RIO – Amante da leitura e entusiasta da biblioteca, doutor José Letácio Jansen “está coordenador”, como eles mesmo diz, da Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro há três anos, período que marca a retomada deste tradicional periódico jurídico. Na instituição desde 1967, doutor Letácio começou suas atividades na Revista por intermédio de José Carlos Barbosa Moreira, apontado por ele como o maior jurista brasileiro do século XX. Um dos trabalhos mais importantes desenvolvidos por doutor Letácio à frente da Revista é o processo de digitalização das edições mais antigas. Nesta entrevista ele fala, entre outras coisas, da história do periódico que coordena, de Direito Monetário, que é sua especialidade, e de sua participação no 5º Seminário de Informação e Documentação Jurídica.   

Chico de Paula: Como foi sua infância e juventude? Você já tinha uma predileção pela área Jurídica?

Letárcio Jansen: Tinha porque meu pai era advogado e eu estava com a carreira praticamente definida por conta dessa tradição na família.

C. P.: A área Jurídica tem uma relação muito grande com a leitura, o senhor é um leitor desde a infância? Como que é a sua relação com a leitura?

L. J.: Eu sempre fui um grande leitor; a minha relação era da maior proximidade e sempre fui encantado com as bibliotecas.

C. P.: O senhor é natural do Rio de Janeiro?

L. J.: Sou do Rio de Janeiro.

C. P.: Como que é o trabalho que o senhor desenvolve na Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE/RJ)?

L. J.: Eu coordeno a Revista; a função do coordenador de certa forma é a função de alguém que insufla. Estou permanentemente querendo que o CEJUR (Centro de Estudos Jurídicos da PGE) consiga produzir um resultado, porque a experiência da burocracia como um todo não é de produzir resultados; em geral os burocratas desempenham uma atividade meio. Então a Revista é um produto, ela tem que ter a lógica de um produto; a lógica do mercado para essa revista, essa é minha função. Eu vim para cá à pedido e conversando com a Lúcia Léia que é procuradora geral [do estado do Rio], e tenho sido bem sucedido, porque conseguimos editar alguns volumes: o 63, o 64, o 65, o índice e agora essa edição em homenagem ao Marcos Juruena e já está em curso o trabalho para edição do volume67. A ideia, para você saber, é que não me considero coordenador; eu estou coordenando e consegui montar uma coordenadoria que é composta pela procuradora assistente, que é uma procuradora da ativa, por um residente jurídico (a procuradora da ativa é a Natali Jordano e o residente jurídico é o João Moraes), por uma estagiária dele, a Cintia Araújo e por uma técnica de nível superior que é a Ana Carla Barbosa. A técnica de nível superior teve que ser remanejada para outra área e então veio trabalhar conosco a Marilânia. Além da coordenadoria, que vai substituir a pessoa do coordenador e vai criar as bases para a Revista viver nos próximos dez anos, que é o meu projeto, criei aqui também um setor de divulgação e distribuição, porque quando a Revista foi criada em 1955 nós éramos Distrito Federal, depois em 1960 nós nos transformamos em estado da Guanabara; então ela foi criada enquanto havia a Procuradoria Geral do Distrito Federal e nós éramos um município neutro. Depois foi criado o estado da Guanabara e nos tornamos Procuradoria do Estado da Guanabara; depois em 1975 foram fundidos o antigo estado do Rio de Janeiro e a antiga Guanabara e nós nos tornamos então Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro. Então essa Revista tem sido ao longo desse tempo todo uma revista da Procuradoria Geral, mas foi uma revista da Procuradoria Geral do Distrito Federal, do Estado da Guanabara e do Estado do Rio de Janeiro. Então essa revista ela é uma grande responsável pela identidade da Procuradoria Geral, tal como você vê aqui, que é um órgão de excelência e que deve, em grande parte, sua identidade a existência dessa Revista, porque nós sofremos essas transformações institucionais muito graves e que causaram muitos danos a administração, especialmente a fusão [do estado do Rio de Janeiro com o estado da Guanabara, em 1960], e a Revista ajudou a Procuradoria a se manter um órgão de excelência que ela até hoje é. Eu tenho uma ligação pessoal com a Revista porque vim trabalhar na Revista quando era procurador, jovem procurador, e o chefe da Revista era meu colega de concurso que é o maior jurista brasileiro do século XX, o José Carlos Barbosa Moreira que ainda vive.

C. P.: O senhor lembra o ano?

L. J.: Eu vim em 1967 aproximadamente, então trabalhei muito com José Carlos; ele era um grande entusiasta da Revista e tinha sido escolhido pelo Gustavo Filadelfo, porque ele foi o primeiro lugar do meu concurso e foi escolhido pelo Gustavo como aquele que ia substituí-lo na Revista. Efetivamente a Revista durante a administração do José Carlos foi um período áureo.

