Em quase todo o Brasil tomaram posse no dia 1 de janeiro de 2013 os novos representantes eleitos para administrar os 5.565 municípios do país. Digo em “quase todas” por conta dos casos em que os candidatos não assumiram em virtude de questões legais. Em outros termos: ficha suja.

Sendo ano novo (momento em que sonhos recebem reforços) e em vista da renovação dos gestores, creio que seja momento mais que propício para iniciar um trabalho efetivo no tocante a gerar informações sobre a importância das bibliotecas, especialmente as públicas e o seu efetivo papel no plano de desenvolvimento das cidades.

Minha inquietação sobre o tema foi motivada pela ocorrência de uma informação publicada no dia 3 de janeiro de 2013, no Facebook, no grupo da Associação Brasileira de Profissionais de Informação – ABRAINFO, postado pela bibliotecária Cristiane Kelly Fernandes que, em tom de desabafo, apontava sua decepção diante das providências da nova secretária de educação do município de Conde, na Paraíba, que optou por ceder o espaço reservado à biblioteca, para atender as necessidades da guarda municipal, sob a alegação de que segurança era mais importante que educação.

O incidente é horroroso, mas torná-lo público pode nos levar a refletir a situação de instabilidade por que passam as bibliotecas públicas brasileiras, especialmente nesse momento de mudanças quando gestores pouco qualificados passam a olhar esses ambientes como espaços sem representação para o desenvolvimento das cidades.

Fachada da Biblioteca Nhamundá – AM

Outro aspecto que contribuiu para que optasse por essa temática decorreu da pesquisa que venho realizando nos municípios do Amazonas (no ano de 2012 visitei 22 municípios), onde pude entrevistar gestores de diferentes níveis de escolaridades e, em muitos casos, perceber que a maioria desconhece o que vem a ser uma biblioteca pública (não fazendo distinção entre pública e escolar) e concebendo como tal, espaços que se restringem a depósitos de livros.

Biblioteca Pública de Nhamundá – AM

Então, diante do exposto, pergunto primeiramente, a quem devemos recorrer quando da incidência de bibliotecas em situação de risco? Além disso, penso que devemos iniciar uma discussão visando buscar parâmetros que evidenciem a instituição biblioteca pública como espaço de democracia e ambiente propício ao exercício de cidadania nos meios de comunicação de massa. Uma grande campanha nacional mostrando o que consiste de fato uma biblioteca pública seria interessante. É importante que busquemos uma saída para que a instituição biblioteca pública passe a ser vista, reivindicada e querida como instituição fundamental e necessária no ambiente das cidades.

Bibliotecas públicas em situação de risco, a quem recorrer?

Somos cientes de que existem inúmeras bibliotecas públicas no país em condições desfavoráveis, algumas inclusive, em reformas intermináveis, como a Biblioteca Pública Estadual do Amazonas, fechada desde 2007 para reforma. Apesar disso, não sabemos a quem recorrer numa instância maior para buscar solução para o problema.

O bom é que existem pessoas que não se calam diante de irregularidades e foi o que aconteceu com a bibliotecária Cristiane Kelly que, após conseguir um edifício mais adequado para a biblioteca pública de sua cidade e ao saber da inviabilidade de utilização do espaço, não se conformou e indagou por meio das redes sociais, onde estariam os CRBs, Associações de Profissionais, Biblioteca Nacional, MEC, Minc etc para que pudessem ajudá-la diante da situação.

Creio que dos órgãos listados por Cristiane, o organismo mais adequado a recorrer seria a Biblioteca Nacional, nesse caso, mais especificamente o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas – SNBP que, criado desde 1992, tem como objetivo principal  o fortalecimento das Bibliotecas Públicas do país.

O SNBP, no ano de 2012, imprimiu esforços no sentido de fortalecer o cadastro nacional de bibliotecas em todo o território nacional, contudo, dada às dimensões geográficas o Sistema ainda não apresenta dados consistentes e em se tratando do norte do país, deixa muito a desejar. O cadastro é feito por meio de tecnologia à distância…

Outros setores que atuam em parceria com o SNBP e poderiam contribuir na promoção das bibliotecas públicas nos municípios seriam as Coordenações Estaduais de Bibliotecas Públicas, presentes em todos os estados. Não sei como atuam, mas aqui no Amazonas gostaria muito de ver um relatório das ações realizadas por essa regional no decorrer do ano de 2012. Será que estes são encaminhados ao SNBP?

Quanto à pergunta de partida, ou seja, a quem recorrer em casos de irregularidades, creio que, de forma emergencial, às redes sociais que mais rapidamente apontam apoio moral diante das barbaridades empreendidas e ao colocar em xeque o posicionamento dos gestores, oferecem condições para que a situação seja minimizada ou até mesmo resolvida.

Bibliotecas públicas no Brasil… Como estão?

