O dia em que a vida humana será dominada pela tecnologia é presença constante na temática de filmes, séries e ideias contemporâneas. Basta uma volta rápida pelos últimos lançamentos para observar essa tendência: filmes como Blade Runner 2049 (2017), Ghost in The Shell: A Vigilante do Amanhã (2017), The Double (2013) – este último, um filme péssimo, por sinal -, e as séries Black Mirror (desde 2011) e Altered Carbon (2018) são exemplos dessa opção criativa. Homens e máquinas brigam por espaço em ambientes com cores frias, luz néon e puro concreto. A sensação de vigilância perene é quase irrespirável. Não há espaço para natureza, emoções ou comida de verdade. A morte vem com uma perspectiva de clonagem e falsa eternidade. O que acontece quando um descendente Amish vive encravado em um ambiente desses? E quando ele precisa fazer uso da tecnologia que tanto renega para descobrir o paradeiro de sua namorada?
É exatamente isso que não descobrimos em “Mudo” (Mute, 2018), filme do diretor inglês Duncan Jones, filho de David Bowie e que traz na bagagem os longas Warcraft (2016) e Lunar (2009). A narrativa de Mudo começa quando o barman Leo, interpretado pelo ator Alexander Skarsgård, parte em uma busca desesperada pela namorada (Seyneb Saleh), que desaparece misteriosamente depois de um último encontro. Leo é Amish, portanto, avesso às tecnologias que pipocam ao seu redor. Buscando por todos os becos escuros onde surgem pistas de uma possível aparição de sua namorada, Leo topa com traficantes de armas, mafiosos e dois ensandecidos desertores. Um deles, conhecido como Cactus (vivido por Paul Rudd), tem muito mais a ver com o barman do que ele pode imaginar.
Nesse mesmo ambiente underground de Berlim dos anos 2055, há prostituição entre humanos e robôs, máfia e todas as mesmas mazelas de nossos dias atuais. O cenário cyberpunk, no entanto, é fraco e distante, totalmente desperdiçado, quase um pano de chão velho e rasgado usado para ocultar sujeiras. Não há qualquer conexão que sustente que a trama do filme deve se passar em um ambiente futurista. Acompanhando o vai e vem de mais de uma hora de duração, fiquei me perguntando qual seria a razão daquela história de “onde está minha garota?” e “eu não uso celular” estar inserida em um contexto dessa natureza. A total falta de sincronicidade ronda também as personagens coadjuvantes, utilizadas como meros acessórios sem força ou serventia, apesar do esforço de boa parte do elenco.
Tudo poderia ser diferente se o longa metragem focasse nos dramas pessoais dos personagens, sabendo trabalhar a queda de braço entre tecnologia doentia, beirando à psicopatia, e o conservadorismo limitante, que existe para oprimir e encarcerar. Essa é exatamente a essência que permeia os dois antagonistas, Leo e Cactus.
O ponto alto do filme fica com as atuações de Skarsgård e Rudd, que conseguem trazer um pouco de vivência não plastificada ao filme. Rudd interpreta bem o criminoso possessivo, cheio de esquemas e com um estilo hilário, beirando ao ridículo. Por sua vez, Skarsgård cumpre a missão de viver um personagem que só se comunica por expressões faciais e corporais, tendo como único auxílio uma caderneta e um lápis. Sozinho, ele praticamente carrega a produção inteira (ou o que restou dela), tanto pelo seu talento quanto por sua beleza física, impossível de não se notar.
Infelizmente, um jogo não é feito apenas de um ou dois jogadores. É feito de um time e de causas e condições adequadas, tudo o que o filme não dá.