Para gerar, alimentar, fortalecer e manter vivo um leitor é necessário que os umbigos se conectem. Mas que umbigos são esses? Este texto tem uma única e singela pretensão: que eu olhe não só o meu umbigo, mas o umbigo do outro.

Todas as ações em prol de novos leitores ou de manter o leitor em atividade para que não desista de recorrer às diferentes narrativas que compõem a leitura precisam estar conectadas. Não é verdade que “depois que o bichinho da literatura picar o leitor ele será leitor para sempre”. Nem sei como é esse bichinho e, se ele um dia existiu, tenho certeza que já foi extinto. Conheço várias pessoas que liam muito e hoje leem pouco ou não leem mais.

Durante todo o tempo em que venho trabalhando na formação de leitores, nunca vi ninguém formar um leitor. O que constatei foi que pessoas/instituições contribuem na formação do leitor. Um leitor está em constante processo de desenvolvimento e formação.

Não existe nenhum curso que, num período determinado, formará um leitor. Um leitor necessita de vários estímulos de diferentes níveis para continuar, um dia após o outro, percorrendo as páginas do livro impresso ou da tela.

Tenho acompanhado algumas falas de promotores da leitura que vão na contramão do que estou dizendo. Vou tentar reproduzi-las:

“Bibliotecários não formam leitores. Quem forma leitores são os mediadores de leitura”.

“Bibliotecas comunitárias não podem ser chamadas de bibliotecas porque não tem bibliotecário”.

“A biblioteca pública é mais importante que a biblioteca comunitária e vice-versa”.

“Biblioteca escolar sem bibliotecário não é biblioteca”.

“Colocam professores remanejados em bibliotecas escolares porque não tem onde colocar”.

Essas frases e discussões de quem é o melhor ou de demarcação de espaço não contribuem para a formação do leitor. Nestas questões quem está sendo esquecido é o leitor. Isso é completamente diferente da valorização dos papéis do mediador, do professor e do bibliotecário. Sabe por quê? Porque quando um precisa se qualificar desqualificando o outro é porque não consegue enxergar além do seu umbigo.

Para contribuir na formação de um leitor são necessários muitos atores que não aparecem nestas falas: escritor, ilustrador, designer, editor, pais, avós, mídia, entre outros.

Então, bibliotecários, professores e mediadores, vocês não estão sozinhos nesta difícil tarefa.

Vivemos num país onde as condições de Educação e Cultura para a população estão distantes de serem boas. Precisamos colocar o leitor na centralidade de nossas ações, sabendo que não daremos conta disso sozinhos. Precisamos nos conectar a outros umbigos.

Será necessário mudar não só o nosso discurso, mas, principalmente, nossa atitude diante do leitor e dos companheiros de trabalho.

Em 2015, quando eu estava na Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) e criei, juntamente com a equipe, o Encontro Internacional Território Leitor, tinha uma grande proposta: a necessidade de conectar todos que trabalham em prol da promoção da leitura.

Queria que os comitês do Proler se unissem com os sistemas estaduais e municipais de bibliotecas, com as secretarias de educação e cultura, com as bibliotecas comunitárias, com as instituições públicas e privadas, entre outros.

Construir uma política pública unificada com a valorização dos diferentes papéis e atores é o grande objetivo dos planos municipais e estaduais do livro, leitura, literatura e bibliotecas. Política essa em que acredito e que defendo.

Porque queremos compartimentar o pouco que temos?

Discursos como: “Quem apareceu antes, a biblioteca pública ou a biblioteca comunitária?”; “A biblioteca pública está falida”; “Na Europa ou nos Estados Unidos as bibliotecas estão fechando”… Também não contribuem nem um pouco para refletirmos sobre a nossa realidade, nem como tudo se constituiu ao redor da leitura e da escrita no Brasil.

O que acontece fora do Brasil pode e deve ser referência para as nossas ações e políticas, mas nunca parâmetros. Isso, além de ajudar a reforçar “o complexo de vira-lata”, faz com que a gestão pública e privada importem “modelos” sem construir com a sociedade. Já vimos isso acontecer muitas vezes e sabemos o resultado: insucesso e desperdício de recurso.

A palavra “conectividade” está tão em voga, mas nunca estivemos tão desconectados uns dos outros. Precisamos realmente nos conectar. Precisamos descobrir quais são as ações das escolas, das bibliotecas comunitárias, das bibliotecas públicas, das instituições, do governo e fazer junto. Fazer junto não é convidar o outro para ser plateia ou fazer número no evento. É realmente construir laços e ações conjuntas para fortalecer as contribuições na formação do leitor.

É necessário que o leitor possa frequentar a biblioteca da escola, a biblioteca comunitária e a biblioteca pública na mesma semana ou no mesmo dia. Ou será que o leitor precisa escolher um único espaço?

Quando mudarmos o pensamento, olharmos para um horizonte que não exclua o leitor e refletirmos sobre nossas ações, vamos conseguir nos conectar uns aos outros e trabalhar na direção de um território leitor.

Só desta forma teremos mediadores e professores, reforçando a luta para que governos contratem mais bibliotecários. Só desta forma teremos bibliotecários estimulando que existam mais e mais bibliotecas comunitárias nos bairros para estimular os leitores. Só desta forma teremos mais mediadores e bibliotecários conectados com as escolas atuando em parceria na valorização da educação.

Não temos que compartimentar nada! Muito menos os poucos recursos públicos investidos na nossa área. Temos que nos conectar e somar para exigir ampliação deste investimento.

A escolha pela desqualificação do outro profissional ou setor é um caminho cego, burro e desnecessário. Quando uma pessoa não enxerga o valor do trabalho realizado pelo outro é porque ela mesma não tem um trabalho consistente.

Num cabo de guerra não existe vencedor. Você derruba alguns e a corda fica bamba e desconectada de tudo.

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