O Escritório Central de Arrecadação de Direitos (ECAD) é um órgão privado e atualmente administrado por nove associações de música. Sua função é centralizar o processo de arrecadação e distribuição de direitos autorais da execução pública de músicas, como previsto pela lei de Direitos Autorais (9.610/1998).

Com a sua existência prevista em lei e sua legitimidade garantida pelas associações de música que o administram e pelas centenas de milhares de titulares que possuem os seus direitos autorais defendidos pelo ECAD, não há nada de irregular no seu trabalho de cobrar de estabelecimentos comerciais e promotores de eventos pela execução pública de músicas.

Infelizmente isso não parece ser suficiente e, de tempos em tempos, o ECAD é alvo de críticas por protagonizar casos polêmicos, sendo o mais recente a cobrança de diretos autorais a um blog sem fins lucrativos por utilizar vídeos do YouTube em suas publicações.

Antes mesmo da repercussão obtida pelo seu último caso, o ECAD já era conhecido pela sua falta de bom senso e, até mesmo, de ética por cobranças inusitadas como casamentos e eventos religiosos. Como se isso não fosse o bastante, a instituição também esteve envolvida em escândalos de desvio de verbas, que resultou numa CPI onde foi apurado até o uso de um motorista como “laranja” para receber por composições de outros autores.

A atuação do ECAD trouxe uma conotação bastante negativa em relação à cobrança por direito autoral do públicoem geral. Nãoé necessário nenhum tipo de assistência jurídica para se perceber o absurdo que consiste a cobrança de execução de músicas em festas privadas ou retransmissãoem blogs. Alei de Direitos Autorais é extremamente clara:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

(…)

VI – a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

(…)

Casos protagonizados pelo o ECAD como os citados prejudicam a visão do público em geral sobre os direitos autorais frente a tantos maus exemplos e, em conseqüência, a discussão em torno dessa questão, que é extremamente  importante nos dias atuais, torna-se mais difícil e penosa.

Mas enfim, quando a cobrança pelos direitos autorais deixa de ser justa e passa a ser contraproducente?

É comum a confusão entre intérprete e autor na música: enquanto o intérprete vive da fama e do uso da sua imagem pública, o autor (compositor no ramo musical) vive apenas da arrecadação dos seus direitos autorais. O que eles têm em comum é a fonte de renda de ambos, que se baseia na popularidade e no alcance de seus trabalhos. Sem a divulgação do trabalho, ele cai no esquecimento e deixa de arrecadar fundos para os seus criadores.

Tendo em vista a importância que a divulgação possui nesse ramo, é mesmo interessante para os compositores a cobrança de direitos autorais por execuções públicas sem fins lucrativos, como foi o caso do blog, mesmo que ela estivesse prevista em lei?

Voltando ao artigo 46 da lei de direitos autorais:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

(…)

V – a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

(…)

Ou seja, a reprodução de shows ou de músicas em restaurantes e outros tipos de estabelecimentos comerciais é alvo de arrecadação. Mas será que é realmente interessante inibir a divulgação do trabalho do artista quando devidamente creditada? Como no caso da reprodução de um show em um restaurante?

Um restaurante que promove um sarau deveria pagar direitos autorais pelas interpretações artísticas de seus clientes, sejam elas musicais, teatrais ou literárias?

E por último:

Art. 99. As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais.

Como pode um artista se manifestar contra a forma que é feita a arrecadação dos direitos da sua obra se ela só pode ser realizada por um único órgão, no caso da música, o controverso ECAD. As opções são ou aceitar essas regras ou registrar o seu trabalho em domínio público, se abstendo de receber qualquer tipo de remuneração compulsória pelo uso do seu trabalho.

Num mundo conectado e globalizado, é difícil para novos artistas divulgarem o seu trabalho sem o uso de ferramentas como o YouTube, ainda em um país como o Brasil, onde músicos se encontram a mercê do ECAD,  que é por lei o único órgão autorizado a defender os direitos autorais dos músicos, apesar de toda a controvérsia sobre o seu trabalho. E este, ironicamente, insiste em realizar cobranças que infringem essa mesma lei que legitima a sua atuação.

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