“A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.” (Antonio Candido)

Em 2006, o Brasil dava um passo inicial para a democratização do acesso ao livro e a formação de leitores, por meio da Portaria Interministerial n°1.442, do Ministério da Cultura e da Educação com a instituição do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). Em 2011, o Plano foi reinstituído por meio de um decreto presidencial nº 7.559.

Tinha como objetivo a elaboração de programas, projetos e metas para impulsionar políticas de fomento à leitura, estreitando os laços entre ministérios, governos estaduais, municipais e a sociedade interessada no tema, aproximando e potencializando iniciativas públicas e/ou comunitárias em prol do fomento à leitura, espalhados em cada canto do país.

Em 2016, com o intuito de dar prosseguimento às ações exitosas do PNLL, o então secretário executivo do Plano, José Castilho Marques Neto, apresentou à senadora Fátima Bezerra um projeto de lei para a criação da Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), instituindo o Plano Nacional de Livro e Leitura como estratégia permanente, fortalecendo o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e as políticas públicas relacionadas à área do livro, leitura, literatura, e bibliotecas.

No ano seguinte, o projeto de lei foi aprovado no Senado e assim iniciou-se o processo de sua tramitação na Câmara dos Deputados e suas comissões temáticas. Em 2018, o projeto da Política Nacional de Leitura e Escrita chegou finalmente à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados em um momento decisivo para que saísse do papel e tornar-se realidade. Esse era o último percurso do projeto para chegar à sanção presidencial.

Para a aprovação da PNLE, vários atores do livro e da leitura se mobilizaram para pressionar os deputados da Comissão e obter parecer favorável ao PL, que tinha como relatora a deputada Maria do Rosário. A Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) enviou uma representação e estava presente na tramitação do projeto de lei durante a primeira votação na CCJC.

Porém, a aprovação do projeto de lei sofreu adiamentos e atrasos com o pedido de vistas do deputado Marcos Rogério (DEM/RO). Para manter a chama acesa para a votação, a RNBC mobilizou uma campanha nas redes sociais, envolvendo todas as redes locais em prol do PNLE sem vetos.

Finalmente, chegou o dia da votação do parecer na CCJC. A RNBC esteve com duas representantes em Brasília acompanhando as negociações para a aprovação por unanimidade. A fim de evitar o retrocesso de retorno da PL ao Senado, foi aceita a condição de retirada da expressão “ações afirmativas” para a área do livro e leitura, entendidas por alguns com referência às questões de gênero. Enfim, a PL foi aprovada.

Após essa importante vitória em 2018, fruto de pressão popular de diversos atores sociais do livro e leitura, nos primeiros dias de 2019 já tínhamos más notícias. Em janeiro foi extinto o Ministério da Cultura, onde estava toda a estrutura pública do livro e leitura.

A chegada de Jair Bolsonaro à presidência marcou o desmantelamento de diversas políticas públicas asseguradas até 2016, antes do golpe do impeachment de Dilma Rousseff. A tragédia anunciada deste desgoverno chegou à área do livro e leitura no mês de julho com o decreto nº 9.930, de 23/07/2019, publicado no Diário Oficial da União (DOU), reafirmando seu desprezo pela população mais pobre e necessitada de bens culturais, como bibliotecas, museus, cinemas e teatros.

Causou preocupação entre as profissionais e demais envolvidos com a área a notícia da extinção do Conselho Consultivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). Com as mudanças, o PNLL passa a ser gerido apenas pelo Conselho Diretivo e pela Coordenação-Executiva, cujos representantes serão designados em ato conjunto dos ministros da Cidadania e da Educação, para exercerem o mandato pelo período de dois anos, admitida a prorrogação por igual período.

Com exceção da sua coordenação, até então definida pelos ministros da Cultura e da Educação, o Conselho Consultivo, agora extinto, era composto pelos membros do Colegiado Setorial de Literatura, Livro e Leitura (CSLLL) do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), que também sofreu mudanças recentemente, limitando a participação da sociedade civil que passa a ter 18 representantes contra 21 do poder público.

O Conselho Diretivo também sofreu uma redução no número de representantes da sociedade civil, passando de dois para um, e também passou a incluir um representante de biblioteca pública, sem especificar de onde virá essa representação.

Essas e outras alterações feitas no decreto atingem o órgão vital do PNLL, limitando a participação popular e qualquer participação crítica da sociedade civil nas ações de governo. O Conselho Consultivo seria o vínculo mais direto e crítico da direção do PNLL com a sociedade civil que está atenta ao tema, onde poderia ser ouvida e influenciar decisões do governo. A extinção do Conselho Consultivo diminui pressões sociais legítimas.

Com a extinção do Conselho Consultivo, houve a exoneração de Renata Costa, então Secretária Executiva, que esteve à frente do PNLL desde 2017, podendo continuar por mais dois anos. A RNBC considera sua permanência no cargo estratégica para a garantia da continuidade dos processos de construção dos planos municipais e estaduais, levantamento e articulação que a secretária já vinha realizando.

Também em apoio a sua permanência, a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias lançou uma Carta Aberta contra a extinção do Conselho Consultivo do PNLL e o desmonte das políticas públicas do livro, leitura, literatura e bibliotecas. Com o mesmo objetivo, parlamentares e entidades do livro estão se mobilizando.

A Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias segue ativamente na luta pela garantia de uma cultura letrada para todas e todos e de uma cidadania exercida com plenitude. “Ler é um ato político. Ler é resistir. Ler é ser livre”.

Comentários

Comentários