Ele estava saindo da vida dela. Abriu a porta, pegou as malas espalhadas pelo chão, tirou o chapéu do cabide e, como que num último gesto de misericórdia, acendeu um cigarro. Tragou a fumaça e disseminou-a no ar da casa. Em seguida, olhou para aquela que, meses atrás, havia resgatado sua dignidade, devolvido sua consciência, retirado seus estigmas. Olhou-a com um misto de desdém e vulnerabilidade.
Deixava ali uma parte de si, mas levava embora grande parte dela. Levava um coração dilacerado, vitimado, destruído. E todos aqueles sonhos? Todas aquelas promessas? E as confissões que fizeram juntos, na meia-luz que iluminava a sala? As cartas… Sim, as cartas. Elas, que tanto provaram e se fizeram provar… Que tanto construíram e determinaram desejos! Tudo acabado!
Apagou o cigarro no cinzeiro, enfiou os dedos na mala e partiu. Ela continuava imóvel em frente à porta. Dos seus olhos escorregavam duas lágrimas, uma de cada lado. Engoliu seco, passou as mãos no cabelo e seguiu para a cozinha. Colocou o avental e tornou a assar o frango que havia deixado na geladeira. Fez a mesa com dois pratos e dois copos. O jantar não poderia esperar mais para ficar pronto. Assim como o seu coração.