“Quem lê se desnaturaliza”, Graciela Montes

É muito curioso observar certos fetiches reinantes com relação à leitura, em especial a literária. Praticamente todos têm a ver com as circunstâncias e ambiências promovedoras de prazer. Ok que conforto térmico e acústico importam, já os pufes … Eu não tenho nada contra os pufes, mas suspeito tanto entusiasmo com o item enquanto falta tanto de tudo que importa tanto: de acervo – incluindo qualidade, diversidade, representatividade, proporcionalidade, quantidade, renovação … – à bibliotecárias(os), mediadoras(es), professoras(es) com repertório leitor robusto para apoiar a jornada leitora de crianças, jovens e adultos.

Voltemos ao tema “prazer”: prazer em ler seria o quê?

Doer estaria em oposição ao prazer de ler? Sim, porque ler também dói de muitas formas. Até o bonito dói. Haveria/caberia prazer nessa dor de ler? Do “ensina-me a ver o mar” do “Livro dos Abraços” do Galeano a “nunca conheci quem tivesse levado porrada” do Pessoa. O “bonito de doer” se encaixa no “prazer de ler”?

Ao escrever e ler expomos e experienciamos o que é arrebatador e/ou assustador em nós, na vida. Como somos. Como a vida é. Como se imagina que seja. E mais. Seus porões e o firmamento estão em campo, muitas vezes lado a lado. Como somos. Como a vida é. A diferença é que quanto melhor escrito mais visceral – sabe descrever como é o aroma da água do mar?

Quem escreve, bem, escreve com o propósito (e/ou necessidade ou ambos) de expor a carne da experiência sentida ou preservada no teatro da mente, como nos diz o neurocientista António Damásio: ”… a literatura é extraordinariamente útil porque é uma entrada muito rica na mente, uma entrada que utiliza a vida subjetiva, os sentimentos. É muito curioso, quando se olha para as humanidades de uma forma geral, e para as artes, vê-se como têm sido laboratórios de estudo “. Daí a boa literatura (ou literatura estrito senso, porque diz-se que se não é boa é porque não é literatura) ser aquela capaz de nos afetar profundamente. Porque quem escreve quer tocar e expor o divino e o inferno do vivido, da experiência única que cada um(uma) tem e ninguém mais. Por isso a ideia de que quando a(o) leitor(a) lê acontece uma experiência pessoal e intransferível: lemos a partir de uma lente de vida particular. O que você pensaria ao ler “A cor da sua jaqueta de couro é a cor das ruas de Londres à noite quando chove”?[1].

“O prazer da leitura está no encontro de forma e conteúdo, na construção singular que me conta uma história e me convoca a experimentá-la na escrita. Há uma espécie de êxtase quando entendemos o que podem as letras, as palavras”, (Fabíola Farias, doutora em Ciência da Informação).

No deserto de políticas públicas do livro, leitura e biblioteca e o incompreensível descaso tanto com a formação leitora de professoras(es) na graduação quanto com a importância de existirem bibliotecas em todas as escolas a despeito da Lei 12.244/10 (e todos os PLs que a modificam/complementam em tramitação há anos), noto com certa inquietude ações que exaltam o “prazer de ler” na forma de pantomimas, representações, dramatizações, fantasias. Nunca vi pesquisa para basear a tese de que esses recursos formam leitoras(es). Você já? Se sim, envia o link aqui por favor ou cita o nome do livro, gostaria muito mesmo de conhecer. Ao invés de confiar nos textos e habitar os livros como bem escreveu pra gente o escritor Reni Adriano, bandeamos para a expressão de uma outra arte, que como tal tem seu valor, mas não é ler.

Faz tanto tempo que não penso nisso nesses termos. Como leitor, sim, continuo tendo uma relação de prazer com a leitura, mas não sei se é isso que eu penso como mediador. Como mediador, a palavra que melhor se aproxima desse tipo de encontro talvez seja intensidade. Na verdade, eu não me interesso mais em pensar a leitura, ou mesmo o estímulo ou incentivo à leitura, por essa chave do prazer. Para mim a leitura tem mais a ver com a capacidade de ser afetado e com o quanto de intensidade somos capazes ou não de sustentar“,    (Reni Adriano, escritor, consultor em formação de mediadores de leitura).

Podemos até ler em piqueniques, ou pufes, ou chases longs, ou …. mas estas não são as únicas e menos ainda A experiência mor de leitura. Porque se lê nos lugares mais improváveis e particulares, em circunstâncias particulares, por razões particulares. Na solidão e na tristeza. Na agonia. Sem pretensões, outras vezes. E escalar as leituras é coisa que dá trabalho.

