É paradoxal que, ano após ano, as comemorações do dia da bibliotecária e do bibliotecário, que se dão neste 12 de março, se mostrem, em geral, ora como um momento de eufemismo e regozijamento, ora como oportunidade de autoflagelação por parte dos(as) profissionais.

Embora pareçam diametralmente opostas, estas posições guardam em comum o fato de abrirem mão de uma perspectiva crítica. Isso porque bibliotecários e bibliotecárias não são salvadores(as) do mundo, muito menos uma escória profissional.  

Bibliotecários e bibliotecárias, assim como outros diversos(as) profissionais, estão cada vez mais expostos à um mundo em profundas mudanças (sobretudo se consideramos as grandes transformações trazidas a reboque pela pandemia), o que acarreta necessárias reflexões.

No caso de bibliotecários e bibliotecárias brasileiros(as), estas reflexões nos impelem a indagar qual o nosso papel na sociedade atual. Seriamos nós tecnocratas a serviço da burocracia estatal e da ganancia capitalista ou nossa atuação pode e deve ir além?

Tenho comigo que bibliotecários e bibliotecárias deveriam assumir como central, na sociedade brasileira, a luta em favor das políticas públicas de livro, leitura e bibliotecas, bem como de acesso livre e qualificado à informação, sem prejuízo de suas atividades técnicas (não confundir com atividades tecnocratas!).

Assumir uma posição política não significa assumir uma posição político-partidária, embora eu defenda a ideia de que bibliotecários e bibliotecárias devam cada vez mais se engajar partidariamente. A propósito, avalio como muito positivo o fato de, nas últimas eleições municipais, termos um número considerável destes profissionais concorrendo.

Infelizmente assumir uma posição política pode significar, obviamente, a adoção de uma faceta reacionária. Mas isso faz parte do jogo! O que não se pode é acreditar que ser bibliotecário e bibliotecária, sob o argumento de ter a informação como insumo de trabalho, nos impede de nos posicionar politicamente.

Bibliotecários e bibliotecárias precisam entender, de uma vez por todas, que as mudanças pelas quais o mundo passa são historicamente determinadas, ou seja, se dão a partir de lutas e estratégias dos sujeitos estrategicamente interessados, para o bem ou para o mal, não a partir de condições naturais.

E, contrario sensu, estas lutas e estratégias não dizem respeito apenas aos aspectos coletivos, mas guardam profundos reflexos na individualidade das pessoas e no caráter corporativo da profissão. Explico: todas as vezes que bibliotecários e bibliotecárias se engajam, por exemplo, na luta a favor das bibliotecas escolares, não é apenas pela democratização deste instrumento educacional que os profissionais estão lutando, mas também pela garantia da criação de mais postos de trabalho e, consequentemente, da garantia de renda às suas famílias.

Por isso é tão importante, seja da perspectiva individual, seja da perspectiva coletiva, tomar partido pela democratização do conhecimento, lutando contra os desmandos que tentam fazer de nós sujeitos acríticos, tecnoburocratas incapazes de questionar a quem serve a informação que organizamos e disponibilizamos, seja em bibliotecas físicas, seja em bancos de dados.   

Como já havia constatado Hannah Arendt, o mal pode estar na mais medíocre criatura, porque ele, o mal, se revestia (e ainda parece se revestir) da atividade mais banal e cotidiana, como se fechar em uma atividade burocrática, como catalogar e classificar livros (embora classificação e catalogação sejam atividades necessárias ao fazer biblioteconômico), ignorando muitas atrocidades que acontecem fora do ambiente de trabalho.

O mundo não é mais o mesmo, sobretudo depois de 2020, por isso bibliotecários e bibliotecárias precisam reagir, tomar posição, sob o risco de mais do que se tornarem irrelevantes, serem relevantes apenas para a tecnoburocracia e sua cegueira insensível, que cultua armas, e consequentemente a morte, enquanto ignora os livros e o seu papel socializador do conhecimento.

Mas como não sou dono da verdade, gostaria de saber de vocês: qual é ou qual deveria ser o papal dos bibliotecários e das bibliotecárias na sociedade brasileira?

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