 A segunda edição do livro Biblioteca Pública: princípios e diretrizes, publicado em 2010 pela Fundação Biblioteca Nacional, apontou que o Brasil possuía naquele período 5.187 bibliotecas públicas, em sua maioria dirigida por leigos. A informação era proveniente da primeira grande pesquisa sobre as bibliotecas públicas no país, realizada em 2009 pela Fundação Getúlio Vargas, que apontou como resultado que “em 4.905 municípios foram realizadas visitas in loco para a investigação sobre a existência e condições de funcionamento de BPMs. Os 660 municípios restantes, identificados sem bibliotecas em 2007 e 2008 e que foram atendidos pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e o Programa Mais Cultura com a instalação de BPM, foram pesquisados por meio de contato telefônico”.

Infelizmente essa pesquisa deixou praticamente de fora a região norte. Além disso, uma avaliação que mede a instituição biblioteca pública por meio de contato telefônico gera pouca credibilidade nos resultados.

O Brasil possui um Plano Nacional de Cultura (PNC) com uma série de metas a serem alcançadas em todo território nacional até 2020. A edição do Plano de Metas produzido pelo ministério da Cultura apontou em 2012 que “hoje 5.510 cidades, ou seja 99% das cidades brasileiras, tem pelo menos uma biblioteca pública (municipal, estadual ou comunitária)”.

O problema é que muitas dessas bibliotecas funcionam em espaços inadequados, com acervos defasados e sem oferecer serviços que atraiam a atenção de usuários, tendo em vista que até serviços de empréstimos de livros domiciliares (em alguns casos) são inexistentes. Nestas circunstâncias, as bibliotecas são observadas não só pelos gestores, mas até mesmo pelos cidadãos como espaços desnecessários.

Sendo assim, é fácil constatar que a imagem da biblioteca pública no Brasil (salvo algumas exceções), continua marcada como espaço para guarda de livros em ambiente dedicado as práticas de leituras silenciosas e em muitos casos com pessoas sem qualificação para tratar com o público ou oferecer serviços que vão além do empréstimo de livros. Essa imagem inviabiliza a atenção dos gestores para as necessidades reais que uma biblioteca pública deva possuir, com investimentos que vão muito além de uma acanhada sala com alguns volumes.

Por esse motivo são muito mais valorizadas pela população as construções de praças ou centros de convivências ou até mesmo arenas reservadas para a realização de shows… Muitas pessoas desconhecem a existência de bibliotecas públicas dinâmicas e atraentes, creio mesmo que muitos dos próprios prefeitos jamais entraram em alguma assim…

No plano legal, tramita em caráter conclusivo, o Projeto de Lei 3727/12, que inclui entre os princípios do ensino, previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96), a presença de pelo menos uma biblioteca pública em cada município brasileiro.

A lei quando promulgada poderá gerar garantia de existência para as bibliotecas. Contudo, na visão geral da maioria, criar bibliotecas é disponibilizar espaço para guardar livros e pronto. Mais do que espaços físicos e livros, as bibliotecas públicas precisam de pessoas e serviços.

Penso que é preciso iniciar um trabalho visual em nível nacional em prol das bibliotecas públicas, esclarecendo suas potencialidades e os ganhos que uma sociedade pode obter com seus recursos. Uma campanha com adesão dos CRBs, Associações de Profissionais da Informação, Biblioteca Nacional, MEC, Minc, bibliotecários, artistas, historiadores, amantes dos livros e das bibliotecas.

Biblioteca Pública de Niteroi – RJ

Acredito que os novos gestores (talvez boa parte desses), tenham o desejo de oferecer o melhor para as suas cidades. Muitos, porém, desconhecem o sentido ideal de uma biblioteca pública. Até mesmo nós bibliotecários, aprendemos isso somente quando sentamos nos bancos das universidades. Então não seria hora de pararmos de julgar aqueles que não sabem o que fazer e criarmos oportunidades para a aproximação sobre o assunto?

Proponho uma grande campanha, utilizando para isso inclusive ações que estão dando certo em outras cidades brasileiras, com slogans do tipo “Minha cidade tem biblioteca e a sua?”

O importante é começarmos algo que evidencie o tema. Brasileiro gosta muito de seguir ações que estão dando certo, que estão na moda. Então não seria lindo se pudéssemos influenciar prefeitos a criar boas bibliotecas ou estruturar melhor às já existentes? Assim, com bibliotecas ativas, esses espaços se tornariam elos tão fortes que em casos de decisões arbitrárias, todos se mobilizariam em prol de sua existência.

Um exemplo a ser seguindo: Biblioteca de Manguinhos – RJ

Mais informações nos links abaixo:

Primeiro Censo Nacional de Bibliotecas Públicas Municipais.

Projeto de Lei 3727/12

As Metas do Plano Nacional de Cultura

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