Embora a Constituição Federal expresse de forma clara que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, publicações e autores têm sido alvo de intensas investidas conservadoras no Brasil nos últimos tempos. A lista de livros que foram atacados por figuras políticas cresceu substancialmente, fato que tem suscitado preocupação no segmento livreiro.
A mais recente obra a sofrer tentativa de censura foi o romance gráfico “Vingadores, a cruzada das crianças” (Salvat), durante a Bienal Internacional do Livro do Rio, que terminou no útimo fim de semana. O livro traz a imagem de um beijo entre dois personagens masculinos. Após conseguir uma decisão favorável no Tribunal de Justiça do Rio, o prefeito Marcelo Crivella, autor da investida, foi derrotado duas vezes no Supremo Tribunal Federal.
Dentre as obras que sofreram tentativa de censura estão não só romances recentes, mas também outras mais antigos, além livros infantis. Abaixo listamos dez destas obras:
1) “Enquanto o Sono Não Vem”, de José Mauro Brant
Em 2017 o livro “Enquanto o sono não vem” foi retirado de escolas da Grande Vitória após reclamações de professores. Em um dos contos do livro, inspirado em tradições populares, “A triste história de Eredegalda”, o pai sugere a ideia de se casar com uma de suas filhas, que acaba morrendo no fim da história.
Foram recolhidos 93 mil exemplares da obra que tinham sido distribuídos pelo Programa de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) para alunos de primeiro, segundo e terceiro anos do ensino fundamental das escolas públicas. À época o MEC informou que sua decisão de recolher os livros estava respaldada em parecer técnico da Secretaria de Educação Básica (SEB), que considerou a obra não adequada para as crianças de sete a oito anos do ensino fundamental.
2) “A semente do Nicolau”, de Chico Alencar
No final de 2018 uma escola particular de elite de Brasília decidiu excluir da lista de materiais escolares o livro infantil “A semente do Nicolau” após sofrer pressão de pais de alunos, que protestaram após descobrirem que a obra é de autoria do então deputado federal Chico Alencar, filiado ao PSOL do Rio de Janeiro.
O livro conta, por meio de um conto de Natal, a lenda do Papai Noel e como as crianças podem aprender valores relacionados à solidariedade, espírito natalino e respeito aos idosos. “Sectarismo autoritário estimulado pelo tal ‘Escola sem Partido’, sem reflexão crítica, sem solidariedade, com mordaça, sem Natal”, afirmou o parlamentar e autor da obra.
3) “Meninos sem pátria”, de Luiz Puntel
No final do ano passado a impressa noticiou que o Santo Agostinho, famoso colégio católico e um dos mais caros da cidade do Rio, censurou o livro “Meninos sem pátria”, de Luiz Puntel, por supostamente “doutrinar crianças com ideologia comunista”, promovendo um “discurso esquerdopata” entre os alunos, como bem lembrou Criatian Brayner em artigo publicado na Biblioo.
4) “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”
Também no ano passado ao menos cinco câmaras de vereadores de municípios do Rio Grande do Sul exigiram a retirada do livro “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” do acervo de algumas bibliotecas públicas. A publicação é um catálogo das obras da exposição de mesmo nome que foi cancelada pelo Santander Cultural, em Porto Alegre (RS), após uma série de protestos nas redes sociais em 2017.
5) “Martí: sem a luz do teu olhar”, Brígido Ibanhes
O romance “Martí: sem a luz do teu olhar” (Edição do Autor, 2007) havia sido uma das obras adquiridas pela Prefeitura de Dourados, cidade de 210 mil habitantes localizada à 229 km de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, em 2008 para compor o acervo das bibliotecas escolares, num total de 500 exemplares até ser retirado abruptamente destes espaços.
Embora exista diferentes versões para o motivo da retirada da obra do catalogo das bibliotecas locais, conforme mostrou uma reportagem da Biblioo, a presença de expressões como “aborda a mulher por detrás”, “pegada animal”, “tapão no traseiro”, “potranca” e “omissão peniana” teria justificado a medida, versão questionada pelo autor que chegou a ingressar com uma ação na Justiça contra a Prefeitura.
6) “Bolsa Amarela”, de Ligia Bojunga
Em agosto desse ano vereador Clayton Silva (PSC), da cidade de Limeira, interior de São Paulo, foi às redes sociais criticar um livro usado pela rede municipal de educação. Segundo o parlamentar, o exemplar aborda ideologia de gênero e, por isso, fez um requerimento à Secretaria Municipal da Educação local questionando o uso e a distribuição do material, que estaria sendo usado por professores para estudos com alunos de 10 a 11 anos.
“A Bolsa Amarela”, da escritora Lygia Bojunga, foi publicado em 1976, e é considerado um clássico da literatura infantojuvenil. A obra narra a história de uma menina chamada Raquel, que entra em conflito com os elementos de seu mundo ao reprimir três grandes vontades: a de crescer, a de ser menino e a de ser escritora. “O governo vira as costas para a vontade da população e investe contra nossas crianças e contra a família”, declarou o vereador, apontando que ele foi procurado por mães de alunos se disseram “perdidas e pedem ajuda contra essa afronta a sua moral”.
No requerimento, ele queria saber sobre as escolas que receberam o livro, quais atividades realizadas, se o conteúdo faz parte do estabelecido pelo Plano Municipal de Educação (PME) e qual investimento para compra e distribuição. Clayton questionou se a Secretaria tem conhecimento de “que o conteúdo do livro afronta os princípios morais dos pais dos alunos”.
7) “Beirage”, de George Furlan
Beirage, um livro de poesias financiado pelo Fundo Municipal de Cultura (FMC) de São José dos Campos, cidade do interior de São Paulo, foi retirado de circulação das escolas públicas e das bibliotecas da cidade em maio deste ano acusado de “extrapolar as regras da legalidade” depois que se constatou críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Com frases como “p… no c… do Bolsonaro”, além de críticas à ditadura civil-militar e à bancada evangélica, o livro foi publicado pelo escritor George Furlan no início de 2019. O projeto aprovado pelo FMC custou R$ 20 mil.
O livro teve tiragem de 5 mil exemplares, que foram distribuídos em escolas públicas e bibliotecas municipais. Entre os 70 poemas publicados, dois provocaram críticas de membros do PSL e de vereadores da cidade por conter palavras e opiniões contrárias ao presidente.
8) “Os Vingadores – A cruzada das crianças”, de Allan Heinberg e Jim Cheung
Lançamento no Brasil em 2010, a história em quadrinhos “Os Vingadores – A Cruzada das Crianças” voltou ao centro do debate na semana passada. O motivo foi a determinação do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), de retirar a obra da Bienal do Livro, que acontecia na cidade.
Segundo o político, que também é ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, a obra oferece “conteúdo sexual para menores”. A repercussão em relação à decisão do prefeito foi tamanha, que, ao abrirem as portas da feira do livro, os exemplares da obra que mostra dois personagens masculinos se beijando se esgotaram em apenas 29 minutos.
“Eu deveria contratar o prefeito do Rio de Janeiro para promover meu próximo livro”, ironizou o ilustrador do HQ, o britânico Jim Cheung, ao responder, no Instagram, a um comentário de uma seguidora sobre o fato de todos os exemplares terem se esgotado na Bienal do Rio de Janeiro pouco tempo após Crivella anunciar que fiscais confiscariam a publicação de Cheung.