Provocada pela fala da Maíra Oliveira, escritora, roteirista, dramaturga, pedagoga, contadora de histórias, professora, mãe, na Flisgo 2021, que rolou no final de fevereiro, senti profundo desejo de escrever sobre as editoras negras e, também, como disseminadora da informação viciada, fazer aquela listinha que vocês adoram!!

Durante os meses de março, todos os anos, vejo sempre diversos debates em torno dos 21 dias de ativismo contra o racismo, inúmeros eventos importantes e discussões relevantes. No entanto, seja nesse ciclo de eventos em que o racismo está em pauta, seja em outros, vejo poucos debates relevantes sobre mercado.

Aponta-se a necessidade de que haja espaço para as pessoas negras, que possamos ser remunerados pelos trabalhos, incluindo o intelectual, e que não abram espaço para esses debates apenas em março e novembro. Ainda assim, acho que ainda não falamos suficientemente sobre a relação de mercado e vou pontuar aqui os motivos pelos quais acho importante falarmos sobre isso, tendo como ponto de partida o mercado editorial e literário.

Por quê?

O dinheiro é uma ferramenta, instrumento do poder. O modo como o dinheiro circula, quem tem condições de investir, abrir empresas, gastar em determinadas coisas e até a precificação e taxação dos produtos e serviços faz parte de uma dinâmica que tem interesse na manutenção do modo como a sociedade está estruturada.

A riqueza produzida pelo capitalismo no mundo, especialmente no Brasil, tem forte relação com a exploração de corpos e do trabalho, escravização e corrupção. É na violência que se criam impérios e riquezas desde o início dos tempos. Os desafios para pessoas negras publicarem já foi mencionado por mim aqui na Biblioo.

Lógica editorial

Em grandes corporações editoriais ou editoras pequenas que não tem como prioridade a remuneração de quem deveria ser personagem principal em qualquer cenário literário, ou seja, escritores, ilustradores e produtores criativos de arte, os valores praticados como remuneração a esses atores são risíveis e praticamente um consenso: até 10% do valor de venda, quando a editora é grande e para livros de artistas já reconhecidos ou consolidados.

Às vezes, a editora paga 1 a 2%, uma fração disso, ou ainda um valor praticamente simbólico, a título de “adiantamento de direitos autorais”, ou em um quantitativo de exemplares e jamais efetua a prestação contas das vendas, nem para fins de conhecimento ou mesmo divulgação da pessoa que criou a obra.

Muita gente ganha dinheiro com a produção do livro, menos quem é responsável pela existência deles. Algumas livrarias e distribuidoras cobram de 40 até (respirem fundo) 80% do valor de capa de um livro. Sim, apenas para disponibilizar para a venda, num cantinho de estante, pois para vitrines e bancas é cobrado um valor de exposição.

Não há pagamento antecipado dos livros disponibilizados, e o que se pratica é o parcelamento, adiamento, longos prazos, consignação e muitas vezes nem há pagamento, como indica essa reportagem do jornal Correio Braziliense (clique aqui pra ler).

Autoras e autores negros sempre se autopublicaram, apesar dos altos custos, esforço físico, mental e de trabalho para circular, falar a respeito e ainda vender seus livros, como forma de resistência, ocupação dos espaços, possibilidade de visibilidade e de compartilhar suas ficções e visões de mundo.

Em 2016, houve grande movimentação em torno da ausência de autoria negra em certos eventos de grande nome e reconhecimento, conforme reportado pela redação da Biblioo. Nos anos seguintes, perceberam a lucratividade possível e a demanda desse mercado, e autores e autoras negres começaram a ganhar mais destaque em alguns eventos e no mercado, como já foi dito pelo Vagner Amaro aqui na Biblioo.

Teóricos como Djamila Ribeiro tem figurado em listas de mais vendidos e mais traduções têm sido trazidas para o Brasil e levadas para fora. Ainda assim, há muitos caminhos a traçar e muitos espaços a conquistar.

Lógica de mercado

Utilizo, a seguir, palavras de Daniel Brazil para expressar o que sinto em relação a isso:

“O mercado editorial não está em crise: ele é a crise. Enxergar isso depende de onde e para onde se olha. Enfrentá-lo e buscar alternativas a ele é uma decisão política, que precisa ser traçada tentando gerar preço acessível à população de mais baixas rendas e uma remuneração mais justa e igualitária a autores, a despeito dos altos valores de gráficas e práticas de distribuição do mercado editorial, valores de inscrições ou descontos em grandes feiras.

Devemos repensar a lógica de mercado estabelecida e instituída no Brasil há pelo menos um século, em que editoras, livrarias e toda a cadeia de produção e distribuição lucram em prejuízo de autoras e autores. Lógica essa que excluiu a literatura negra durante todo esse tempo e que hoje, diante de tantos movimentos de resistência, tenta se apropriar dela com o objetivo de obter lucro e tomar-lhe o espaço conquistado com tanto esforço”.

Conheçam, comprem, divulguem, leiam, estudem, se relacionem com editoras negras, literaturas negras, artistas negres. Aproveitem e busquem também profissionais e outros trabalhos de pessoas negres.

Segue então, uma listinha de algumas editoras negras, muitas das quais não concordam conosco no pensamento acima e nem sempre praticam o fortalecimento da autoria negra no sentido de garantir remuneração e reconhecimento, mas que ainda assim são importantes para a publicação, divulgação e ampliação das vozes negras no mercado editorial.

Abro aqui um importante parênteses: não serão citadas editoras brancas ou de donos/sócios brancos que publicam autores negros, pelo motivo lógico de que pessoas brancas sempre ganharam dinheiro com o trabalho de pessoas negras.

Editoras negras, em ordem alfabética:

Coletivo Quilombhoje

Coletivo Narrativas Negras

Kitembo

Malê

Mazza

Nandyala

Oríkì Editora

Apoiem também livrarias negras, como a Africanidades, Livraria Ayó, Bantu, Kitabu e a Timbuktu.

Outras iniciativas para comprar e contratar gente negra, de diversas áreas:

Mercado BlackMoney. Market place que reúne diversos comerciantes, empresas e prestadores de serviços de pessoas pretas: https://www.mercadoblackmoney.com.br/

Mapeamento de mulheres da literatura marginal e periférica (maioria negra): https://margens.com.br/mapeamento/mapa-veja-quem-sao-as-mulheres-da-literatura-marginalperiferica-no-brasil/

Para contratar profissionais negres: https://www.facebook.com/RDPNSP/

Roteiristas Negres: https://www.instagram.com/roteiristaspretos/

Associação de profissionais do audiovisual negro: https://apan.com.br/

Profissionais da Moda: https://casadecriadores.com.br/

https://www.instagram.com/casadecriadores/

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