A insustentável leveza de ler

Aprofundar, adensar, exige da gente tempo, concentração, esforço, disposição. Lemos solitariamente ou com gente ao redor nos assentos dos transportes públicos, no chão ou no sofá da nossa casa; e para a imensa maioria da população não há o tal “cantinho da leitura”. Muitas nem cantinho têm. Às vezes, nem casa. Lembro de um relato da escritora e pesquisadora, e à época professora da UFF (Universidade Federal Fluminense), Nilma Lacerda, ocorrido na biblioteca da universidade, que realizava atendimento e empréstimos para a comunidade do entorno. Uma de suas alunas de pós-graduação falou sobre um garoto entusiasmado com a possibilidade de escolher e levar o livro para sua casa, mas, de repente, recuou e deixou-o sobre a mesa, alegando que onde morava com a família não haveria condições de evitar que algum dano ocorresse, pois “morava” entre as paredes de dois casebres, sobre chão batido, com rara mobília, e poderia chover …. O menino não tinha casa para se abrigar e nem ao livro. Lembro que providenciaram uma cobertura plástica para o livro para que pudesse, como as demais crianças, levar consigo. Guardo na memória o compromisso concreto de viabilizar que o menino sem casa não ficasse sem livro.

“Prazer? O prato da condição humana na mesa e eu sentada de garfo e faca a me conhecer e saber, enfim, de que é feita a refeição. Escapo ou morro? O mergulho na página promete novas perguntas, mas “um dia toparei comigo”, humana e uma, apesar das 350 faces, como diz Mário de Andrade. Não há prazer de ler, há consolo, encontro, o beijo na face oposta. Se estou um tanto hermética ou poética é por não aguentar mais esta história de prazer de ler, e buscar, como boa pesquisadora, que prazer é este, fora o grande jogo de signos que disfarça nossa crueza e escuridão, mas também a glória que pode nos caber e as desesperadas tentativas de uma espécie que busca acertar-se. Prazer? A gente lê porque precisa. Se prazer houver, talvez esteja em continuar buscando”, Nilma Lacerda, escritora.

Outras tantas vezes lança-se a experiência de mergulho num pequeno e muitas vezes muito bom acervo que promovem experiências de leituras significativas, que afetam, deitam memória. Quase sempre literatura infantil e juvenil (prefiro a definição da escritora e pesquisadora Nilma Lacerda: literatura que também crianças conseguem ler). Cria-se, em muitas vezes destas vezes, numa experiência de tempo curto e sem sustentação, a equivocada percepção de que somos todas(o) afetadas(os) da mesma forma pelos mesmos textos. Sem novas e mais complexas experiências leitoras, acredita-se que, como o flautista de Hamelin, a pessoa agora tocada pelo texto terá condições plenas de “inocular o prazer da leitura”. Ora, a sua/minha experiência de leitura é sua/minha experiência de leitura, nem sempre transferível, nunca com os meus contornos, pois por mais que ler possa ser uma experiência coletiva, como ocorre nas leituras compartilhas, ler é uma experiência única vivida pela lente única de uma vida única de uma pessoa única.

Essa mitificação é traiçoeira. É um tiro no pé. Promete o que não pode entregar. E daí a pessoa que passou por essa “experiência-Spa” tenta inadvertidamente reencontrá-la mais e mais e como quase nunca é possível o mesmo de novo outra vez, estanca. E, pior, tenta reeditar com e para outras pessoas sua experiência intransferível nos mesmos termos. Pior ainda se são professoras(es)/mediadoras(es) de leitura na labuta de formar leitoras(es). Vende-se gato por lebre e permanecemos leitoras(es) potenciais, no sentido que não se realizam.

“O prazer de ler está no jeito que alguns textos têm de conduzir o entendimento, de aprofundar compreensão, de tocar diversas camadas da experiência e explorar diferentes graus de complexidade da comunicação, dos sentimentos, da vida e das relações. Eu sinto mesmo que a leitura qualifica meus encontros, minhas conversas, minha capacidade de comunicar o que sinto e penso sobre a vida, amores e lutas… Acho que bem resumido e no tempo aqui dessa prosa curta, pode ser isso e outras muitas mais coisas que já me fizeram chorar, despertar, ficar surpresa, me apaixonar ou indignar. E cada um desses movimentos podem produzir alguma coisa como o prazer da descoberta”,  (Rosana Baú, educadora, doutora em literatura).

