O que motiva uma pessoa a amar ou ter afinidade com determinado tipo de música? Influência familiar, social, emocional, intelectual e outros “als”? Ou será o sentimento de camaradagem nutrido pelo grupo no qual está inserida? Ou ainda a possibilidade de fazer parte da multidão (uma das poucas justificativas que encontro para que determinadas canções alcancem tanto sucesso – não vou entrar no mérito da questão aqui)?

 

As músicas que nortearam a minha infância vêm diretamente do repertório de meus pais. Fora as canções infantis típicas da idade, eu e a minha irmã ouvíamos muito Roberto Carlos, algumas músicas de Luiz Gonzaga (Asa Branca, Pagode Russo, Olha pro Céu, Luar do Sertão, Assum Preto, ABC do Sertão), The Beatles, Pholhas, Richard Clayderman, Bryan Adams e outros cantores e cantoras de baladas românticas.

 

Já na pré-adolescência, tive contato com bandas de “rock suave” e pop (Legião Urbana, Hanson, Backstreet Boys, No Doubt) e, aos 15 anos, conheci o Heavy Metal (e suas ramificações) e o Rock n’ Roll (Guns n’ Roses, Marilyn Manson, Nirvana, Iron Maiden, Black Sabbath, My Dying Bride, Tristania, Myriads, Metallica… a lista é extensa!).

 

O Heavy Metal – enquanto som majoritário – fez parte da minha vida por quase dez anos. Das primeiras horas da manhã às últimas horas da madrugada, eu ouvia bandas de Doom Metal, Gothic Metal, Hard Rock, Death Metal e Black Metal. Basicamente, minha playlist musical se resumia a isso. No auge dos meus vinte anos, eu achava que toda a minha existência seria dedicada a esse estilo musical. Portanto, ainda antes dos vinte, comecei a escrever para revistas, sites e zines (nacionais e internacionais). Graças ao Heavy Metal, consegui aprimorar o meu inglês (concluindo um curso específico para o idioma), conheci muitas pessoas interessantes (alguns amigos da época estão ao meu lado até hoje), descobri mais sobre culturas diferentes e entendi o funcionamento de um universo musical tão fascinante e tentador.

 

As alegrias foram muitas! Na época, todos os meus amigos mais próximos eram apaixonados por esse estilo de música. Alguns deles viviam – e ainda vivem – completamente dentro da cena, tornando-se músicos profissionais, donos de estabelecimentos que vendem material para fãs de Heavy Metal e Rock, proprietários de estúdios e agências, tatuadores, jornalistas, publicitários especializados no cenário e por aí vai. 

 

Talvez eu nunca tenha dito isso de forma tão aberta como vou dizer agora, mas o Heavy Metal foi fundamental para que, em 2008, eu optasse pela Faculdade de Jornalismo em detrimento da Faculdade de Direito. Eu ficava encantada com o mundo de entrevistas, resenhas e matérias sobre músicos, álbuns, canções e ideias por trás das músicas.

 

Um dos meus grandes sonhos declarados era viajar o mundo, conhecer o trabalho das mais diferentes bandas (inclusive em seu idioma pátrio – daí surgiu o meu interesse pelo aprendizado de línguas) e fazer matérias e reportagens que comprovassem o quanto esse estilo não era apenas música, e sim, uma forma de vida. Nessa época, a música me fazia pertencer a determinado grupo, ser acolhida nele e viver as experiências que aquele momento permitia.

 

Não me arrependo de nada. Naquele contexto, o Heavy Metal me ajudou a ser uma pessoa melhor e abriu caminhos para o desenvolvimento de uma consciência mais ampla, vibrante e entusiasta da diversidade cultural e do cosmopolitismo. Por volta dos vinte e quatro anos, comecei a prestar mais atenção em bandas de Shoegaze/Shoegazing, Post-Rock, Dream Pop, Rock Progressivo, Darkwave (Alcest, Cult of Luna, Diary of Dreams, Les Discrets, God is an Astronaut, Radiohead, Cocteau Twins, Pink Floyd, Blackfield, Porcupine Tree etc.), além de voltar a ouvir música nacional.

