“A gargalhada é o sol que varre o inverno do rosto humano” já dizia Victor Hugo. “Rir é um ato de resistência” como bem disse o saudoso ator Paulo Gustavo. Os últimos 2 anos (quando foi decretado o início da pandemia de covid-19 no Brasil) foram difíceis devido às restrições impostas pelo isolamento social, especialmente no setor cultural, nas quais teatros, cinemas, shows e eventos tiveram de ser paralisados. Diante de inúmeros desafios somente após a chegada da vacinação em massa e com a retomada das atividades culturais, um novo boom da denominada stand-up comedy está sendo presenciado por todo o país, caracterizando este gênero como um fenômeno da indústria do entretenimento nas mídias sociais.

Após 20 anos do primeiro boom da stand-up comedy no Brasil estes espetáculos voltaram a angariar um público expressivo, e isto ocorreu concomitantemente à pandemia de covid-19, ou talvez devido a ela. As pessoas ficaram muito tempo isoladas, carentes dos equipamentos culturais que se encontravam fechados e com a reabertura, muitos optaram por este tipo de entretenimento em busca de um certo alívio cômico e psicológico.

O humor e a arte podem ajudar nos momentos de adversidades, atuando como anestésicos para situações agudas de sofrimento, tornando-se uma alternativa de diversão para a população. Neste contexto também podem auxiliar a suportar momentos de crise, sendo considerados remédios para o enfrentamento de situações inesperadas. E como o brasileiro é considerado um povo que adora rir, a stand-up comedy poder agir como um antídoto para encarar tempos tão atípicos.

Além da crise causada pela pandemia diversas instituições de arte tradicionais como os teatros também têm lutado nos últimos anos para atrair o público para suas salas de apresentação devido à grande concorrência de atividades de lazer e entretenimento, em especial aquelas encontradas nas mídias sociais. De acordo com Hattingh (2018) por meio da compreensão das necessidades motivacionais do consumo de arte da audiência, principalmente entendendo o porquê do interesse por este tipo de espetáculo, será possível traçar um perfil do público e as instituições artísticas poderão obter vantagem competitiva sobre a variedade de oferta de entretenimento.

Percebe-se que quer seja na TV, nos jornais ou nas mídias sociais, o humor geralmente se faz presente no universo do entretenimento e, por que não, da informação. Com o surgimento da internet, este gênero ganhou novos formatos e também uma maior visibilidade, desde as charges às notícias cômicas, o humor se consolidou como uma ferramenta de informação e formador de opinião.

Possenti (2001) afirma que este gênero fornece simultaneamente um dos melhores retratos dos valores e problemas de uma sociedade e uma coleção de fatos e dados impressionantes para quem quer saber o que é e como funciona a língua. Através do discurso humorístico é possível também criticarmos a sociedade e atacar o pré-estabelecido, ressaltando aspectos repressivos identificados por meio dos estereótipos muito comuns nas apresentações de stand-up comedy.

Já para o historiador Elias Saliba da USP, o humor não é só considerado um mecanismo da “boa saúde”, uma recompensa química do cérebro que traz como consequência o riso, mas também “um índice de como as sociedades se representam”, um produto cultural que muda ao longo do tempo. O riso também é social, assim como os seres humanos, pois ajuda a criar laços sociais. Ou seja, de uma forma ou de outra, salve-se pelo humor!!!

A stand-up comedy no Brasil

Apesar da escassez de estudos na literatura nacional são muitos os textos que abordam a stand-up comedy sob a ótica de suas práticas performáticas e discursivas. Embora pouco abordado no âmbito acadêmico (o que nos sugere uma não valorização do humor como forma de expressão artística) é um tema relevante para a área de Comunicação, principalmente por buscar evidenciar este tipo de comunicação com a cultura. De acordo com Calisher (2008, p. 120 apud Moreira, 2015, p. 14) sobre o pouco interesse acadêmico em se estudar temas sobre o humor:

De fato, o humor é um tema pouco estudado na área acadêmica, talvez por ser visto como algo não sério, […] ou como algo sem um propósito justificável […] analisar o humor é como dissecar um sapo. Poucas pessoas estão interessadas e o sapo morre com a análise.

Sendo assim o humor pode ser encontrado nas artes sob diversos formatos como no cinema, na televisão, na literatura, no teatro, porém especificamente a stand-up comedy é um termo que designa um espetáculo teatral de humor exercido por apenas um comediante e que em geral apresenta-se de pé, sem a utilização de recursos cênicos como figurino, caracterização, personagens, entre outros, fatores que o diferenciam de um monólogo teatral tradicional.

Segundo Andrade (2017, p. 44) “os comediantes consideram esse gênero […] um dos mais difíceis de serem executados por conta da relação imediata que o comediante estabelece com a plateia, pois ele tem de saber adequar seu repertório ao humor e à preferência da plateia”.

