Francisca Cunha, 39 anos, teve que abdicar por alguns anos de seus sonhos, entre eles o de sua formação escolar, para criar e se dedicar à sua família. Ela pôde se casar com quem amava e construir um lar sólido, com raízes de afeto, respeito e cumplicidade.

Mas o desejo de conhecimento, do mundo e da vida, vivia adormecido em seu peito, assim como o encantamento que sentia pelos livros.  A leitura estava em sua história como uma coberta guardada no alto do guarda-roupa, esperando só o momento propício para aquecê-la, encantá-la e despertá-la.

Francisca andava à procura de ajuda para o processo de alfabetização de uma de suas filhas. Buscava alguma instituição que pudesse dar suporte para superação das dificuldades que a menina apresentava na escola. Em suas andanças, descobriu no próprio bairro onde morava a Biblioteca Comunitária Sorriso da Criança, situada em Fortaleza.

Ali tão pertinho dela havia um espaço com atividades diárias de leitura, que fazia a ponte entre os livros e os leitores, que despertava o gosto pela leitura pelo prazer de contar e ouvir histórias.

A rotina de participar das rodas de leitura e de contação de histórias na biblioteca repercutiu positivamente no desenvolvimento da alfabetização de sua filha na escola. Ao acompanhá-la, Francisca se tornou uma frequentadora assídua, que lia com a filha e levava livros para casa.

Em meio aos livros e histórias que durante meses acalentaram mãe e filha, Francisca resolveu retomar seus estudos e sua filha se tornou uma leitora apaixonada. Ambas tiveram suas vidas tocadas pela literatura.

Com muita gana e afinco, a mãe prestou vestibular e está cursando pedagogia. É mais uma guerreira: mulher, mãe e estudante, que resgatou seus sonhos e vai à luta para coloca-los em prática.

A história da Francisca de Fortaleza pode se repetir em muitas outras bibliotecas comunitárias pelo Brasil afora, que oferecem a crianças, jovens e adultos a oportunidade de se conectarem com a leitura literária e tudo que ela proporciona.

A atuação dessas bibliotecas foi desvendada com a pesquisa “Bibliotecas Comunitárias no Brasil: Impacto na formação de leitores” realizada entre janeiro de 2017 e junho de 2018, que coletou dados em 15 estados e o Distrito Federal.

Bibliotecas da Rede de Porto Alegre. Foto: RNBC

O estudo indicou que 86,7% dessas bibliotecas estão localizadas em zonas periféricas de áreas urbanas em regiões de elevados índices de pobreza, violência e exclusão de serviços públicos; 12,6 % delas estão em zonas rurais e apenas; 7% em área ribeirinha; 66,5% das bibliotecas foram criadas por coletivos, grupos de pessoas do território e movimentos sociais.

A pesquisa apontou também que a maioria das bibliotecas comunitárias são criadas e mantidas pela sociedade civil, com o intuito de ampliar o acesso ao livro e à leitura em determinada comunidade, seus frequentadores são atuantes e participam ativamente nos processos de gestão e planejamento das ações.

Outro ponto revelado foi que a prática da leitura compartilhada faz parte da identidade da maioria das bibliotecas pesquisadas.  O fato da maioria desses espaços ter uma gama de atividades regulares de mediação de leitura, de que elas ficam dentro de suas comunidades é um diferencial em relação a outros tipos de bibliotecas, como indica o estudo que teve como amostra 143 bibliotecas, sendo que 92 dessas são integrantes da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC).

Uma das bibliotecas que participou desse estudo foi a Biblioteca Comunitária Sorriso da Criança, que integra a Rede de Leitura Jangada Literária e a RNBC. Atualmente a biblioteca tem um acervo literário de 5 mil livros com títulos diversos para todos os gostos, além de mil leitores cadastrados e com uma média de 150 empréstimos mensais.

A Francisca é uma das leitoras assíduas da biblioteca. Nesse espaço ela teve não apenas um reencontro com o prazer da leitura literária, mas também com os seus sonhos.

As bibliotecas comunitárias espalhadas pelo Brasil, além de  democratizar o acesso ao livro, à literatura, à leitura  e à informação, também são espaços vivos para transformar vidas e instigar sonhos.

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