C. P.: Quantos anos mais ou menos o José Carlos Barbosa Moreira ficou à frente da Revista?

L. J.: Ele ficou uns dez anos ou mais; depois ele saiu da procuradoria porque foi ser desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Quando ele era o último chefe da Revista eu fui trabalhar com ele e fiquei uns três ou quatro anos aqui; publiquei muitos trabalhos na Revista; tenho um interesse em Direito Monetário, até vou dar a você um volume de um trabalho meu.

C. P.: Inclusive o senhor tem um site em que publica temas relacionados ao Direito Econômico, a Política também…

L. J.: É verdade, eu posso dedicar a você ou a instituição?

C. P.: Pode dedicar a mim, sou estudante de Direito… Esse livro é sobre…?

L. J.: O livro é sobre a moeda, Direito Monetário e o título dele é a Moeda Nacional Brasileira.

C. P.: Já que o senhor mencionou a questão do Direito Monetário, como é o que o senhor enxerga o panorama do Direito Monetário não Brasil hoje?

L. J.: Considero que o Direito Monetário ainda está muito pobre, porque não tem Direito Monetário nas faculdades, nem nos cursos de graduação e nem no curso de pós-graduação, então ainda vivemos aqui sobre a égide dessa ideologia da correção monetária, que é um desastre, porque cria uma duplicidade da moeda nacional; é muito difícil mudar essa mentalidade. Venho lutando e antes do Plano Cruzado já defendia a desindexação da economia de uma perspectiva jurídica, mas na época a minha reflexão ajudou os juristas a enfrentar essas transformações, mas o Plano Real deixou várias brechas e sobreviveu a uma indexação residual e essa indexação residual que ainda está no judiciário, no sistema financeiro. O sistema imobiliário ingressou também nessa regra de exceção e não houve uma norma de conversão das obrigações monetárias na moeda anterior para a nova moeda. Então a falta dessa norma de conversão faz com que haja uma espécie de eternização da correção monetária judicial. Para que se pudesse fazer depois dos fracassos dos planos anteriores, um plano que desse resultado e que deu resultado, se inventou um artifício que virou a Unidade Real de Valor (URV), que foi tratada como se fosse uma moeda embora não fosse uma moeda; ela na verdade era um indexador.

C. P.: Era um artifício de transição entre o antigo modelo econômico e o novo modelo econômico.

L. J.: Não propriamente um modelo econômico, mas era um artifício para a transição do Cruzeiro Real para o Plano Real, mas na verdade não era uma moeda, porque ela era apenas uma medida de valor na verdade subordinada a moeda, porque a URV era expressa em Cruzeiro Real e essa existência da URV aliada ao fato de não existir uma norma de conversão, isso está aliado uma coisa com a outra. Você não consegue ter um momento de transformação das obrigações em Cruzeiros Reais nas novas obrigações em Real. Isso gera uma série de problemas e esses problemas inclusive estão ligados a alta dos juros, você tem todo um sistema ainda de overnight, todas essas deformações que foram criadas no tempo da nossa hiperinflação subsistem até hoje. Se houvesse uma mentalidade de Direito Monetário, já haveria uma reação maior contra, mas não há. Os juristas ainda se apegam muito aquela doutrina da correção monetária e isso prejudica muito o Direito Monetário, então acredito que a situação dele é muito ruim aqui no Brasil.

C. P. : Voltando um pouco para o aspecto da Revista e mesclando também com a questão da sua atuação com o Direito Monetário, a Revista está em um formato tradicional que é um formato impresso, o senhor particularmente é um entusiasta, me parece, das novas tecnologias, é tanto que o senhor faz um uso assíduo dos sites, dos blogs e tudo mais. O que o senhor acha dessas revistas utilizarem, como a revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, esses canais para atingirem um público mais amplo?

L. J.: A Revista é publicada na internet através do site da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro.

C. P.: Na íntegra?

L. J.: Ela é publicada na íntegra; os números anteriores ao volume 62 (ela começou a ser publicada a partir do volume 62), estão sendo todos eles digitalizados e publicados nos site em uma contagem regressiva e hoje temos até o volume 45 já publicados na íntegra no site da Revista. Acessando a site da Procuradoria você vai ver um banner em azul do lado direito; você clicando ali ela aparece. O interesse pela revista é muito grande e crescente. Pedi para o nosso serviço de informática montar um pequeno sistema de acompanhamento e em fevereiro houve cerca de quatrocentas consultas e em março já houve setecentas consultas, então o número de consultas está aumentando e usamos muito bem.

C. P.: Tem as redes sociais?

L. J.: Aqui na Procuradoria não podemos utilizar redes sociais, usamos o site da Procuradoria.

C. P.: Como está sendo o trabalho de digitalização? Foi contratada uma empresa?

L. J.: Não, ela está sendo feita aqui mesmo no gabinete.

C. P.: À medida que vai sendo digitalizado, vai sendo disponibilizado? Como é o trabalho?

L. J.: Quando os originais das revistas novas ficam prontas encaminhamos para uma editoração eletrônica que é a própria gráfica que promove, e ao mesmo tempo enviamos para o nosso funcionário e ele ou o setor de informática transforma em um PDF e fica disponível na internet. Então sai simultaneamente. O volume impresso da revista é vendido a R$ 25,00 e o volume digital fica disponível gratuitamente para qualquer interessado.

