser supremamente formosa, confortável e atraente. A arquitetura externa tem de dar vontade de entrar. A interna, de ficar.
Seu ambiente trará o visgo intelectual da Ágora grega, das livrarias da Rua do Ouvidor nos tempos de Machado de Assis, dos cafés da Rive Gauche, das Starbucks e dos restaurantes chineses do Vale do Silício. Haverá abundância de jornais, revistas e livros de interesse geral. E, cada vez mais, vídeos. Livros desinteressantes, porém, doados por alguma viúva (três quartos dos nossos acervos são dessa origem), não trazem ninguém às bibliotecas.
De depósito de livros, passam a oferecer quase tudo. Alguns espaços são silenciosos, para ler. Em outros, conversamos ou nos reunimos (com projetor de PowerPoint). Algumas poucas estão voltadas para a pesquisa, uma função essencial e cara. Mas, se a Amazon consegue entregar no dia seguinte os livros comprados, as bibliotecas também poderão. Títulos pouco procurados não precisam de mais do que um exemplar, talvez no país inteiro. Basta um sistema para tomar emprestado, rapidamente, do acervo de outras bibliotecas.
Na nova biblioteca, salas e auditórios promovem conferências, concertos e exposições. Por que não jardins lindos, para os criativos peripatéticos? Ou espaços para meditar? No fundo, a biblioteca deve tornar-se um lugar de leitura, troca de ideias e interação criativa entre os frequentadores. Enfim, uma usina intelectual, contribuindo para o avanço do pais. Naturalmente, quando bate a fome, lá comemos. E, afinal, um lugar onde se lê e se tomam livros emprestados, por que não os vende também? Assunto e clientela são os mesmos das livrarias.
A fórmula salvadora já existe e é resumida pela celebrada arquiteta americana Maya Lin. Para ela, bibliotecas são os templos de hoje, espaços para reflexão, exploração intelectual e discussão de ideias. Mas engana-se quem pensa ser revolucionária tal visão. De fato, a primeira grande biblioteca que o mundo conheceu, a de Alexandria, tinha como ponto de partida uma arquitetura memorável, e sua concepção antecipa essa linha. Além dos livros, tinha jardins, exposições de arte, concertos e outras atividades culturais. No dizer de um contemporâneo, “era um lugar para curar a alma”.
Ou seja, eis a receita para salvar nossas bibliotecas. Não é preciso inventar nada.