Aos desavisados de plantão cabe salientar que estamos no século XXI da era cristã, embora alguns fatos se mostram inimagináveis de se conceber, quanto mais de se testemunhar em um século com tantos avanços científicos eclodindo amiúde diante de nossos olhos.

Por mais esforço que se faça para acreditar que estamos passando por uma fase de turbulência necessária para o amadurecimento da nação, as doses de tranquilizantes são cada vez mais necessárias para se manter o que resta da sanidade mental, principalmente aos habitantes do Brasil que estão sob “a regência bolsonariana” no poder da República.

Não é oculto à boa parcela da população que o chefe do executivo nacional não tem lá muita intimidade com assuntos oriundos dos estudos, principalmente quando se trata de coerência, articulação na língua pátria e lógica (basta ouvi-lo por cinco minutos e constatar o desastre “comunicacional”).

Destarte, não se pode esperar deste senhor nenhuma atitude que vá apontar para a instrução da população, nem uma promoção aos estudos como meio de elevação pessoal (não apenas uma questão mercadológica/trabalho, fim primeiro da criação das escolas pelo monopólio burguês da sociedade). Pelo contrário: o próprio chefe do Executivo profere palavras que enaltecem o culto à ignorância, prestando um desserviço geral e irrestrito à nação!

Falando o que o presidente eleito sempre falou (e mesmo assim ele foi eleito), já tínhamos uma amostra grátis do que seria os quatro anos do seu mandato e de sua horda no Planalto, mas, “como todo castigo pra corno é pouco”, o referido senhor decidiu atacar francamente à imprensa, pessoas que não gozam de sua simpatia, e os livros!

Em uma de suas aparições públicas costumeiras em frente ao Alvorada, falando para seus asseclas, o presidente do Brasil disse que “os livros didáticos têm muita coisa escrita!” Fico imaginando se os livros didáticos trouxessem apenas figuras (que não deixam de ser um texto não escrito), será que nossa posição na escala do analfabetismo estaria próxima a zero?!

Tendo textos escritos já amargamos posições incômodas nos rankings que se dedicam a este segmento, imagine não tendo… A mediocridade, não só do presidente, mas de boa parte dos que o cercam e/ou trabalham com ele, revela (pelo menos a mim) uma aparente frustração, um ressentimento.

Isso fica claro nas atitudes do ministro da Educação (para ficarmos com um bom exemplo), que de forma gratuita ataca desafetos políticos, bem como a comunidade científica de uma forma geral. O único fato preponderante que vem a minha cabeça de ainda este senhor ocupar o cargo de ministro da Educação do Brasil é que ele é tão alucinado nas questões ideológicas e na perseguição aos seus desafetos quanto o seu chefe direto.

Quando o presidente vem a público enaltecer um possível predomínio da educação militarizada, em detrimento da educação dita civil, é flagrante a intenção “ideologizante” por trás desta ideia, além de demonstrar um total desconhecimento sobre a realidade da educação no país que ele preside.

Não é o fato de militarizar as escolas que vai garantir excelência no ensino! O problema da educação no Brasil se arrasta há anos, e, como bem disse Darcy Ribeiro: “A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto!”

Há um fato que não é de conhecimento amplo da população brasileira, mas que ocorreu nos tempos de chumbo da ditadura militar, nas dependências da Biblioteca Nacional do Brasil. Conta-se que, para fugir dos sensores que faziam batidas periódicas ao acervo da BN, alguns bibliotecários “escondiam” livros considerados subversivos na própria área de guarda.

Eles sabiam que os livros que versavam sobre sociologia, antropologia, ciência política, filosofia, história, geografia e afins eram os alvos principais dos sensores. Para fugir dessas batidas constantes, os livros dos assuntos supracitados eram classificados em outras áreas do conhecimento, ficando assim protegidos das garras da censura. Há relatos de que uma vez e outra, os funcionários da BN “acham” uns livros em prateleiras que não deveriam estar naquela localização.

Os livros sempre foram enaltecidos por inúmeras pessoas ao longo dos séculos. Instrumento dos mais valorados por nações inteiras, os livros ganharam destaque nos emblemáticos conflitos do mundo antigo. Por onde se passeia na história, temos a oportunidade de “esbarrarmos” com os livros, sejam eles do formato que for.

