O cenário é desanimador, clima tenso, reclusos e reclusas à margem, mãos calejadas que seguram enferrujadas grades, celas superlotadas, viaturas que “servem” como celas improvisadas. Esse é um pouco do caótico cenário do sistema carcerário brasileiro com 40% do seu contingente preso de forma provisória, aguardando julgamento.

Não se trata de amenizar ou pormenorizar os atos cometidos, mas de problematizar se está funcionando essa lógica da prisão, se esta ressocializando o(a) detento(a), se a aplicação da sentença e o cumprimento da pena estão sendo proporcionais, se possuem nexo e, principalmente, se está surtindo o efeito na mentalidade daquelas pessoas as quais estão submetidas.

É o mínimo que o Estado deveria fazer, contudo, sabemos que este órgão não exerce sua função como a lei determina e é o principal violador dos direitos das pessoas encarceradas.

A suposta guerra às drogas ilícitas e ao tráfico possui tendência mundial, aumentando consideravelmente essa política do encarceramento, sendo crucial analisar a relação da seletividade do sistema carcerário com relação ao próprio capitalismo e, ainda por cima, ao racismo. Juliana Borges em sua obra crucial “O que é o Encarceramento em Massa”, nos orienta:

“A Lei 11.343 de 2006, chamada Lei de Drogas, é um dos principais argumentos no qual se baseia e legitima o superencarceramento. Em 1990, a população prisional no Brasil tinha pouco mais de 90 mil pessoas. Na análise histórica, chegando aos mais de 726 mil, hoje, temos um aumento em 707% de pessoas encarceradas.”

O Brasil atualmente é o quinto país mais populoso do mundo, seguindo a Indonésia, Estados Unidos, Índia e China, respectivamente, em direção ao topo. Contudo, tanto os Estados Unidos quanto o Brasil sobem no ranking quando o quesito é o encarceramento em massa.

A intitulada maior democracia do mundo, que mais encarcera pessoas (mais de 2 milhões de pessoas confinadas) e o Brasil, que vergonhosamente ocupa a terceira posição, algo absolutamente retrógrado e meramente punitivista.

Quando observamos os veículos de desinformação que expõe de maneira distorcida o cotidiano nas cadeias, com detentos exibindo armas, drogas das mais variadas, escutando músicas que supostamente fazem a intitulada apologia ao crime, assando uma carne de primeira e, na sequência o âncora do programa televisivo destila seu veneno elitista conduzindo a opinião pública a achar que realmente a situação dos detentos está a mil maravilhas, temos um enorme problema de alienação vilipendiada por programas populistas.

Um país que investe mais em cadeia do que na educação ou na saúde demonstra o quanto a lógica do capital segue seu rumo sob a tutela da burguesia que opta em vigiar, a partir da dita segurança pública, demonstrando a priori, o quanto está muito mais preocupada em garantir a classe trabalhadora, principalmente da periferia e preta, nas cadeias.

Pra sociedade minha vida não tem valor

Mais um pretinho só, reduzido a pó

Atrás das grades mais um delinquente

Mente perigosa intransigente

O Estado só investe na repressão

Se esqueceu da minha recuperação…”

(Dexter – Oitavo Anjo, ex 509-E)

A hipermedicalização de detentos(as) sem o acompanhamento de qualquer profissional de saúde, mais de 90% dos detentos hoje no Brasil não possuem qualquer atividade referente à educação, milhares de autos de processo sem revisão criminal, o desrespeito aos poucos familiares que são humilhados em todas as ocasiões de visita, não contribuem em nada para a ressocialização, muito pelo contrário.

Considerando a maioria da população étnica carcerária e o apelo exagerado por mais prisões e menos direitos, podemos notar que essa “nova segregação”, como já asseverou o Silvo Almeida, está absurdamente distante de qualquer possibilidade de diminuição da criminalidade, sendo que as prisões reforçam a discriminação.

Se fizermos um recorte de gênero, a mulher encarcerada é invisibilizada, recebe menos visitas do que os homens em situação de cárcere privado. Estamos vivenciando um processo de feminilização carcerária, considerando que tem havido um enorme aumento de mulheres adentrando o sistema penitenciário no Brasil.