Embora ainda seja considerado um gênero novo e emergente no Brasil a stand-up comedy tem atraído a atenção de um grande número de pessoas em casas de shows, teatros, bares, apresentações em programas de TV e vídeos divulgados na internet, popularizando-se e (nos últimos anos com o compartilhamento de vídeos pelo Youtube) tornando-se uma forma de entretenimento para muitas pessoas principalmente nos grandes centros urbanos.

A stand-up comedy foi criada na Inglaterra e difundida entre os anos 1950 e 1960, sendo que no exterior, o comediante que apresenta a stand-up é um profissional respeitado. Alguns atores hollywoodianos tais como: Robin Williams, Eddie Murphy, Jim Carrey, Steven Martin e Woopi Goldberg iniciaram suas carreiras artísticas fazendo este tipo de apresentação.

Filho (2011 apud SECHINATO, 2015) aponta que a stand-up comedy surge no Brasil no final da década de 1990 com a formação dos primeiros grupos do gênero, como o Comédia em Pé no Rio de Janeiro e o Clube da Comédia Stand-up em São Paulo. Entretanto, afirma que foi uma convergência de mídias o grande impulsionador de sua expansão, ressaltando a internet e os programas de canais abertos de TV como os principais meios de propagação e popularização deste gênero. Somados a estes fatores houve o surgimento dos Comedy Clubs ao estilo dos norte-americanos (clubes de comédia para a realização exclusiva deste tipo de espetáculo) principalmente em São Paulo e a veiculação no país do canal de TV por assinatura Comedy Central Brasil.

Nos últimos anos com o avanço crescente e a solidificação das tecnologias de informação e comunicação, a stand-up comedy encontrou nas mídias sociais uma forma de realizar seu marketing de relacionamento com a audiência, sendo a maior plataforma de compartilhamento de vídeos Youtube o grande canal de divulgação do trabalho dos comediantes. De olho no sucesso deste gênero que arrebanha cada vez mais seguidores em suas redes sociais a gigante do streaming Netflix lançou em seu catálogo especiais de comédia de humoristas nacionais consagrados como Afonso Padilha e Thiago Ventura, e internacionais, como Dave Chappelle e Bill Burr.

Grupo Os 4 Amigos. Foto: Divulgação

De acordo com dados do Youtube, em 2020 os canais de humor do Brasil cresceram suas visualizações em 35% comparando com o ano anterior, aliadas ao crescimento da cultura de acesso móvel a conteúdo digitais. Em 2021 no Brasil, o número de ouvintes de podcasts cresceu em 24%, enquanto o número de streams aumentou em 32%. Este crescimento dos denominados podcasts também atraiu este tipo de comédia, a exemplo temos o Flow Podcast e Inteligência Ltda, os quais podem ser consumidos tanto nas plataformas de aúdio como no Youtube.

A formação de grupos de stand-up comedy compostos por comediantes foi a maneira encontrada de unir forças para manter a chama da comédia acesa e alavancar suas carreiras solo, como é o caso do grupo Os 4 Amigos, considerado o de maior sucesso atualmente. A título de exemplo temos o comediante Afonso Padilha (@oafonsopadilha), integrante do grupo, que vem lotando teatros e casas de espetáculo por todo o Brasil. Padilha possui um especial de comédia na Netflix e outros 5 especiais no Youtube, além de somar milhões de seguidores em suas redes sociais. Prova de que a comédia stand-up apesar de sofrer altos e baixos tem conseguido manter-se viva ao longo dos anos e consolidar-se como um gênero do entretenimento.

Portanto é perceptível o crescimento da stand-up comedy no Brasil, principalmente na internet com o apoio das mídias sociais. Apesar da pouca atenção dada este gênero humorístico no âmbito acadêmico, o mesmo vem se popularizando ao longo dos anos por meio de um amplo repertório social compartilhado, muitas vezes tendo como pano de fundo conflitos sociais e estereótipos que cercam o senso comum.

 

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Valdete Aparecida Borges. Stand up: caracterização de um gênero oral sob a perspectiva da análise de discurso crítica (ADC). Uberlândia, 2017. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia: UFU, 2017.

HATTINGH, Chris. Motives for attending live stand-up comedy: an audiences perspective. African Journal of Hospitality, Tourism and Leisure, Cape Town, South Africa, v. 7, n. 2. 2018.

MOREIRA, Ester Roberta Cardoso. Desvendando as punch-lines: construção e compreensão de sentidos na comédia de stand-up sob a perspectiva da linguística cognitiva. Niterói, 2015. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade Federal Fluminense. Niterói: UFF, 2015.

POSSENTI, S. O humor e a língua. (2001). Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?pdfurl=http%3A%2F%2Fjuliofurtado.com.br%2Fwp-content%2Fuploads%2F2017%2F08%2Fo-humor-e-a-lingua-texto.pdf&clen=211992&chunk=true. Acesso em: 25 mar. 2022.

SECHINATO, Juliana Spagnol. No espetáculo do riso:  uma abordagem etnográfica da comédia stand-up. São Carlos, 2015. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Universidade Federal de São Carlos. São Carlos: UFSCar, 2015.

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