“Have you run your fingers down the wall and have you felt your neck skin crawl when you’re searching for the light? Sometimes when you’re scared to take a look at the corner of the room, you’ve sensed that something’s watching you.”

(Você já correu seus dedos pela parede e sentiu a pele da sua nuca arrepiar quando está procurando pela luz? Algumas vezes, quando você está com medo de olhar no canto da sala, você sente que alguma coisa está lhe observando – tradução livre).

Na música “Fear of the Dark”, composta pela idolatrada banda Iron Maiden, o medo do escuro consome, gera angústia e provoca o atormentado protagonista, que passa a apresentar uma fobia incontrolável. Para ele, a ausência de luz revela o pavor impalpável e arrepiante da “certeza de que há alguém lá”, escondido nas sombras.

Essa mesma ideia está presente no livro “Histórias Medonhas d’O Recife Assombrado” (editora Bagaço, 2007, 127 páginas), coletânea de relatos, contos e causos selecionados por Roberto Beltrão. Os acontecimentos fazem referência à cidade de Recife, capital de Pernambuco, conhecida no país como palco de fenômenos sobrenaturais e atividades fantasmagóricas.

A ideia da coletânea nasceu da paixão de três jovens amigos pelo assunto, impulsionados pela leitura do livro “Assombrações do Recife Velho”, de Gilberto Freyre. Na época, os rapazes estavam planejando publicar um jornal ou escrever um livro sobre o tema, mas o assunto foi abafado com o passar do tempo.

No entanto, no início de 2000, a temática voltou à tona com força total na vida do trio, resultando na criação do site O Recife Assombrado, espaço onde os internautas podem colaborar com depoimentos, contos e narrativas de ficção sobre experiências inexplicáveis.

Em 2002, o site foi indicado pelo instituto iBEST como um dos dez melhores sites produzidos em Pernambuco. No espaço, os contos ficam lado a lado com relatos, narrativas em áudio, podcasts e links de vídeos. Todo esse material foi selecionado pelo jornalista Roberto Beltrão, um dos rapazes do trio, e publicado como coletânea.

“Histórias Medonhas d’O Recife Assombrado” mistura a ficção do universo literário (contos) com relatos de testemunhas, identificadas ou não. Entre lendas urbanas, estórias e ficções, o leitor entra em contato com o universo intangível da vida após a morte, tema que continua impressionando e perturbando o homem.


Muito antes do predomínio do cinema, televisão, rádio e internet, as narrativas orais eram responsáveis pela construção do conhecimento e das experiências, repassadas de geração em geração. Na roda de conversas, criaturas medonhas exerciam papel essencial na hora de “educar” crianças, reprimindo-as.

Causos como “o velho do saco” (sujeito que rapta e come crianças), “a loira do banheiro” (aparição que escolhe banheiros escolares para se materializar) e a “perna cabeluda” (perna licantropa que agride transeuntes em plena madrugada) eram repassados de boca em boca, deixando os pequenos, assim como os marmanjos, aterrorizados. Atividades mediúnicas, como a conhecida “brincadeira do copo” (uma suposta invocação de espíritos) são transmitidas até hoje entre grupos, causando grande frisson.

Fantasmas, chamados muitas vezes de ‘almas penadas’, ainda são os campeões de audiência no que se refere a relatos fantásticos. Residências mal assombradas, sons de gritos, choros, ranger de dentes, vultos bruxuleantes e mortais apavorados com a possibilidade de contato com o além estão entre as narrativas espalhadas pelo livro de Beltrão.

Há sempre um espírito inconformado para fazer companhia a moradores apavorados. Dentre os relatos e contos, destaque para Casarão de Setúbal, O baú, O prédio do Espinheiro, A casa, O caseiro e Madrugada no quartel, por retratarem histórias de manifestações paranormais fazendo associação a objetos e lugares. A extinta série Haunted Collector, veiculada pelo canal de TV por assinatura Syfy, abordava exatamente essa conexão entre matéria (físico, corpo) e energia (espírito, metafísica).

Na parte abertamente ficcional, não pude deixar de notar a semelhança entre o conto “O demônio e a rosa”, escrito por Liliane Batista de Moura, com a ficção de Robert Louis Stevenson (1850-1894) em “Janet do pescoço torcido” (Thrawn Janet). Stevenson ficou conhecido mundialmente pela novela “O médico e o monstro” (The strange case of Doctor Jekyll and Mister Hyde), publicada em 1886.

“Janet do pescoço torcido” e “O demônio e a rosa” falam sobre mulheres amaldiçoadas por fazerem pacto com o demônio, cuja aparência e comportamento remetem a um estado “morto-vivo”, que enche de horror todos os que se aproximam. A semelhança entre Rosa e Janet é grande, desde o acidente que sofrem até a aparência física que adquirem.

Em “Vírginia”, o conto chama a atenção pelo caráter ultrarromântico, onde é possível localizar características como fuga da realidade para o mundo da fantasia, idealização da mulher amada, escapismo e consciência da solidão. O narrador nunca chegou a conhecer Virgínia, mulher por quem se apaixonou, já que a moça morreu muitos anos antes. Ao olhar seu retrato em uma lápide no cemitério, o protagonista começa a imaginar a morta e desejá-la. A consequência desse amor transcende explicações razoáveis e culmina em atividades paranormais.

“Histórias Medonhas” é interessante, divertido e, antes de provocar terror ou espanto, incita a imaginação do leitor. São histórias de criaturas bizarras e almas penadas que começam a causar palpitações na infância, seguindo para outras fases da vida com maior ou menor intensidade. O mistério da morte ainda obceca o homem, desafiando sua pretensão de explicar, à luz da ciência, todos os fenômenos que o cercam.

Para quem é fascinado pelas histórias de Edgar Allan Poe, Robert Louis Stevenson, Charles Dickens, Álvares de Azevedo, Guy de Maupassant e Henry James, as páginas de “Histórias Medonhas d’O Recife Assombrado” vão conseguir atrair, divertir ou, quem sabe, assombrar.

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