Conversando com o Percival (Leme Britto) para escrever este artigo ele comentou que ler é uma atividade/ação/iniciativa que vem precedida da ideia de que ler é prazeroso, como um comercial para convencer o consumo. “Você não ouve ninguém dizer ‘coma chocolate porque dá prazer’, ‘ame porque dá prazer’, ‘dance porque dá prazer’, ‘vá ao teatro porque dá prazer’,’ ouça uma música porque dá prazer’ …”. Eu ri, como quase sempre acontece quando compartilha suas provocações certeiras. Ou seja, partimos da ideia fixa de que ler é ruim, chato, penoso e, portanto, precisamos prometer o gostoso, o lúdico, o entretenimento.

Lúdico é outra ideia propagada. Ler como fonte de prazer e diversão e de novo surgem atividades paralelas à leitura: fantoche, dança, teatralização, desenho etc. etc. etc. Além de não ser uma condição para capturar a atenção de crianças bem pequenas para ouvir histórias, a disseminação desta ideia pode silenciar ou acanhar educadoras(es) potentes, que assimilam a compreensão de que quem não conta com recursos ou desenvoltura teatral para ler está terminal e terminantemente sem condições de mediar leituras. Errado!

Há pesquisas que falam da importância em ler desde sempre para cravar memória auditiva e semântica das palavras, uma jornada relevante na constituição da circuitaria neuronal necessária para que sejamos, de fato, boas(bons) leitoras(es), uma vez que não somos naturalmente programadas(os) para ler. Escrevi sobre esse tema neste artigo. Igualmente há pesquisas que tratam dos impactos positivos, no sentido de apropriação do sentido da história, quando mães dialogam com suas(seus) filhas(os) sobre as leituras que realizam[2]. Ou seja, ler sem cobrança, ler por ler. Ler para partilhar. Ler apoiadas(os) na musicalidade da palavra literária, das onomatopeias. Ler, apenas.

Então, ler o que? Ler por quê?

Ler para elaborar, ler para sentir, ler para ouvir palavras e histórias distantes ou próximas do dia a dia, porque o que se espera quando se lê para crianças desde pequenas é que aprendam e apreendam os sentidos de ler. E aos pouquinhos, no miudinho das horas, atribua sentido à vida. Dançar, pintar, dramatizar etc. tudo tem e deve ter seu momento. Assim como não se interrompe um desenho, uma música, um teatro para ler, para quê interromper ou atravessar leituras com teatro, música, desenho, jogos?

Ler para saber que ao virar de cada página se desdobram as histórias que, mais adiante, com autonomia, será ela, a criança, a conduzir este movimento.

Toda experiência pessoal é isso, experiência pessoal. Relato uma aqui porque acho que conversa com o que estamos falando aqui. É um relato da minha filha com 12 anos sobre seu processo de entender-se leitora. O título é “Ler sem saber”. Ela escreve que a história que está narrando data de quando ela tinha 3 anos e “leu” seu primeiro livro: “Agora não, Bernardo”. Ela descreve que não sabia ler propriamente e que o que aconteceu foi que de tanto ouvir a história, a memorizou e, assim, a cada virar de página narrava o que tantas vezes escutara. Ela escreve: “Sempre achei esse livro muito engraçado, porém, quando cresci percebi que falava de um assunto muito sério”. O sentido da história foi pouco a pouco se apresentando para ela na medida em que crescia e atribuía sentido à vida. Uma elaboração que se constrói com o tempo, no ponto e laço das relações e vivências tramadas no tempo, no miudinho dos dias.

O “gosto” de ler é também palavra-adjetivo muito difundida. Que seria? Pensamos todas/todos/todes o mesmo sobre gostar de ler? Gostar de ler tem a ver com o quê? E “gostar” implica em quê? Ler muitos livros? Sobre esse tópico Silvia Castrillon nos faz um alerta: “… elevar nossos índices de leitura per capita só significa aumentar a compra de livros, e não estaremos fazendo nada por uma verdadeira democratização da leitura[1]. Ler certo tipo de livro? E se sim que tipo de livro seria? Cânone? Autoajuda? Literatura? Filosofia? Quais temas? Quais autorias?

Eu não sei se vivemos tempos ou se “sempre” fomos assim, de gostar de habitar o conforto da “verdade única” que portamos, com visível desconforto e desinteresse em descobrir e dialogar com o contraditório. E se estamos confortáveis com o que pensamos em nossas ilhas de verdade o que defendemos quando defendemos o gosto de ler? “Somente no momento em que se reconhece e se vive o conflito é que, em alguma medida, a experiência de ler ganha dimensão humanizadora”, escreve Percival Leme Brito.[2]

