A campanha “Sou a favor do porte de livros, pois, a melhor arma para salvar o cidadão é a educação” deu-se frente à proposta de flexibilização da posse de armas, feita e assinada via decreto pelo atual presidente Jair Messias Bolsonaro.
Muitos bibliotecários aderiram à campanha e foram votar segurando um livro e, posteriormente, doando o mesmo a alguma biblioteca ou não. Muitos profissionais, por outro lado, não aderiram à campanha pelo fato de ser a favor da flexibilização da posse ou porque não queriam aderir a uma “campanha” de um partido de esquerda. Eu particularmente não vejo a campanha como de direita ou de esquerda, mais uma questão de bom senso.
Fica uma reflexão aos nobres colegas: por que deveríamos aderir à campanha do porte de livros e não a da posse de armas? Para mim é bem claro o papel da leitura e do livro na vida de qualquer pessoa A leitura amplia a visão de mundo do leitor, estimula a buscar novos conhecimentos, alarga seu vocabulário etc.
Além disso, essa prática contribui para a formação do senso crítico e ajuda no processo emancipatório do sujeito, no qual ele pode desempenhar de maneira ativa a sua cidadania. Quem não os tem, fica marginalizado ou excluído da vida em sociedade. A leitura nos possibilita a percepção e compreensão das relações existentes no mundo.
“A leitura de mundo procede a leitura da palavra” – Paulo Freire
Negar o papel da leitura é o mesmo que negar o nosso papel como mediadores ou profissionais da informação e da educação. Negar o papel da leitura também é negar todas as frases de efeitos compartilhadas no dia do bibliotecário, bem como reafirmar uma profissão extremamente técnica, preocupada com o livro na estante e não na mão usuário. Negar o papel da leitura é não acreditar no papel desempenhando pela biblioteca no âmbito escolar.
“O bibliotecário não tem futuro! O bibliotecário é o futuro” – Carminda Nogueira de Castro Ferreira
Claro que você pode ser a favor da flexibilização da posse de arma e também do porte de livros, mas acho que temos que deixar claro para quê serve a arma. A arma existe para dois propósitos: intimidar e matar. Você pode usar a desculpa de que é para garantir a sua segurança, mas no final, só serve para intimidar outras pessoas, até mesmo um companheiro ou companheira de numa relação abusiva.
Obviamente os “bandidos” não seriam intimidados. É só olhar os dados estatísticos de mortes de policiais em 2017: dos 385 policiais assassinados, 91 estavam no horário de serviço e 294 foram mortos fora do horário de trabalho. Vocês acham que um bibliotecário consegue garantir a sua segurança com uma arma? Acho que não.
Armar a população é transferir as obrigações do Estado para cada um de nós, ou sendo mais explícita, não é questão de segurança, mas lobby das indústrias de armas. Por causa do Estatuto do Desarmamento, existem vários decretos e portarias do Ministério da Defesa e do Exército que restringe a compra de armas, munições e outros itens controlados, desta forma dificulta a instalação de empresas de armas no país.
Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6o desta Lei. (Estatuto do Desarmamento – Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003)
Cabe lembrar que no mesmo dia que aconteceu aquele ato covarde em Suzano – SP, o Senador Flávio Bolsonaro (RJ) apresentou um projeto que permite a instalação de fábricas de armas e munições no país. Indústria de armas é lucrativo, já a indústria de livros…
Nós bibliotecários deveriam aproveitar esse destaque que a campanha do porte de livros está tendo e exigir o cumprimento da Lei nº 12.244 de 24 de maio de 2010, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino básico do país, além dos Planos Estaduais e Municipais do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLLBs e PELLLBs), que não existem em vários municípios ou existem, mas não são cumprido.
Livro não matam pessoas, livros transformam vidas. Vamos armar escolas com bibliotecas, vamos cobrar políticas públicas de incentivo à cultura e à educação. Biblioteconomia não se resume a técnica, fazemos parte das ciências humanas. Se somos o futuro, o que estamos esperando?
Para finalizar, uma citação do patrono da educação brasileira, educador e filósofo que defendia a educação crítica como prática da liberdade, Paulo Freire:
“A leitura está associada à manifestação da prática cidadã, constituindo um dos direitos dos indivíduos ter acesso ao livro e à leitura, por conseguinte, pautados nos princípios democráticos, caberá ao Estado e demais instituições sociais fomentar políticas, de modo a desperta a prática da leitura na sociedade.
Esta ‘leitura’ mais crítica da ‘leitura’ anterior menos crítica do mundo possibilitava aos grupos populares, às vezes em posição fatalista em face das injustiças, uma compreensão diferente de sua indigência. É neste sentido que a leitura crítica da realidade, dando- se num processo de alfabetização ou não é associada sobretudo a certas práticas claramente políticas de mobilização e de organização […]” (FREIRE, 2009)