Por Mariana Filgueiras, do O Globo. Foto: Camilla Maia.

Nos últimos dias, quem tem o hábito de frequentar a Biblioteca Nacional notou duas mudanças significativas na rotina da instituição. A primeira foi a diminuição sensível do número de funcionários. Em março, 107 servidores foram dispensados para reduzir gastos (todos os 79 estagiários, além de 28 terceirizados de nível superior). A segunda está sobre a própria cabeça do visitante: acabou de chegar à BN a claraboia central totalmente restaurada, trabalho que levou meses para recuperar o vitral centenário, em deplorável estado de conservação por anos.

Apesar do ajuste orçamentário que atinge todos os ministérios desde o início do ano, e que forçou a Biblioteca Nacional a cortar servidores, esta foi uma semana que deixou animado o presidente da instituição, o cientista político Renato Lessa. Além de receber as claraboias tinindo, ele anuncia que as obras para a recuperação do sistema elétrico finalmente começaram (o que é fundamental para a implantação de um moderno sistema de refrigeração no prédio, demanda estrutural mais urgente da biblioteca). Foi na última semana, também, que ele lançou o portal “Brasiliana Fotográfica”, feito em parceria com o Instituto Moreira Salles (IMS), que disponibiliza 2 mil fotos históricas para consulta pública (www.brasilianafotografica.bn.br), imagens selecionadas da Coleção Gilberto Ferrez, por exemplo, Coleção Dom João de Orleans e Bragança ou Coleção Teresa Cristina Maria, esta registrada na Unesco como Patrimônio da Humanidade. Nos primeiros dias, o site já teve 850 mil acessos.

Em entrevista ao GLOBO, Lessa fala desta primeira parceria público-privada da BN, anuncia novos projetos e explica como vai conseguir levá-los a cabo praticamente sem dinheiro em caixa.

A parceria feita com o IMS é a primeira da biblioteca com uma instituição privada. Como teve início?

O Flavio Pinheiro, diretor do IMS, é meu amigo há anos. Quando eu vim para a Biblioteca, em 2013, ele foi a primeira pessoa com quem fui conversar sobre novos projetos. A ideia era transformar a BN numa instituição cultural ativa no cenário da cidade, do país. Ficou clara a ideia de uma parceria entre as duas casas. E o primeiro campo de cooperação pensado foi o da fotografia, pois o acervo deles é maravilhoso, e o nosso também. Dessa conversa surgiu o conceito. Por que não fazer uma Brasiliana fotográfica? Sempre que se pensa em Brasiliana, se evoca uma coleção bibliográfica. E se fizéssemos uma com fotos? Com acesso livre, em alta resolução, com ferramentas de pesquisa e entrada nas imagens mais acessíveis e modernas? Durante um ano, as duas equipes técnicas trabalharam juntas. Não foi da noite para o dia.

Em tempos de cortes, como fazer parcerias deste porte?

Foi uma parceria praticamente sem custos. O custo que houve foi o que o IMS teve na contratação do site. Para eles é muito mais fácil fazer, justamente por ser uma empresa privada. Eles puderam escolher livremente a empresa que faria o site. Já o servidor é nosso. Toda parte de hardware, estocagem, fica com a BN, no nosso Data Center. Nós temos um Data Center excelente graças ao BNDES (em 2011, o banco liberou 32 milhões para a modernização da BN).

A BN não gastou dinheiro algum?

Há um custo instalado da Biblioteca, mas que não é monetário. Como o site fica na Biblioteca, armazenado no nosso Data Center, não pagamos um centavo a mais por isso. O que o IMS trouxe foi a contratação do projeto do site. A gente poderia ter feito isso, mas aí teria de ser por procedimento licitatório, que demora muito, e como é definido por preço, você não controla o produto final. Essa é a vantagem da parceria público-privada: o público entra com o que tem de melhor, e o privado com a agilidade.

Estão previstas novas parcerias?

No dia do lançamento da “Brasiliana”, duas instituições ofereceram seus acervos para o portal: o Arquivo da Cidade, que tem um acervo de imagens extraordinário, incluindo a Coleção Augusto Malta, e o Arquivo da Marinha, cujo acervo fica na Ilha das Cobras, e que é igualmente incrível. Estamos lançando agora, também, uma parceria com a Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), a Biblioteca Digital Luso-Brasileira (BDLB). É a fusão digital das duas casas. Tudo que as duas têm entrarão num terceiro portal. É o principal projeto de cooperação entre os dois países hoje na área da cultura, simplesmente isso.

Depois de tantas más notícias da BN, essas parecem boas.

Não são tantas más notícias assim. Muita coisa tem sido feita aqui.

Mas a Biblioteca enfrenta uma crise estrutural há anos.

Muita coisa andou aqui. Vamos começar agora, em maio, a maior obra de recuperação da estrutura elétrica jamais feita na história da BN. Os canteiros já estão montados. Uma obra de quase R$ 5 milhões, que teve uma licitação complicada. Sem essa obra não tem ar-condicionado. As pessoas acham que é só comprar um aparelho nas Casas Bahia e instalar aqui, mas não é assim. É uma obra para mais de um ano. Imagina mudar toda a estrutura elétrica de um prédio desses. Eu não tenho compromisso olímpico, não tenho que ser o campeão da rapidez. Tem que fazer direito. Já expliquei pro pessoal daqui: antes de dois anos, não vamos ter ar-condicionado novo. Vai ter o que já tem: esse que tem há 30 anos e que não suporta o verão carioca. E que ninguém mudou.

As claraboias deterioradas foram restauradas. E o prédio anexo, em péssimo estado de conservação?

O anexo não existe mais, agora será a Biblioteca Nacional do Cais do Porto. O projeto já foi selecionado, e a mesma equipe está desenvolvendo também o projeto executivo. Vai ser uma grande biblioteca, mas que também fará empréstimo, diferentemente da BN, que é de pesquisa.

A provável redução do orçamento da Cultura põe em risco esses projetos da FBN para 2015?

Veja bem: as grandes obras estruturais, como a reforma da rede elétrica e a recuperação da fachada, não são do orçamento deste ano. É uma obra feita com dinheiro do PAC das Cidades Históricas. (Em 2009, o governo federal liberou R$ 30 milhões para obras da BN). Do nosso orçamento interno, estamos ajustados. Muito apertados, mas ajustados. Se vier corte em cima disso, primeiro nós vamos ver qual o tamanho. Mas o MinC está entendendo que os cortes que já fizemos são os possíveis. Já enxugamos a casa.

O corte dos terceirizados não compromete o funcionamento da BN?

O corte teve de acontecer por falta de dinheiro. Vamos voltar a ter, não existe nenhuma tara contra a ideia de estagiário. E não foram só eles: de 300 terceirizados, cortamos 28. Também não preenchemos as vagas dos terceirizados com nível superior, o que deveríamos fazer.

Apesar deste cenário, é um bom ano?

É um ano de recuperação. A casa tem problemas crônicos de 60 anos, e que há muito tempo não são atacados. O problema maior é que o Brasil ainda não entendeu a importância de ter uma biblioteca deste porte. O que significa ter uma casa de cultura como esta. Ela é mais antiga do que o país. Ela é de 1808, o país é de 1822. O Brasil, quando se tornou independente, decidiu manter essa biblioteca, nós a compramos de Portugal. Podíamos ter mandado de volta, mas decidimos ficar com ela, e devemos mantê-la. O valor dela é incalculável.

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