Por Gabriela Colicigno do El País
Zero Freitas tem mais de 5 milhões de vinis e trabalha para catalogar todos e disponibilizar gratuitamente
O colecionador José Roberto Alves Freitas, de 62 anos, mais conhecido pelo apelido de Zero Freitas, tem o maior acervo de discos de vinis, embora não admita. “Vai que alguém descobre um maior do que o meu, não posso sair fazendo afirmações assim”, brinca. Ele ganhou os holofotes depois que a revista do The New York Times publicou um artigo sobre ele no início deste mês. “Nós aceitamos esse tipo de divulgação na mídia porque, daqui a um ano, queremos disponibilizar nosso catálogo para todas as pessoas”, explica.
Mesmo que ele tenha receio de falar que tem a maior coleção do mundo, seria difícil encontrar um acervo maior: fazendo a conta de forma rápida, ele afirma que já são mais de 5 milhões de discos. “Mas pode chegar até 6 ou 7 milhões em uma conta mais precisa”, admite Zero Freitas. Ele também está fechando negócio com uma pessoa há alguns meses para adquirir mais 250.000 discos, e afirma que a demora “é uma questão logística, não financeira”, mas não entra em maiores detalhes.
Metade do seu acervo veio de doações de todos os cantos do mundo. O projeto dele é terminar de catalogar todos os discos e depois disponibilizar a lista para todas as pessoas. “Assim, elas podem entrar em contato conosco caso procurem um disco que não encontram em outro lugar”, explica Freitas, que é dono de uma transportadora. A ideia não é criar uma biblioteca de empréstimo de discos físicos, mas ter tudo disponível para quem precisar gravar a trilha de um filme ou de um comercial, por exemplo, ou para os próprios artistas que não tenham todo o seu material. Além disso, pode servir para os estudantes de cultura brasileira, que podem usar as músicas em suas pesquisas.
Tudo isso será disponibilizado gratuitamente. No caso, o interessado pode verificar se a música ou disco que precisa está disponível, obter os direitos autorais e entrar em contato para conseguir uma cópia digital. A questão dos direitos autorais precisa ser discutida diretamente com os detentores deles, não com o acervo. “Nós podemos disponibilizar o áudio digitalizado com o consentimento do artista”, esclarece. Ele não tem planos de digitalizar tudo, por questões práticas e legais, e acrescenta que se algum artista ou banda não quiser seus discos na lista pública, poderá entrar em contato para que suas obras sejam retiradas. “Vamos retirar da lista, mas os discos continuam guardados aqui”, observa ele, que é apaixonado por diferentes ritmos desde criança, influenciado pela mãe, que ouvia música o tempo todo. Aos cinco, ganhou dos pais uma vitrola e um piano de presente. Desde então, é um entusiasta da arte das notas musicais.
“Sempre me fascina encontrar novos discos, como um lote que recebi com discos evangélicos de pequenas igrejas, cantoras desconhecidas ou mesmo de missas”, comenta. “No mês passado, recebi um lote que continha um disco escrito Deus Salve o América, Campeão da Cidade em 1960. Suspeito que nem os torcedores mais fanáticos do time (carioca) sabem da existência de algo assim”, acrescenta. Ele diz que é isso o que impulsiona o seu projeto pessoal: a vontade de conhecer mais da história brasileira por meio dos discos e da música.
Os discos do empresário não estão todos no mesmo lugar: Zero guarda na sua casa 100.000 discos que garimpou em sua vida, pelas ruas e em lojas, e que são seus preferidos. No galpão da Vila Leopoldina, na zona oeste da capital de São Paulo, que também é um estúdio, estão 500.000 vinis, com a metade deles já catalogada. Há ainda um outro espaço, em que ficam os lotes que chegam pelo correio ou as últimas aquisições, ainda embaladas da mesma maneira que vieram. “Não há um lote em que não venha pelo menos um disco interessante que eu nunca tenha visto”, confidencia ele.
A necessidade de ter um galpão surgiu há cerca de oito anos. Antes, as coleções ficavam todas na casa dele, mas com as compras de lotes inteiros de discos, faltou espaço. O eBay, site de compras on-line, foi uma das ferramentas que permitiu que a coleção crescesse. Zero comprava discos lá desde o ano 2000, de todas as partes do mundo e com um bom preço. Os Estados Unidos, em geral, contribuíram bastante.Muitas das doações vieram de lá. Zero explica que os americanos “costumam doar para universidades, para a Biblioteca do Congresso, ou outros órgãos. Mas são lugares que só aceitam se a pessoa enviar para lá e arcar com os custos de transporte”.
Eis o segredo do seu acervo. O empresário brasileiro entra em contato com essas pessoas e custeia tudo para trazer para o Brasil. “Nós deixamos claro que isso terá uma utilidade, que será algo público”, afirma ele, que utiliza a sua estrutura de logística da transportadora para cultivar o hobby que adotou para a sua vida. No Brasil, ele conta com a ajuda de amigos e conhecidos, cientes do projeto, que o indicam quando sabem de doações disponíveis.
Mesmo assim, o foco principal dele é a preservação da cultura da música brasileira. Por isso, conta com um time de estudantes de História que atuam como estagiários. O trabalho, por enquanto, é voltado à catalogação dos discos, que pode chegar a até 1.000 exemplares por dia. “São dois turnos, com oito estagiários em cada um.” Mesmo nesse ritmo, a quantidade de álbuns que chegam aos depósitos não para de crescer.
“Nossa catalogação é bem simples: apenas o nome do disco, artista e selo, além de notas de detalhes, dedicatórias ou peculiaridades”, conta. O problema é quando não conseguem entender quem é o artista e qual é o nome do disco, ou quando os discos são de outros países e estão escritos em russo, japonês ou árabe. “A sorte é que alguns estagiários entendem um pouco de russo ou alemão”. Normalmente eles encontram o disco nas buscas pela internet, mas em último caso, Freitas coloca uma anotação na nota do catálogo explicando “que foi como um ‘chute’. Sou eu quem decide como colocar o nome e o álbum em casos extremos”.
Sobre procurar discos em outros países, ou viajar atrás deles, Freitas é categórico: “Nunca viajei atrás de discos”. Inclusive, quando viaja, procura ficar longe das lojas de LPs. Traz apenas alguns CDs, que ele costuma ouvir. Ele também coleciona essas bolachas digitais, embora não tenha tantos quanto discos de vinil. São mais de 100.000 CDs, adquiridos em compras ou doações. Sobre as preferências, o empresário varia de acordo com o momento. Na semana passada, por exemplo, tinha a bordo do seu carro três CDs, brasileiros, claro: Eu me transformo em outra, de Zélia Duncan, Coisas de Djavan, de Rosa Passos, e Pietá, de Milton Nascimento.