RIO – Era para ser uma entrevista sobre a recém sancionada lei da Comissão da Verdade, mas a professora Marilena Chauí já foi avisando: “eu acho que eu não vou falar nada, sabe por quê? Me avisaram anteontem que o Rio de Janeiro está indicando o meu nome para [compor] a Comissão e eu nem sabia disso. Levei um susto”. Também era para ser uma entrevista mais extensa, mas a professora estava se preparando naquele momento para proferir seu discurso na primeira das quatro conferências do Ciclos de Debate – Direitos Humanos, Justiça e Memória a serem realizados em quatro capitais brasileiras: Rio, São Paulo, Porto Alegre a Brasília e por conta disso só conseguimos colhemos essas breves palavras dessa emblemática figura da esquerda brasileira.
Chico de Paula: Professora Marilena, o que representa esse evento, esse “Ciclo de Debates – Direitos Humanos, Justiça e Memória” que está sendo realizado em quatro capitais brasileiras?
Marilena Chaui: Olha, é o que já não era sem tempo! Nós sabemos que nos outros países da América Latina que atravessaram ditaduras, fizeram esse trabalho. Um trabalho de discussão da ditadura, do que passou em cada um desses países e questão da justiça e dos direitos. E entre nós, aqui e ali, de vez enquanto, há algum debate e algumas posições são tomadas com relação à questão da tortura, mas uma discussão efetiva sobre a importância da memória e a ligação da memória com a concepção da justiça ainda não havia sido feita, de maneira pela qual finalmente nós fazemos parte da América Latina hegemônica.
C. P.: E já que a senhora está falando da América Latina, outros países da América Latina deram passos nesse sentido da memória primeiro. O Brasil está atrasado nesse sentido?
M. C.: Bastante atrasado! Como eu te disse, houve iniciativas, mas fragmentadas. Por exemplo, todo o trabalho delimitado na UFMG, no Museu da Resistência que eles conseguiram montar lá. Houve algumas iniciativas em São Paulo. Sabemos de iniciativas em Pernambuco e no Rio Grande do Sul, mas são coisas muito esparsas, muito fragmentadas, nunca se chegou a uma formulação em nível nacional, isso foi o que nos colocou em atraso com relação ao resto da América Latina: nós nunca discutimos essa questão em nível nacional.