C. P.: O senhor tem conhecimento que será realizado aqui entre os dias 09 e 11 de maio, o 5º Seminário de Documentação Jurídica. O senhor acredita que existe um despertar do poder público em relação a essa questão da informação ser mais acessível ao cidadão de um modo em geral?

L. J.: Através do Thiago Cirne [bibliotecário da PGR/RJ], eu fui convidado para uma mesa redonda. Aqui na procuradoria sempre foi muito valorizada a informação jurídica; o fundador da revista, Gustavo Filadelfo, tinha muito essa noção da informação jurídica, então sempre prestigiou extremamente a biblioteca e a documentação. Até hoje existe muito interesse dos procuradores e eles dependem muito da informação jurídica, eles tem consciência disso, então tenho a impressão de que aqui a importância da informação jurídica é reconhecida e a mentalidade é dominante.

C. P.: O senhor é um entusiasta da biblioteca?

L. J.: Eu sou um entusiasta dessa biblioteca; consultava ainda no tempo que você podia consultar biblioteca, consultar o livro que é uma sensação que hoje esse tipo de arquivo não permite. Não sei se você viu, foi até pelo meu intermédio trouxe aqui para biblioteca, a biblioteca do Otavio Tarquini, você chegou a ver?

C. P.: Sim, a do Otavio Tarquini e da Lúcia Miguel Pereira. Nós conhecemos sim! Ficou muito bonito! Um espaço de excelência, mesmo!

L. J.: Essa biblioteca representa um momento áureo no estado da Guanabara; nós ainda éramos estado da Guanabara; eles morreram em um desastre de aviação em pleno auge do estado da Guanabara.

C. P.: Acho que foi em 1959, se não me engano.

L. J.: Em 1959, exatamente. Esse espaço foi uma forma de se congelar uma época que foi muito importante para a Procuradoria; talvez a época mais importante tenha sido quando se abriu o primeiro concurso, que foi o primeiro concurso aberto no estado da Guanabara por iniciativa do Gustavo Filadelfo Azevedo, cujo primeiro concurso do qual eu participei; sou do primeiro concurso da Procuradoria. Antes da criação de concursos, a Procuradoria era um órgão que empregava todos os filhos de políticos da Justiça Federal, todos os descendentes de desembargadores. Advogado da prefeitura era o melhor emprego público que havia no Brasil.

C. P.: O antigo prédio ficava aqui no Centro do Rio de Janeiro?

L. J.: Ficava na Rua Erasmo Braga, 118. Foi onde comecei a conhecer a Revista; no sétimo andar tinha uma salinha da Revista. A Revista era como se fosse uma procuradoria especializada; aqui você divide a Procuradoria em várias procuradorias especializadas, então a Revista era uma procuradoria especializada e se manteve assim ao longo de muitos anos, até que em 1985 o Seabra Fagundes, que era o Procurador Geral, criou o Centro de Estudos Jurídicos que encampou a revista, a biblioteca e um fundo gerido pelo Centro de Estudos Jurídicos, que é muito importante, creio que de honorário de ações do estado. Esse fundo é extremamente importante porque ele permite a manutenção da biblioteca atualizada, permite a realização de eventos, participação dos procuradores em congressos. Acontece que esse fundo do CEJUR, como tem muitas atividades, faz concursos para estagiários, para residentes jurídicos, comanda o concurso de procuradores e tem uma porção de funções. A revista começou a ser um pouco preterida no CEJUR; isso foi o que percebemos e por isso estou aqui, para tentar reviver a ideia da revista e devido a isso tem essa sala e a sala da Revista. Tenho sido bem sucedido nisso, porque ela reviveu e hoje está se criando uma coordenadoria.

C. P.: Há quanto tempo o senhor está à frente da Revista depois dessa retomada?

L. J.: Estou desde o volume 62; já tem uns três anos que estou aqui.

C. P.: Gostaria de agradecer muito a sua entrevista, nesse momento o senhor tem o espaço aberto para fazer suas considerações finais.

L. J.: Particularmente sou um grande admirador da informação jurídica; acho que deveria ter o tipo da informação seletiva para que os procuradores recebam o que há de novidade em matéria de informação jurídica. Sei que está sendo feito um programa que é muito importante, um sistema que visa exatamente isso e que está sendo montado, mas não sei detalhes, era bom você ver. Sou um grande entusiasta das bibliotecas e dos bibliotecários; quando estava em Brasília ficava na Biblioteca do Senado durante dias; a minha comadre era bibliotecária do Senado. Sou um grande admirador das bibliotecas e da informação jurídica em geral.

 

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