Você conhece autores (as) indígenas, negros e quilombolas? Se sim, quais livros você já leu? Se não, por que?

As perguntas acima nos levam a refletir sobre o que e quem estamos lendo. Através desses questionamentos, surgiu o clube de leitura “Eu sou porque nós somos”, na Biblioteca Popular do Coque, que tem como objetivo realizar trocas de experiências, potencializar a leitura e valorizar autores e autoras indígenas, negros e negras e quilombolas. O nome do clube surge a partir da filosofia ubuntu.

Estamos diante de uma possibilidade de leitura que visa a desconstrução de estereótipos sobre a literatura produzida por essas populações, uma vez que, perante a sociedade, as pessoas não-brancas são marginalizadas e aplicadas como produções subalternizadas. Em coletividade, podemos quebrar barreiras que são refletidas pela colonização que marca mais de 520 anos no Brasil. Há quem acredite que 1888 marcou o fim da escravidão e o racismo em nosso país chegou ao fim.

Somos o último país do Ocidente a aboliar a escravidão. E o que isso significa? São quatro gerações, apenas 133 anos desde a abolição. Nossas concepções são marcadas por ideais racistas. Os pilares da sociedade brasileira foram construídos sobre o sangue derramado dos nossos ancestrais, mas a nossa história não começa em 1500.

Diante das experiências que fortalecem como um corpo-território, aprender e compartilhar conhecimentos que tornam-se para além de leituras e reuniões onlines, sentir o afeto através do diálogo e das leituras é vivenciar o poder da transformação social que também ocorre através dos livros.

Com o clube de leitura abrimos as inscrições para o público em geral, além dos moradores do bairro da Ilha de Joana Bezerra (Recife, PE), onde a Biblioteca Popular do Coque tem sua sede. Por se tratar de encontros remotos, inicialmente tivemos mais de 30 inscrições e foi uma alegria enorme sabermos que tantas pessoas estavam dispostas a partilhar uma hora do seu dia em encontros mensais para ler com a gente.

Também, em todo o processo de construção do projeto, buscamos torná-lo acessível para pessoas com deficiência e/ou necessidade educacional específica, e também nos preocupamos sobre questões de gênero e seu pertencimento étnico.

Não havia critério para estar conosco, bastava querer colocar em prática uma leitura antirracista. Nossos encontros contaram com dois momentos:

  1. Em um primeiro momento foi realizado um diálogo sobre como os participantes estavam. Esse momento apresentava um clube como um espaço de acolhimento para que se sentissem à vontade a construir coletivamente.
  2. No segundo momento destacamos o que acharam da leitura e suas opiniões, explorando as diferentes perspectivas que poderíamos ter sobre uma mesma obra. Assim, compreendemos diferentes pontos se utilizando do respeito e da solidariedade como parte da essência do “eu sou porque nós somos”.

Decidimos trazer três obras iniciais para o clube. Sendo elas “O quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus, “Ideias para adiar o fim do mundo”, de Ailton Krenak e “O manual antirracista”, de Djamila Ribeiro.

O processo de vivenciar um clube de leitura e dialogar sobre assuntos como racismo e privilégios através da literatura é um dos modos de efetivar a luta antirracista. Propor a desconstrução de estereótipos e efetivar uma relação mútua de experiências a fim de compartilhar a leitura de obras dos/as autores/as indígenas e negros/as/es nos fortalece em tempos tão difíceis.

Promover a educação antirracista através do diálogo constante é mais uma das funções que uma biblioteca possui”

Através do senso de coletividade que cerca as bibliotecas comunitárias e as relações que as fortalecem, promover a educação antirracista através do diálogo constante é mais uma das funções que uma biblioteca possui.

As atividades surgem para quem quiser vivenciar os momentos, mostrando como um espaço comunitário é dinâmico, buscando explorar as vivências das pessoas que estão inseridas no contexto que a biblioteca ocupa e potencializar as experiências com novas questões.

O clube parou as atividades remotas e está em processo de organização para que em breve tornar presencial os encontros, assim mais moradores do Coque somem conosco nessa iniciativa.

A luta não é construída sozinha, romper com os pilares construídos pelos opressores em nossa história surge através da coletividade. As pequenas atitudes também são consideradas importantes. Ao ler, indicar e consumir produções dos indígenas, negros, quilombolas e ciganos estamos quebrando um ciclo de consumo de produções apenas propostas pela sociedade branca, eurocentrica, da elite.

De modo que abordar concepções sobre o mundo e tudo que nos cerca através de outras perspectivas, valoriza as singularidades a fim de romper com os estereótipos do lugar que julgam que esses grupos étnicos ocupam na sociedade.

Livros são um caminho, mas não a única fonte para termos conhecimento sobre diferentes perspectivas. A oralidade é essencial em todo o processo que nos cerca como sociedade, a memória são pilares que também nos complementam. Através das diferentes formas de literatura podemos re(existir). Viver em Pindorama, que surgiu a partir da exploração, estupro e genocídio, e continuar resistindo em tempos tão dificieis é contrariar estatísticas e construir novas pontes.

Conte histórias!  Leia autores (as) indígenas, negros, quilombolas, ciganos! Leia para uma criança sobre outras formas de ver o mundo rompendo com as concepções elaboradas por pilares colonizadores.

A leitura transforma vidas!

Um panorama sobre o marco temporal 

Os corpos indígenas foram julgados como impróprios e sem alma. As culturas e línguas são tratadas como descartáveis. Até os dias atuais ainda há o processo de retomada das histórias, tendo como uma grande parte dessas lutas, as terras. Sobreviver sendo quem é torna-se um desafio constante. Uma das pautas atuais é sobre o marco temporal que define a demarcação de terras indígenas só para quem já estava nesses solos no dia 05 de outubro de 1988.

Você pode estar se perguntando qual a problemática desse marco. Precisamos destacar que desde 1500 sofremos ataques às nossas vidas, uma tentativa de extermínio de todos os indígenas que habitavam em Pindorama, termo utilizado pelos indígenas ao que chamamos atualmente de Brasil.

Uma vez que o Brasil é uma terra indígena, porém, até os dias atuais há o processo de retomada dos espaços que foram apropriados pelos colonizadores, sendo os indígenas expulsos de suas terras,  e ao que estamos diante nos dias atuais com o agronegócio, indústrias, fazendeiros e até o nosso próprio Governo apropriando-se das terras indígenas que são garantidas pela nossa constituição de 1988.

E surge um questionamento: como poderíamos estar em nossas terras em 1988 se em todo momento histórico tivemos que nos esconder para sobreviver? Como existe um ano que define as terras como nossas se foram roubadas de nós desde 1500?

É mais uma tentativa de extermínio que tem seu nome como “Marco Temporal”, que ocorre a partir do PL 490/07, que disponibiliza as terras também para implantação de empreendimentos, como hidrelétricas, garimpos, estradas, entre outros, que são apontados como avanços, mas que demonstram como os direitos indígenas são anulados inconstitucionalmente. ​A democracia se constrói a partir do momento que demarca as terras indígenas para as populações indígenas, nada menos que isso.

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