Guimarães ensinou que a vida quer da gente coragem. Porque a vida é toda ela movimento e a gente no meio dela. Estica e puxa. Estica e puxa. Estica e puxa.
Anaïs Nin em prosa com Guima disse que “a vida se contrai e se expande proporcionalmente à coragem da pessoa”.
No estica e puxa há palavra empunhada para ser empenhada. Pela vida. Pelos cuidados com todas as vidas. Pela garantia de direitos. Pelo direito à fruição. À poesia. Pelo fim da iniquidade e tudo o que asfixia a vida.
“Somos do tamanho da palavra que sabemos dizer”, escreveu Bartolomeu. “Sou frágil o suficiente para uma palavra me machucar, como sou forte o bastante para uma palavra me ressuscitar”.
A palavra pode ser ponte. E pode derrubá-la.
A palavra pode proclamar amor. Acirrar e derrotar o ódio.
A palavra pode anunciar beleza. E promover dor.
A palavra pode escutar. E ocultar.
Há quem faça uso da palavra para silenciar. Há quem faça uso da palavra para desvendar.
A palavra fala da vida que havia antes da palavra.
A palavra ecoa, mas também antecede o real.
Todas as coisas e circunstâncias são expressas em palavras.
A palavra pode humanidade. E desumanidade. Que é ela mesma parte do humano que queremos desenraizar.
A palavra é fio e linha da nossa tecitura e do tecido social.
A palavra tece e esgarça. A gente e o tecido.
E a gente segue a teSer.
A palavra pode o que podemos. Já nós muito pouco podemos sem a palavra em um mundo povoado, inventado e reinventado pela palavra.
“O mundo é tamanho do que sei dizer”
A palavra pode deitar semente de vida boa e digna para todas as vidas. Mas para isso é preciso que a palavra trafegue livre e grande no miudinho da vida, apropriada por todas as gentes. Para muito além da palavra funcionária. Para muito além das que anunciam subordinação. Para teSer os cuidados com a vida é preciso ir muito mais além. Um além encontrado no que Graciela Montes[1] chamou de “o triunfo da memória”: a leitura, os livros, as bibliotecas.
Nós, sapiens, já provamos que somos top na arte de seguir a máxima da existência biológica: não morrer, matar e procriar. A questão é como operar uma mutação em uma genética que sofre mutações a cada milhares de anos para que sejamos seres bem melhores na arte de coexistir em harmonia. Apreciando e respeitando a diversidade. Não é simples. É complexo. Muito! Mas é possível. É o que vimos fazemos quando produzimos cultura. Redefinindo as fronteiras da programação genética. Expandindo a noção de êxito pela competição para caber apreciação e cuidado. Uma tarefa que requer não acumulação de conhecimento. Mas empenho do conhecimento para atingir objetivos bem maiores do que assegurar a nossa própria existência. A proclamada essência humana é, como ensina Hannah Arendt em “A condição humana”, existência. E a existência é tensionada pelas condições – históricas, sociais, materiais – nas quais a vida de cada ser humano tece e é tecida, dialeticamente.
Então educar para a leitura é tarefa que não pode deitar boas raízes se não consideramos estes aspectos que são inerentes ao fazer humano. Fazemos o nosso cotidiano e somos moldados por ele. Daí que decolar desse platô para aprender a indagar a vida para atuar pelo novo bom e melhor para todas as vidas é trabalho árduo e cotidiano. É trabalho regado a leituras que nos preparem intelectual e sensivelmente a pensar: qual o sentido do texto/da narrativa/da informação? Faz sentido para mim? Faz sentido para mais alguém além de mim? Por que? Poderia ser diferente? Melhor?
Passou de hora de “drumondiar”.
“Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a”.
Para “freirear”:
“Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes”.
A palavra pede de nós, também ela, coragem e grandeza e não apequenamento no que pensamos, propomos e realizamos no campo do que chamamos de promoção da cultura escrita para todas, todos, todes.
[1] “Buscar indícios, construir sentidos”, página 29, Solisluna Editora, 2020