Ler com intencionalidade parece ser um caminho que faz muito sentido, para apreender o mundo para além do imediato, do pragmático e, sem dúvida, para além do senso comum. Porque se a gente acredita de verdade que a educação é condição sine qua non para a emancipação humana, a jornada de leituras a serem oferecidas precisam, sem dúvida, ser convergente com essa intenção. No sentido de ler ter a ver com a conquista da habilidade, compreensão e a disposição para estar no mundo como eterno aprendiz, na perspectiva da emancipação humana. E o gosto de ler, como todos os demais gostos, se aprende, se adquire, se modifica, se expande. Nesta perspectiva falar de promover leitura significa “… uma forma de pertencimento crítico ao mundo. Um valor, portanto. Um valor que carrega um princípio de humanidade e que implica, mais que o simples hábito, uma atitude[3]. Então falamos de leituras que promovam a arte literária, a ciência, a filosofia, a política; o protagonismo responsável, criativo, sensível, cidadão.

Ler é isso, ler é aquilo, ler é ler

Ler porque o texto é o triunfo da memória, assim como a biblioteca, como disse Graciela Montes. Ler para encontrar a palavra, entender contextos nos quais nos movemos ao longo da história enquanto espécie; ler para reencontrar a nós mesmas(os) nesta jornada; ler porque não sabemos e precisamos saber como ser tão melhores por aqui para causar o máximo de bem e o mínimo de dano; ler porque a vida não tem sentido algum e não podemos desperdiça-la; ler porque não podemos nos contentar com as fatias rasas e finas servidas todos os dias; ler para não simplificar; ler para se libertar; ler “para se desnaturalizar”; ler para desligar do automático e do senso comum. Ler porque podemos mais e melhor. Ler porque, como dizia Bartolomeu, tudo que existe no mundo passou antes pela imaginação de alguém. Então, se fomos nós que colocamos a iniquidade no mundo, precisamos ler para extirpá-la do mundo. Para isso, é preciso saber como, com quem, por onde. É preciso ler para escutar, alerta Bartolomeu:

“Hoje, estamos com muita gente encontrando a verdade. Quando uma pessoa encontra a verdade, a única coisa que ela adquire é a impossibilidade de escutar o outro. Ela só fala, não escuta mais. Quem encontra a verdade só fala.”

Ler é ler. Ler não nos faz pessoas melhores embora possamos ser melhores também porque lemos. Não importa se ler acrescenta um minuto a vida se a vida segue sendo miserável, usurpada: a sua, a minha e de tanta gente. Ou não deveria importar se, de fato, acreditamos que ler pode, de alguma forma, no contexto da educação integral, nos emancipar como seres humanos, no sentido de fortalecer a potência de existirmos e integrarmos uma ampla rede de cuidados com todas as vidas.

Pensando nesta dimensão, todo o cuidado em entender que vivemos em uma matrix é vital para não pecar e errar por ingenuidade ou por arrogância. Ouçamos Percival:

“As propostas daquilo que estamos chamando de leitura de literatura, tanto a produção quanto o exercício leitor, estão submetidos a esta lógica de produção da alienação. Ninguém se desaliena porque se torna leitor. Nenhum livro de literatura é capaz por si de causar desalienação. E a produção literária em grande parte está submetida à ordem da indústria cultural e de uma disputa em que a dimensão de produção estética e indagação da condição humana por meio da invenção de forma e mundo se submete à reprodução de modelos já estabelecidos com a finalidade de reproduzir valores do cotidiano na lógica do comércio. Nem toda literatura se pode perceber como arte e quase toda literatura que se produz, mesmo como arte, está ameaçada de se transformar em mercadoria e reproduzida como mercadoria e recebida como mercadoria. Ela compõe o mundo do cotidiano alienado e, portanto, nós não teríamos por aí nenhum tipo de emancipação ou descoberta maravilhosa de um leitor …. é possível, como tendência, nós vivermos para a emancipação”.

Na fronteira dos anos 2000 criei um nome para um programa de educação para a leitura que dirigi por 15 anos que me pareceu condizente com a propagada “comemoração” – no sentido de lembrar junto – dos 500 anos de “achamento” do Brasil, inspirada no lema do Pessoa. Nasceu o “ler é preciso”.

Sim, ler segue sendo preciso. Como “Não existe ação consequente sem trabalho, e não existe ação sensata sem sofrimento[4], para assumir a missão de pensar e realizar ações que tenham como foco leitura e escrita de qualidade para todas as gentes, na perspectiva da promoção da emancipação humana, é preciso ler, estudar e pensar acima das obviedades. Isto significa estar longe da zona do conforto e quase sempre na zona do conflito.