 

Nessa fase, além de Legião Urbana, ouvi muito Nando Reis, Zero, Nenhum de Nós, Paralamas do Sucesso e músicos da MPB, como Adriana Calcanhotto, Marina Lima, Marisa Monte. Conheci também músicos do Jazz e do Blues (Di Meola, Billie Holiday, Coleman, Diana Krall, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Delta Blues, Leadbelly…) e, também nesse momento, já não ouvia mais Black Metal e nada que soasse parecido. Minhas convicções pessoais mudaram muito e eu não sentia mais afinidade com esse subgênero do Metal.

 

A música clássica começou a aparecer com “cor e som” para mim aos doze anos, quando assisti ao filme Immortal Beloved (Minha Amada Imortal – 1994), que descortina a história do compositor alemão Beethoven. Lembro de ter pensado como seria magnífico se um compositor do século XIX se apaixonasse por mim e me imortalizasse (sim, eu sei, um pensamento pueril, mas perdoem a pouca idade).

 

Eu já tinha ouvido música clássica antes, mas sem saber exatamente QUEM eu estava ouvindo. Meus pais – principalmente a minha mãe – sempre gostaram muito de ouvir Beethoven, Bach e Mozart, sem, no entanto, ter uma noção precisa sobre quem compôs ou quem executava o que. Todas as faixas rodavam por horas a fio em duas fitas cassetes sem que meus pais soubessem de quem se tratava. Anos mais tarde, eu e minha irmã descobrimos e gravamos um CD indicando composição e compositor.

 

Bem, no meio dos vinte anos, meu gosto por música clássica aflorou novamente. Em parte, preciso confessar, graças à crítica cultural produzida por veículos como The New Yorker, The New York Times, e dos textos de Daniel Piza, o responsável direto pelas referências e direcionamentos da minha paixão por Jornalismo Cultural.

 

Através de seu trabalho, Piza me indicou Décio de Almeida Prado, Ezra Pound, T.S Eliot, Mencken, Dorothy Parker, George Bernard Shaw e Machado de Assis (como cronista e crítico cultural), ampliando as minhas possibilidades de aprendizado. Foi nesse momento de ebulição – que começou na faculdade de Jornalismo – que retornei para a música clássica. Agora, não apenas como ouvinte ocasional, mas como pesquisadora e buscadora assídua de conhecimento e percepções na área.

 

Quando mudei de cidade, tive a oportunidade de conferir orquestras sinfônicas, violoncelistas, violinistas, pianistas… Enfim, antes que eu comece a tergiversar, essa conversa fica para outro momento. A opção de livrarias e sebos proporcionou maior acesso ao conteúdo e, para a minha sorte, casei com um homem com grande entendimento e paixão por composições clássicas. Fortemente influenciado por um professor da época escolar, meu marido pesquisou e virou grande fã de compositores do século XIX (os meus preferidos!).

 

O século XIX – para mim, o século dos séculos (ou o século que a minha memória inventa e ama) – exerce uma influência difícil de medir, seja na literatura, artes, ciência, tecnologia, medicina, filosofia, música, costumes… Em relação à música clássica, ele produziu alguns de meus compositores preferidos (Chopin, Schumann, Liszt, Brahms, Beethoven, Schubert, Rossini, Debussy, Erik Satie, Berlioz, Itiberê da Cunha, Alberto Nepomuceno e Tchaikovsky). Fora desse período, sou massivamente entusiasta de Vivaldi, Mozart, William Lawes e, mais recentemente, do pianista Christophe Terrettaz, conhecido como Ozymandias.

 

Hoje, aos 31 anos recém-celebrados, organizo minhas playlists e separo por gênero musical com o auxílio de programas de streaming. Basicamente, há misturas que alcançam o Shoegazing, Música Clássica, Post-Rock, Alternativo, Progressivo, Darkwave, MPB, Jazz, Blues [meticulosamente separados] e uma pasta exclusiva onde seleciono músicas de pop e baladas alternativas que marcaram a minha adolescência. Um pouco de nostalgia saudável não faz mal a ninguém, não é mesmo?

 

Toda essa maravilhosa jornada de construção e constante aprimoramento musical revela a mim mesma e ao mundo um pouco mais da minha identidade, sempre em constante metamorfose, sendo capaz de desnudar até mesmo detalhes tão discretos. A arte diz muito mais sobre nós e sobre nossos sonhos do que podemos supor.

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