Mergulhado em uma guerra civil por quinze anos, Moçambique, um país podre localizado ao leste do continente africano, enxerga na leitura um caminho rumo ao desenvolvimento econômico e social. Neste país de língua portuguesa saíram os nomes de eminentes escritores como Mia Couto, José Craveirinha, Ungulani Ba Ka Khosa, Reinaldo Ferreira e tantos outros. Mas se sobra talento literário, falta estrutura para garantir o acesso aos livros e a outros instrumentos de leitura. Por tentar suprir esta lacuna o governo moçambicano enviou ao Brasil uma funcionária do Ministério da Cultura a fim de buscar experiências e orientações para a implementação de um Plano Nacional de Leitura em Moçambique. Sandra Mourana contou à Revista Biblioo um pouco sobre sua visita ao Brasil e das dificuldades que seu país enfrenta.
Gostaria que você se apresentasse, primeiramente, e nos contasse um pouco sobre a sua formação e o seu trabalho em Moçambique.
Eu sou Sandra Mourana, funcionária do Ministério da Cultura de Moçambique. Sou moçambicana, natural da província de Inhambane, mas nesse momento resito da cidade de Maputo. Fui a Maputo fazer a faculdade e acabei ficando por lá. No momento estou trabalhando no Instituto Nacional do Livro e do Disco como diretora adjunta. Na verdade formei-me na Universidade Pedagógica, na faculdade de línguas, formei-me no ensino da língua portuguesa. Como formação eu sou professora. Sou professora de formação, mas aliado ao meu curso e o que eu estou fazendo neste momento não foge tanto assim.
Qual é o objetivo da sua viagem ao Brasil?
Eu vim ao Brasil cumprir uma missão. Nós temos problemas sérios, notamos que em Moçambique há problemas sérios de leitura, então queremos despertar nas pessoas o gosto pela leitura. Em 2011 nós aprovamos a nossa política do livro e depois de sua aprovação vimos que havia uma necessidade de implementar o Plano Nacional de Leitura. E o Brasil, como é um país que está muito, mais muito adiantado em relação ao Plano Nacional de Leitura, foi um dos países escolhidos para a troca de experiências, então vim aqui para saber com é que o Brasil conseguiu, quais foram as várias fases que o Brasil teve até chegar a implementação do Plano.
Você já conseguiu algum apoio? De quem e de forma?
Sim. Na verdade quem custeou todas as minhas despesas foi o governo de Moçambique, neste caso em particular o Ministério da Cultura. É uma viagem que foi desenhada por nós. Entramos em contato com o Brasil para ver qual a disponibilidade de me receber e trocarmos essas experiências. Graças a Deus o Brasil mostrou-se disponível aí acabei viajando.
Como são as bibliotecas em Moçambique?
Nós ainda temos muitos problemas, seja em relação à adesão dos próprios leitores, seja em relação à formação dos recursos humanos, seja também em relação ao número de bibliotecas. Há um trabalho em que estamos começando a fazer que é para ver se nós conseguimos ter bibliotecas públicas em todas as províncias, para ver se de alguma forma desperta algo no público leitor.
Você já conversou com o Fabiano dos Santos, diretor do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (DLLLB) do Ministério da Cultura no Brasil?
Sim, conversei com o Fabiano e ele mostrou-se aberto. Para mim foi um professor, foi uma verdadeira aula, uma biblioteca viva. Ele contextualizou e falou das várias fases que o Brasil foi desenvolvendo até chegar aonde chegou [no Plano Nacional de Leitura]. Devo dizer que foi uma viagem para mim muito produtiva, muito vantajosa. Foram dias de muito trabalho, mas afinal de contas foram trabalhos que de alguma maneira vão ajudar Moçambique a fazer alguma coisa em relação ao Plano.
Você realizou visitas na Fundação Biblioteca Nacional e na Biblioteca-Parque do Rio. Quais exemplos você leva para Moçambique?
Eu levo muito exemplos de todas as áreas, na área do restauro, na preservação de obras raras, em relação a várias visões, tanto da Biblioteca Nacional como da Biblioteca Estadual. Fiquei muito impressionada em relação à Biblioteca Estadual por causa do acesso, eles não limitam, qualquer um pode ter acesso à biblioteca de todos os estados sociais: o pobre, o rico, e os… vocês dizem “morador de rua”, não é? Mesmo os deficientes visuais, físicos, auditivos. Então vocês têm… como eu poderia dizer? A biblioteca foi concedida para atender esses tipos de pessoas com todas as diferenças possíveis. É possível, na biblioteca, ter espaço para cada uma dessas pessoas. E uma outra parte também me deixou impressionada, foi a parte no que diz respeita a literatura infantil. Tem uma divisão própria para as crianças com vários objetivos que vão estimular o gosto pela leitura e por aí, por aí. Então é uma experiência muitíssimo boa que eu levo, é uma impressão muito positiva que eu levo para o meu país.
Mas você acha que o Brasil tem pontos a melhor também? Nas suas visitas você viu coisas a melhorar?
Provavelmente existem coisas negativas, mas não relevantes. É uma ou outra coisa que pude ver. Relativo a escalar um guia: a gente não tem as divisões assim muito visíveis, onde diz “este lado temos obras para uma determinada pessoa”, não se deveria excluir ou descriminar. Era bom que houvesse uma placa identificando, “este lado temos filmes”, “aquele lado temos livros de lazer e livros didáticos”, e por aí vai. Foi o que eu pude ver. Mas, como eu disse, não sei se é tão relevante essa parte que eu considerei que deve ser melhorada.
Qual a avaliação que vocês faz da sua viagem ao Brasil e ao apoio recebido pela Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca?
Muito positiva. Como eu dizia, eu levo uma impressão muito boa. Esta viagem, para mim, mudou muito. Eu tinha uma determinada visão em uma determinada área, mas com esta visita eu tive uma visão mais ampla. Foram muitas dúvidas esclarecidas e agora a percepção que eu tenho de várias coisas é totalmente diferente. Uma coisa que eu vi e que gostei muito é a entrega que os funcionários têm em relação aos seus trabalhos. As pessoas fazem com gosto. Não fazem… como eu diria? Não estão trabalhando esperando algo em troca, pelo contrário, então trabalhando para beneficiar todo o Ministério, todo o governo brasileiro. São mesmos profissionais, é a conclusão que eu cheguei.
Entrevista publicada originalmente na edição 34 da Revista Biblioo. Adquira em nossa loja virtual.