Para educar um ser humano importa tanto a qualidade do livro quanto o sentido das práticas leitoras. Nada faz sentido em si mesmo; tudo faz sentido na mediação com outro ser humano. Sensibilidade ou seu avesso, generosidade ou seu avesso, amor ou seu avesso, apreciação ou seu avesso…

“O prazer de ler para mim está em poder ler. Não se trata de poder ler o que quero, quando quero e como quero. Trata-se de ter acesso a esse espaço capaz de tecer minha subjetividade, de fazer como eu me sinta gente de verdade. Sinto um prazer imenso em destinar a mim um tempo, ocupando um lugar que durante a leitura é meu e ao mesmo tempo me leva a encontrar outras gentes muito diferentes enquanto são iguais a mim. O prazer está em desdobrar emoções e sentimentos. Está em imaginar e vivenciar imaginários. Nunca penso em minhas leituras sem me lembrar de Bastian, em A história sem fim (1984), – peço perdão pelo clichê – mas o grande prazer está em saber que a história é sem fim e que eu acredito como aquele menino grita que acredita ou como os meninos perdidos declaram tão fortemente que acreditam. Eu acredito, meu grande prazer”,  (Maria Paula de Jesus Correa, educadora, mestre e doutoranda em Letras).

A difícil tarefa de democratizar leituras num país que não universalizou bibliotecas em escolas

Somos uma sociedade, no mínimo, curiosa. Negamos os meios concretos para a democratização da leitura – bibliotecas à mão cheia, formação leitora robusta de professoras(es), por exemplo – e espalhamos de forma missionária o conceito do prazer de ler. No dia 18 de abril, Dia Nacional do Livro Infantil e Juvenil, o inventário permanecia assim: 70% das escolas públicas não têm biblioteca e 46% das escolas privadas não têm biblioteca. Ou seja, o dia em que muito se pôde ler sobre a importância e o valor da literatura infantil e juvenil foi novamente tingido pela distância abissal entre o que se diz, escreve e pensa sobre a importância e o valor da literatura infantil em nossa sociedade e a ação concreta, bibliotecas em todas as escolas do Brasil, para tirar a ideia do pântano da oralidade ou da escrita e inserir no cotidiano de crianças e jovens em todos os cantos do País.

Hoje é o dia mundial da educação,  28 de abril, e nós por aqui ainda debatemos porque jovens não leem diante desse cenário, que nega o lugar de acesso gratuito aos livros, às leituras, às leitoras e aos leitores.

Somam 62.490[5] as escolas públicas sem biblioteca ou sala de leitura, destas 38.130 são escolas rurais!!!!! Falando em porcentagens: 46% das escolas públicas brasileiras não têm biblioteca ou sala de leitura e neste universo percentual 61% das escolas sem bibliotecas ou salas de leitura são escolas rurais. Milhares de estudantes e toda a comunidade escolar de seu entorno sem acesso aos livros, leituras, práticas leitoras, encontros entre leitoras e leitores. Ou seja, compromete ainda mais o desenvolvimento intelectual e humano de populações já isoladas e sem acesso a equipamentos culturais e educacionais.

Portanto e por tal, segue sendo importante afirmar e reafirmar a importância da biblioteca na escola para que existam bibliotecas nas escolas, boas bibliotecas, diga-se de passagem, integradas ao projeto político pedagógico das escolas, com bibliotecárias(os), onde leituras e ideias fervilhem e nos levem, sem exceção, em especial a atual geração, para bem longe das ideias superficiais e banais, que incitam o ódio e banalizam a vida, que têm circulação ainda mais solta nesta era digital,

Hoje, Dia da Educação, é preciso ler e divulgar amplamente o Guia sobre Prevenção e Resposta à Violência às Escolas. Porque hoje, atualmente, neste País, estamos falhando miseravelmente em oferecer à população brasileira, às crianças e aos jovens plenas condições de vida, acolhimentos e cuidados. É impossível pensar qualquer programa de formação leitora desconectado do contexto no qual estamos inundados. Seria, para além de ingenuidade, desumano.

[1] O direito de ler e de escrever, pág. 49, editora Pulo do Gato, edição 2013

[2] Inquietudes e desacordos, a leitura além do óbvio, pág. 48, editora Mercado das Letras, edição 2012

[3] Inquietudes e desacordos, a leitura além do óbvio, pág. 48, editora Mercado das Letras, edição 2012

[4] A banalização da injustiça social, Christophe Dejours, pág. 145, edição 2003, editora Fundação Getúlio Vargas

[5] Fonte: https://qedu.org.br/brasil/censo-escolar

[1] “Lugar nenhum”, de Neil Gaiman

[2] Ver How to create a successful reader? Milestones in reading development from birth to adolescence: The contribution of language, cognition, and literacy to reading development. Link aqui

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