Entro na biblioteca e sinto seu cheiro. É um odor leve, nauseabundo, ácido… Olho entre as estantes sem fim, lenta e demoradamente. Não tenho pressa. Em todas as bibliotecas que visitei em vida, existia pelo menos um exemplar. Às vezes, confesso, minto: me apresento como um estudante de Biblioteconomia e que gostaria de conhecer o funcionamento da biblioteca. Não é difícil mentir, já que realmente cursei “Biblio”.
Assim subo e desço escadas… Para quem nunca esteve nos bastidores de uma, bibliotecas possuem uma configuração parecida: secretaria, diretoria e salas repletas de livros em estantes de metal, uma pequena sala de convívio, uma saleta para os jornais etc. A maioria com uma quantidade razoável de volumes, ainda que o acervo esteja desatualizado em relação à atual literatura brasileira. Quanto à mundial, a atualização é sentida pelos best-sellers e os que ocupam a lista de mais vendidos nas revistas semanais. No porão, numa saleta esquecida, um monte de caixas com doações de livros ainda em fase de estudos, o que vale e o que não vale a pena, porque os doadores em geral entregam à biblioteca o que não querem em casa ou o que ninguém quer e normalmente não presta para nada…
Nos grandes prédios é perceptível uma sala que ninguém entra. Nem sempre me convidam a ela e às vezes são necessárias algumas perguntas como: “O que fazem com os livros machucados?” Então dependendo da simpatia, sou levado à sala que busco, ou um cantinho esquecido nas pequenas bibliotecas… O cemitério dos livros mortos.
Livros mortos são aqueles tirados de circulação porque ninguém lê, porque estão por demais velhos ou porque tiveram paginas arrancadas. Normalmente ficam ali pra sempre; não podem ser doados, porque a lei não permite. É bem publico! A burocracia impede à doação e eles ficam ali: esquecidos, abandonados, mortos.
Às vezes nos cemitérios também estão objetos perdidos que contam a história do local: carimbos, papeis e mimeógrafos.
Já vi todo tipo de bizarrice para descartar esses livros. A que eu mais gosto é a lepra: o bibliotecário arrancar algumas paginas e todos os dias levar uma parte do livro para o lixo.
Quando me permitem o gosto de abrir alguns e sentir surgir como um gênio invocado aquele odor que sobe como libação; um cheiro abafado de mofo e umidade. E gosto mais ainda quando falam que eu posso escolher um… Levo pra casa e durante um tempo fico tentando ler o livro sem as palavras. Quem leu? Que mudou? Qual sua idade?
Então depois o coloco a vista na mesinha de casa com um bilhete: ame-me, e por incrível que pareça… Alguém sempre leva o livro abandonado.