Fantasmas na biblioteca: a arte de viver entre livros, de Jacques Bonnet é um livro sobre livros e mais do que isso: para quem gosta de livros e de leitura! A obra possui uma linguagem simples e cada capítulo é como se fosse uma conversa com o leitor. Permeando o texto algumas sugestões de leituras são apresentadas, instigando a curiosidade de se pesquisar sobre os títulos citados.
A obra também pode parecer uma leitura que estimula a vaidade dos bibliófilos, pois quem não gostaria de exibir suas coleções raras e/ou compartilhar suas histórias sobre os livros? Nela o autor descreve a história de alguém que vive cercado por livros, acumulados durante toda a vida numa biblioteca particular formada por dezenas de milhares de títulos, que nem sempre serão lidos e com a difícil missão de organizá-los.
Mas como se chega a esses milhares de volumes que terminam por causar tantos problemas a seu proprietário?
Segundo Bonnet, um bibliófilo que se define como um bibliomaníaco, a bibliomania (compulsão por colecionar livros) pode ser dividida em dois gêneros principais: a dos colecionadores e dos leitores obstinados. Os primeiros podem perder todo o limite quantitativo e renunciar a leitura das obras acumuladas. Já os leitores obstinados possuem uma curiosidade e obsessão pela leitura que os levam a guardar o objeto de leitura para mantê-lo à sua disposição, resultando no acúmulo de milhares de volumes.
Alguns aspectos inerentes ao colecionismo são contemplados na obra como o simbolismo que o livro apresenta com suas particularidades estéticas despertando o desejo de posse e as angústias de quem não sabe o que fazer com tantas publicações reunidas e desorganizadas.
No capítulo dedicado à classificação, o autor a retrata como um problema incontornável e que para o proprietário da biblioteca, a desordem de centenas de obras pode até não o impedir de se situar, muito embora a organização de cerca de 10 ou 20 mil livros imponha um certo método.
É interessante uma obra abordar questões e conflitos que permeiam o universo dos leitores-colecionadores, pois muitos podem se identificar e perceberem que não estão sozinhos nesta jornada literária que é estruturalmente solitária.
Neste sentido, o autor aponta: as infinitas ramificações que as bibliotecas adquirem com o tempo; as facilidades que a Internet trouxe para os leitores; os divertidos e trágicos casos sobre o mundo dos livros e os habitantes imaginários de sua grande biblioteca; além de refletir é claro, sobre o passado e o futuro dos livros.
Uma obra deliciosa de se ler e indispensável para os que se dizem amantes dos livros e que não dispensa questões atuais como a comparação entre o livro impresso e o digital e a praticidade e velocidade da consulta e busca pela informação por meio do uso das tecnologias.
Para o autor, a Internet possui um precioso papel na recuperação da informação, mas funciona apenas como um complemento. No trecho a seguir, Bonnet destaca toda a carga sentimental que uma biblioteca desperta e que nenhuma máquina conseguiu reproduzir ainda:
Curiosamente, a fonte infinita de informações que constitui a internet não tem para mim o mesmo estatuto mágico que a minha biblioteca. Estou diante de meu computador, graças ao qual posso chegar a todas as informações imagináveis, ainda mais mestre do tempo e do espaço, e, no entanto, falta aí o “divino”. Talvez se trate de uma questão corporal: faço isso com a ponta dos dedos, e tudo permanece exterior, passando por uma máquina e uma tela. Nada a ver com minhas paredes atapetadas de livros que eu conheço — quase — de cor. De um lado, tenho a impressão de estar no comando de um braço articulado capaz de todas as performances no vazio sideral exterior, de outro, num útero cujas paredes são atapetadas de prateleiras cujo arquétipo romanesco poderia ser o Nautilus. Como se vê, a questão não é apenas de racionalidade (BONNET, 2013, p. 137).
Bonnet é considerado um dos maiores especialistas em bibliofilia e teoria da literatura, que além de bibliófilo é uma autoridade quando se trata de livros raros. E nesta obra celebra a biblioteca e os livros, sem julgamentos, conduzindo-nos pelo fascinante mundo da leitura.
Referências
BONNET, Jacques. Fantasmas na biblioteca: a arte de viver entre livros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. 160 p.