Por José Eduardo Agualusa, O Globo.
Duas dezenas de escritores espanhóis e latino-americanos anunciaram na semana passada a criação de um portal literário chamado Zenda. O romancista Arturo Pérez-Reverte, editor da Zenda, definiu a mesma como “um território de livros, amigos e aventuras”.
Pérez-Reverte acrescentou que os leitores encontrarão na Zenda um pouco de tudo, desde boas recensões literárias a entrevistas, notícias e debates. A Zenda conta já com nomes tão importantes quanto os de Javier Marías, Almudena Grandes, Luis Sepúlveda ou Mayra Santos-Febres.
A Zenda pretende ocupar um espaço que a imprensa em papel, cada vez mais debilitada, está deixando vazio. As páginas dedicadas às recensões diminuíram ou desapareceram. No universo hispânico, como no lusófono, são poucos os críticos literários relevantes e respeitados ainda em atividade.
Dá-se entre nós este irônico paradoxo: a literatura atravessa um bom momento, está mais viva do que nunca, mas a crítica literária, essa, definha a olhos vistos. Por vezes parece mesmo que já morreu.
A crise econômica que aflige o mundo inteiro, e o mundo lusófono em particular, afeta também as editoras, embora não de forma tão dramática quanto acontece com outros setores. Em Portugal nota-se uma certa recuperação. Os livros de autoajuda e a chamada literatura light foram os mais prejudicados com a crise. Acontece que para os grandes leitores a boa literatura é uma necessidade. Os grandes leitores estão dispostos a sacrificarem-se, deixando, por exemplo, de ir jantar a um restaurante mais caro, para, com o que poupam, comprarem o último romance do seu autor preferido. Já os compradores de best-sellers são, de uma forma geral, leitores eventuais. Compram um livro quando lhes sobra dinheiro. Se não sobra, não compram.
A multiplicação de festivais literários no Brasil e em Portugal vem contribuindo para a formação de novos leitores. Por detrás dos jovens — e bons! — autores que têm surgido nos últimos anos estão alguns milhões de jovens e bons leitores. Basta ir a um qualquer festival literário, a uma feira do livro ou a um debate público para confirmar o domínio crescente da juventude.
Se a literatura vai bem, ao passo que a crítica, coitada, já mal respira, significa que a primeira pode prescindir da última? Poder talvez possa, mas não ganha com isso.
Uma boa recensão começa por ajudar os leitores a aproximarem-se da obra do autor. Mais do que aconselhar ou desaconselhar um determinado título, o crítico deve dar ao leitor a informação necessária para o compreender. Para um escritor qualquer leitura atenta é importante e, desse ponto de vista, todas as críticas o são. Ao mesmo tempo, suspeito que escrever exige uma certa irresponsabilidade. Um escritor que se leve demasiado a sério, ou seja, que esteja preocupado em agradar, que esteja preocupado com as consequências daquilo que escreve, provavelmente bloqueia.
Conheço dois ou três autores que nunca mais conseguiram escrever após lerem críticas negativas. O mais curioso é que se não fosse a insistência deles, atacando os críticos sempre que têm oportunidade para isso, já ninguém se recordaria. Os livros, mesmo os maus, tendem a perdurar para além das críticas. Inclusive as cruéis. Quanto mais um escritor cresce — quanto mais livros vende, quanto mais traduções tem, quanto mais prêmios recebe — mais pancada apanha. Só os escritores muito ruins não receberam nunca críticas negativas. No meio literário, nunca ter sido esculhambado é meio desprestigiante.
Arturo Pérez-Reverte acredita que o portal irá atrair leitores de ambos os lados do Atlântico, dando um novo fôlego à crítica literária e ao jornalismo cultural. Fui espreitar o Zenda (zendalibros.com), pensando em como seria bom ver um projeto semelhante desenhado para a lusofonia. O mundo lusófono, quando comparado ao hispânico, tem a vantagem da diversidade, estendendo-se por quatro continentes, e alcançando para cima de 250 milhões de pessoas. São oito países muito distintos entre si e nos quais, para além do idioma comum, convivem ainda dezenas de outras línguas.
É verdade que já existem algumas revistas literárias digitais voltadas para a lusofonia. Nenhuma delas, contudo, tem a ambição da Zenda. Um projeto como a Zenda não só divulga a obra de autores conhecidos, como também permite conhecer novas vozes. Ao contrário dos jornais em papel, não tem restrições de espaço, permitindo, além disso, uma muito maior conexão com os leitores. Um território de livros, amigos e aventuras — também em português. Por que não?