A mulher presa no Brasil hoje é jovem, mãe solteira, preta e, na maioria dos casos, condenada por envolvimento com tráfico de drogas (ou entorpecentes), demonstrando o quanto a Lei de Drogas contribuiu significativamente para o encarceramento em massa no Brasil.

“…Considerada culpada no ato dada a sentença

Seu desengano seis anos

Por tráfico de entorpecentes

Não teme pela sua vida não tem família ou parentes

Independente na idade pelas ideias de vida

Um sonho de liberdade uma identidade fudida

Que cai em cana – cara na cela com reincidente

A desvantagem ela sente na pele o fato é recente

Uma aliada internada no início foi sua sorte

Hoje na ilha de cobra vive convive com a morte

Mais uma realidade que na real só revela

Mais uma história sem glória e sem paz

Irmã de cela” (Visão de Rua, Irmã de Cela)

Juliana Borges (O que é Encarceramento em Massa) explica que é a perspectiva de gênero, em você sendo mulher, que trará uma carga moral ao julgamento e que definirá sua punição. “Em sendo, portanto, a prisão um ato político, porque definida em regras políticas, todos e todas nós que atendamos a estas características do que deve ser abominado, marginalizado, controlado e, em última instância, exterminado, como mulheres, pobres, negras e LGBTs, nos coloca na mira e possibilidade de prisão”.

A Associação de Juízes para a Democracia (AJD) elaborou um relatório sobre as mulheres encarceradas no Brasil considerando que não há dados oficiais que informem quantas são as unidades e quantos são os funcionários do sexo masculino que trabalham diretamente com as mulheres presas.

Sabe-se que muitas mulheres presas no Brasil se encontram sob a tutela direta de funcionários homens que têm acesso irrestrito ao interior de suas celas: essa prática é, infelizmente, muito comum nas cadeias públicas do Brasil.

Mesmo diante de um quadro bastante depreciativo, algumas possibilidades existem, como a diminuição da pena através do estudo e da leitura. A remição é um instituto penal favorável para a(o) apenada(o), permitindo que ela(e) conquiste a sua liberdade de forma mais rápida do que cumprindo sua pena no tempo total em que foi condenado.

Importante destacar que a implantação da prática restaurativa como método de solução de conflitos está ganhando força havendo, inclusive, determinação expressa em documentos da ONU e da União Europeia no sentido de que a mesma seja aplicada em todos os países, não se esquecendo da Resolução do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, de 2002, que traz os princípios básicos sobre Justiça Restaurativa.

“Para a consideração da justiça restaurativa, crime é, também a violação das relações humanas que também provoca danos. O fato também é o mesmo, mas visto de um ponto de vista diferente. Enquanto para a justiça retributiva a atenção está voltada para a integridade da ordem jurídica, para a justiça restaurativa a atenção está voltada para a relação entre as pessoas.”

No Canadá, quando se trata de pautar Justiça Restaurativa e o baixíssimo índice de reincidência referente aos crimes de maior potencial lesivo ou na Nova Zelândia, onde os grupos familiares e as partes conflitantes envolvidas dialogam sobre o ato cometido, são exemplos que retiram a exclusividade do manuseio, “a justiça é muito importante para deixar nas mãos dos juristas”, segundo Egberto de Almeida Penido, Juiz Titular da 1ª vara da Infância e Juventude de São Paulo.

A lei de execução penal (Lei nº 7.210/1984) instrui que cada estabelecimento penal possua uma biblioteca para todos os reclusos. Evidentemente que a prioridade para o sistema capitalista é a manutenção do status quo, considerando que a punição sem reflexão, sem resolver o problema na raiz é uma solução paliativa.

Contudo, o impacto positivo não é meramente ilustrativo, contribui no atendimento às necessidades peculiares de cada detento(a), sendo necessário garantir o mínimo exigido na referida lei e não cair na perspectiva de depositar os rejeitados.

Pensar uma sociedade sem prisões, na perspectiva do abolicionismo penal é um desafio mais do que colocado, uma vez que essa lógica de encarcerar não combate ao crime, não melhora a sociedade. É preciso criar condições para que não haja ninguém passivo de ser punido e enfraquecer o ativo de quem historicamente sempre puniu e ainda pune.

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