Como se já não bastasse ter indicado à presidência da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) um conservador monarquista, seguidor de Olavo de Carvalho, o secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, o fez sem consultar ou comunicar uma das principais interessadas na questão: a atual presidente da instituição, Helena Severo.
Mandatária máxima da maior instituição de memória da América Latina desde de 2016, Severo publicou ontem (29) uma carta aberta em que diz ter se sentido desrespeitada por ter tomado conhecimento de sua substituição através da imprensa, “sem qualquer comunicação dos órgãos competentes, como manda o protocolo”.
“Esclareço que entendo perfeitamente que todos os governos têm direito de formar suas equipes de acordo com suas orientações políticas e programáticas. Entretanto, não posso concordar com a forma desrespeitosa com que esse processo de mudança vem sendo conduzido”, diz Severo em sua carta.
Conforme destacamos ontem aqui na Biblioo, quem deve assumir o cargo é Rafael Nogueira, um homem que se apresenta como professor de filosofia, história, teoria política e literatura, além de “aspirante a filósofo e a polímata” (indivíduo que estuda ou que conhece muitas ciências), além de seguidor de Olavo de Carvalho, o guru do governo Bolsonaro.
A Fundação Biblioteca Nacional é responsável pelo gerenciamento da Biblioteca Nacional (BN), instituição centenária, guardiã da memória nacional. O prédio da sede da BN, localizado no Centro do Rio de Janeiro, passa há muito tempo por problemas de infraestrutura, alguns dos quais foram resolvidos pela gestão de Severo, como a reforma da fachada.
Em sua carta aberta, Severo explica que sua gestão acabou de homologar licitações de sete grandes projetos que beneficiam o prédio-sede e o anexo, incluindo-se aí a instalação de um moderno sistema de combate a incêndio. Este sistema de combate a incêndio é uma das principais demandas da instituição em virtude do valor das obras que abriga.
“A Instituição encontra-se num momento virtuoso, de consolidação e incremento de seus projetos, como a ampliação da BN Digital (5,5 milhões de acessos por mês) e dos programas de bolsas de pesquisa, a programação de exposições para o próximo ano, círculos de conferências, criação de novas brasilianas digitais, entre outros”, se orgulha.
O Ministério da Cidadania promete encaminhar R$ 21,1 milhões à Biblioteca Nacional pelo Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), que é um fundo de natureza contábil, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ele foi criado em 1988 para gerir os recursos procedentes das multas e condenações judiciais e danos ao consumidor, entre outros.
A ideia é aplicar parte desses recursos na instalação do sistema de combate a incêndio na sede da instituição. O projeto, já aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Corpo de Bombeiros, é fundamental para garantir a segurança da edificação, do acervo e dos cerca de 300 funcionários, além dos visitantes.
Além disso, a maior parte da verba deve ir para a recuperação do prédio anexo, na região portuária. Com a reforma, a estrutura poderá armazenar parte do patrimônio da Biblioteca Nacional – estimado em mais de dez milhões de exemplares, entre documentações, cartografia, iconografia e, é claro, toda a literatura nacional.
Abaixo a íntegra da carta de Helena Severo, que também foi assinada pela diretora executiva da Fundação, a historiadora Maria Eduarda Marques, que também colocou seu cargo à disposição:
Carta aberta
Servidora de carreira da União há aproximadamente 30 anos, exerci, neste período, as funções de Secretária Municipal e Estadual de Cultura do Rio, presidente da Fundação Theatro Municipal, diretora do Museu da República e presidente da FUNARJ.
Foi, portanto, com grande honra e alegria que assumi, em 2016, a presidência da Biblioteca Nacional, considerada a oitava maior biblioteca do mundo. Com servidores da Casa, formamos, com base em critérios meritocráticos, uma diretoria de grande competência, que alcançou relevantes realizações, a começar pela reforma das fachadas do prédio histórico, que se encontravam encobertas por tapumes há mais de sete anos. Na mesma linha de obras, acabamos de homologar licitações de sete grandes projetos que beneficiam o prédio-sede e o anexo, incluindo-se aí a instalação de um moderno sistema de combate a incêndio.
A Instituição encontra-se num momento virtuoso, de consolidação e incremento de seus projetos, como a ampliação da BN Digital (5,5 milhões de acessos por mês) e dos programas de bolsas de pesquisa, a programação de exposições para o próximo ano, círculos de conferências, criação de novas brasilianas digitais, entre outros.
Foi para mim motivo de perplexidade, ter tomado conhecimento de minha substituição através da imprensa, sem qualquer comunicação dos órgãos competentes, como manda o protocolo. Esclareço que entendo perfeitamente que todos os governos têm direito de formar suas equipes de acordo com suas orientações políticas e programáticas. Entretanto, não posso concordar com a forma desrespeitosa com que esse processo de mudança vem sendo conduzido. Fato que fica claro no trato dispensado a mim, à minha equipe e, principalmente, a esta instituição bicentenária da relevância da Biblioteca Nacional.
Desnecessário dizer que, diante de tudo, coloco imediatamente meu cargo à disposição, no que sou seguida por minha Diretora Executiva, historiadora doutora Maria Eduarda Marques.
Faço votos que a Biblioteca Nacional seja regida com o respeito e a dignidade que merece.
Helena Severo
Maria Eduarda Marques