Clichê das conversas entre bibliotecários, a (des)valorização profissional está sempre no top 10 das reclamações dos profissionais dessa área.  A classe bibliotecária sempre reclama da falta de reconhecimento por parte da sociedade em relação à Biblioteconomia, mas evita ter uma postura crítica a respeito dos fatores que contribuem para essa falta de reconhecimento.

Atualmente onde está a figura do bibliotecário nas escolas? Por que temas como mediação de leitura, contação de histórias, bibliotecas comunitárias, bibliotecas carcerárias estão praticamente fora da matriz curricular dos cursos de Biblioteconomia do Brasil?

Onde estão as pesquisas sobre bibliotecas públicas na academia? Onde estão os projetos de extensão dos cursos de Biblioteconomia? Por que temos poucos bibliotecários como protagonistas no desenvolvimento de bibliotecas, planos e políticas de leitura? Por que não temos um bibliotecário (a) na presidência da Biblioteca Nacional?

A coordenadora do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), Elisa Machado, concedeu uma entrevista ao blog da Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP), onde afirma: “sem pesquisa a área não avança e a situação das Bibliotecas Públicas tende a se agravar, pois se nem os bibliotecários que estamos formando entendem o que é e o que pode uma biblioteca pública fazer para transformar a realidade de uma determinada comunidade, que dirá os gestores públicos locais e a sociedade desprovida de equipamentos e serviços culturais de qualidade?”

Com a ilusão de que os questionamentos supracitados seriam debatidos não só pela classe, como também pelos orgãos de representatividade na comemoração do dia do bibliotecário no Rio de Janeiro, fiz minha inscrição no evento em que o tema era Valorização profissional.

Não quero brindes, quero debates.

Sempre quando participo desse tipo de evento, fico bastante incomodado com toda a bajulação existente, com um total esvaziamento das discussões políticas, sindicais e profissionais que norteiam a classe. A impressão é que a Biblioteconomia está em um mar de rosas. Como nas edições passadas, a mesmice fez parte dos discursos e nada de novo foi levantado.

Fiquei muito preocupado com a intenção dos organizadores do evento em suprimir o tempo dos debates e discussões. A ponto de sugerir aos participantes que enviasse suas perguntas somente por escrito para ganhar tempo, por outro lado foi dado um espaço significativo para sortear brindes e apresentação de patrocinadores. Então, a lógica adotada é a seguinte: vamos aumentar o tempo para sortear “jabás” e deixar de lado os questionamentos, ou seja, a nossa classe prefere ganhar brindes ao invés de debater questões pontuais.

Não pensaram nem nos profissionais que acompanharam o evento pela internet, não existiu nenhuma preocupação em criar um espaço para eles enviarem suas perguntas, uma conta no twitter resolveria esse problema.

Repercussão do caso Chico de Paula

A Revista Biblioo fez uma convocação para a classe acompanhar os debates nas comemorações do dia do bibliotecário pelo país sobre questões pertinentes a área de Biblioteconomia que tanto nos incomodam. Participamos das comemorações no Rio de Janeiro, distribuímos o editorial e a charge impressa para os participantes no auditório Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional.

Além disso, procuramos debater o caso Chico de Paula durante o evento de comemoração do dia do bibliotecário. Levantei considerações a respeito durante o evento junto a mesa 3 intitulada, Entidades de Biblioteconomia do Estado do Rio de Janeiro.

Fui surpreendido quando a apresentadora sentenciou ao microfone que só seriam aceitas perguntas por escrito, ninguém tinha escrito nenhuma pergunta até o momento e, do meu lugar, questionei se não poderia fazer a pergunta ao microfone. A resposta veio com um certo ar de deboche alegando que “quem tivesse a necessidade de falar” poderia fazer sua pergunta ao microfone.

Apesar da resposta recebida, não me foi passado o microfone ou concedida a palavra. Continuei com o braço levantado esperando chamar atenção. Talvez pelo constrangimento causado pela minha insistência, finalmente tive a oportunidade de fazer meu questionamento.

A minha fala consistiu em uma abordagem crítica e solidária ao bibliotecário e amigo, Francisco de Paula. Mencionei questões referentes a falta de diálogo por parte do CRB7 e a forma como foi conduzida a condenação do Chico.  Ressaltei a minha preocupação em relação a comissão de ética votar por unanimidade na condenação de um bibliotecário que não fez nada além de fazer uma crítica e de exercer seu direito de liberdade de expressão.

Logo após a apresentadora chamou a minha atenção em relação ao tempo. Eu deveria correr e concluir porque em seguida seria feito sorteio de brindes e um espaço com fala para patrocinadores. Acabei concluindo com a sensação que ainda tinha muitos outros pontos para serem abordados, mas infelizmente não foi permitido.

A resposta que tive do representante do CRB7 a respeito do questionamento feito em relação à falta de diálogo ficou resumida na alegação que em nenhum momento a Revista Biblioo quando foi fazer a publicação do editorial e da charge procurou o CRB7 para um diálogo. Ficamos sem entender, então temos que nos reportar ao conselho toda vez que desejarmos fazer algum tipo de publicação?

O que mais me espantou foi o silêncio da classe em relação aos questionamentos levantados, ninguém se manifestou nem contra nem a favor da situação discutida.

Falas da esperança

Mesmo com certas posturas autoritárias por parte de orgãos de representatividade, a esperança que nos move está nos comentários de apoio, nas assinaturas da petição pública que criamos solicitando a anulação do processo e na solidariedade que recebemos até agora.

As palestras de Briquet de Lemos e do professor Francisco das Chagas de Souza  na comemoração do dia do bibliotecário em Brasília renovam os nossos ânimos. Não só pelo fato de serem falas críticas a respeito de questões pontuais que envolvem posturas e atuações da classe bibliotecária, mas também por demonstrar que é possível discutir questões políticas e pertinentes na programação dos eventos de comemoração do dia do bibliotecário.

Para finalizar deixo um trecho do artigo do professor Francisco das Chagas de Souza intitulado, Prática profissional e ética: o que os bibliotecários brasileiros têm a ver com a Biblioteca Nacional e o déficit de cidadania? para refletirmos sobre nossa atual postura e atuação.

“É contra esse déficit de cidadania, construído em desfavor da sociedade brasileira, que os bibliotecários precisam assumir posições. Não é brigando entre si pela criação de mais uma associaçãozinha, não é fragmentando a ação política, não é aceitando refrões sem sentido claro para alavancar os encontros de bibliotecários, não é desprezando o nome clássico profissional bibliotecário, não é pregando que tudo é ciência da informação, que se vai evitar a progressiva matança do ser essencial e material da Biblioteca Nacional, das bibliotecas públicas, das bibliotecas escolares, etc. Em tudo que aí há de erro, se considerarmos erro a fuga da atuação ideal do bibliotecário na sociedade, há algo sobre o que o bibliotecário deve se interrogar: por que deixamos que isso acontecesse? Que devemos fazer para reverter essa situação? Qual o limite de nossa fuga?

Como está a Biblioteca Nacional, não dá para continuar! Como estão os bibliotecários nesse episódio: dá para continuar?”.

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