A chamada Idade Média foi o período em que mais se popularizou o livro, muito disso graças à revolução bibliográfica que eclodiu nas oficinas de Mogúncia (Mainz), no século XV, na Alemanha.

Foi na Idade Média também que mais se destruiu livros na história. A Igreja Romana foi uma das que contribuíram maciçamente para este fim. As expedições denominadas de santa inquisição, principalmente a espanhola, pôs fim a manuscritos árabes e de toda sorte de origem que não estavam de acordo com a visão de mundo da Igreja. Mulheres foram queimadas vivas em fogueiras alimentadas com madeira e com os seus próprios livros, visto como instrumento de ocultismo por Roma.

Engana-se que a aversão aos livros ficou na Idade Média, ou no passado bem próximo (em termos históricos) como a queima de livros promovido por nazistas em Berlim, em 1933. No Brasil do século XXI, ainda não estão queimando livros (ainda), mas o ataque aos mesmos se faz com profusão.

Não obstante a fala do presidente sobre os livros didáticos “ter muita coisa escrita”, um dos filhos deste senhor (o 03), disse em uma rede social que não era preciso ler muitos livros para se tornar um conservador. A gente pode discordar sobre o significado da palavra conservador, mas em termos político (ciência política), conservador é aquele que defende as instituições constituídas; defende a ordem legal, o que está escrito.

É no mínimo contraditório um deputado federal (o 03) reivindicar para si a alcunha de conservador, e mesmo assim apoiar o ministro da Justiça, que estripou a ordem legal, fazendo dos códigos que sustentam a República brasileira, um mero amontoado de letras mortas.

Dias atrás, no estado do Roraima, uma minuta mandava recolher diversos títulos de livros consagrados no Brasil (e no mundo), por alguém, da secretaria de Educação do dito estado, entender que se tratava de obras inadequadas para crianças e adolescentes.

A lista dos livros indesejados trazia nomes da envergadura de: Euclides da Cunha, Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Caio Fernando Abreu, Mário de Andrade, Fernando Gullar, Aurélio Buarque de Holanda, Rubem Fonseca, Sônia Rodrigues, Nelson Rodrigues, Rosa Manda Strausz, Carlos Heitor Cony, Franz Kafka.

Por sorte (e devido à repercussão negativa), o intento foi cancelado, mas não deixa de ser mais uma tentativa clara de censura aos livros no Brasil do século XXI.

Para não dizer que não falei das flores (como bem cantou Geraldo Vandré), o presidente do Brasil (sempre ele), mandou fazer uma adequação na Biblioteca do Palácio do Planalto, visando à acomodação da primeira dama em um espaço onde ela poderia prestar auxílio ao povo brasileiro.

Diante da ordem presidencial, diversos livros da Biblioteca da Presidência da República (é importante salientar que à biblioteca é da instituição Presidência da República, e não de quem ocupa a cadeira da Presidência da República) foram parar no chão do corredor; isso mesmo, NO CHÃO DO CORREDOR. Livros de valor histórico e que não pertencem a uma pessoa, mas ao Estado Brasileiro, estão empilhados no chão, sem um invólucro especial para obras raras e de valor simbólico elevado.

Ao ser questionado sobre o fato, o presidente (com sua grosseria costumeira) disse que a primeira dama estava fazendo um favor ao Brasil e que nós estávamos nos preocupando com livros. Que ninguém nos ouça: não teria, dentro de um palácio, um espaço de 3 x 5 m2 para a primeira dama “servir ao Brasil”; é preciso reduzir o espaço da Biblioteca da Presidência da República e lançar os livros aos corredores, para que a esposa do presidente tenha um lugar para “trabalhar”?!

Definitivamente estamos vivendo tempos nebulosos, em que não se sabe quando poderemos ver novamente o sol. Enquanto nos recuperamos de uma notícia louca, estapafúrdia, as brumas da confusão produzem tantas outras notícias que nos deixam atônitos. Embora pareça difícil pensar assim, é necessário continuar acreditando que dias melhores virão; que a tempestade vai acabar e que o sol, mesmo oculto pelas nuvens da ignorância, há de brilhar sobre todos nós um dia.

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