Por João Paulo Charleaux do Nexo

Uma boa parte do que pensamos sobre a política vem das formulações expressas por um cidadão suíço chamado Jean-Jacques Rousseau. Quando usou as palavras “transparência” e “participação” para definir a democracia, há mais de 250 anos, o filósofo não se referia exatamente à disponibilização de dados do governo na internet, ou ao uso de um smartphone para participar de um abaixo-assinado ou para pressionar o voto de um senador da República, deputado ou vereador.

O primeiro “telégrafo falante” só seria inventado quase cem anos depois da publicação do livro “O Contrato Social”, de Rousseau, e os primeiros celulares, pesando mais de 40 quilos, e criados para serem acoplados ao porta-malas dos carros, só começariam a ser aperfeiçoados depois da primeira metade do século 20. Ainda assim, o desenvolvimento de toda essa parafernália – e, principalmente, sua miniaturização e interconectividade – acabou dando impulso renovado ao que Rousseau evocava como ideal democrático nos anos 1700.

Democracia de bolso

O livro “Artefatos digitais para a mobilização da sociedade civil. Perspectivas para o avanço da democracia”, organizado por José Antonio G. de Pinho, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), lançado no dia 6 de junho, na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, traz uma coletânea de oito artigos sobre o tema.

Ao longo de todo o livro, os autores tentam responder se os artefatos digitais são ferramentas para o aperfeiçoamento da democracia. Os textos têm pontos de vista majoritariamente convergentes e possuem como marca o entusiasmo com o que alguns chamariam de democracia 2.0, mesmo que haja ressalvas.

Foco na internet

O livro discute as “novas dimensões e os novos modos de ação política impulsionados pelo uso generalizado de ‘artefatos digitais’ e tecnológicos (internet, redes sociais, celulares, blogs, sites, portais), que exercem forte poder de comando sobre a vida em seu todo e, portanto, sobre a mobilização da sociedade civil e as possibilidades de avanço e de qualificação da democracia”, nas palavras do professor de Teoria Política Marco Aurélio Nogueira, autor do prefácio da edição.

Ele afirma que os autores buscam identificar tentativas de “avançar a democracia através do incremento da transparência, accountability e participação, configurando o que tem sido chamado de ‘democracia digital’”, explorando “as relações entre democracia representativa e democracia digital, a evolução do uso da internet na participação política e na atuação das organizações da sociedade civil, as mudanças nos processos de gestão e o efeito das redes sociais sobre os movimentos coletivos.”

Junho de 2013 como ponto de partida

Um dos eventos mencionados para alavancar o debate é a série de protestos ocorridos em 2013 em todo o Brasil, antes da realização da Copa do Mundo. Diz Marco Aurélio Nogueira:

“Em junho de 2013, a hipermodernidade explodiu nas ruas brasileiras, exibindo seu estilo imprevisível, sua falta de ‘narrativa’ sustentável, sua distância da política instituída, sua adesão às redes e ao uso intensivo das tecnologias de informação e comunicação, sua mobilização e movimentação horizontais”

Nogueira considera que “as vozes da revolta verbalizaram demandas reais, mas também muita intolerância e incompreensão. Disseram muitas coisas, mas não forneceram soluções. Despertaram consciências e tiraram a política da letargia, mas mostraram ter baixo poder de agenda e dificuldades para elaborar uma análise da situação e coordenar os próprios passos políticos. Mesmo assim, seu efeito positivo não pode ser desprezado”.

Pinho, organizador do livro, lembra, entretanto, “a necessidade do movimento transbordar para a mídia tradicional, ser divulgado por esta, questão que ainda se coloca no presente apesar de todo o avanço e ‘independência’ das atuais’ redes”.

Esse diálogo entre o offline e o online, o analógico e o digital, marca vários dos artigos, começando pelo de Ana Cláudia Farranha, da UnB (Universidade de Brasília), que faz uma ponte entre o contratualismo de Rousseau e o uso de ferramentas como o Twitter e o Facebook, para analisar o papel dos artefatos digitais no rumo da política atual.

Nem tudo é internet

No capítulo que analisa “A evolução do uso da internet na participação política de organizações da sociedade civil”, de Jussara Borges e Othon Jambeiro, os autores, acompanham em terreno a experiência de mais de 30 organizações da sociedade civil na Bahia, desde de grupos de defesa do meio ambiente até os que promovem os direitos de pessoas portadoras de deficiências físicas. Eles afirmam que a internet é mais uma “extensão da participação em democracias representativas” do que uma “substituição” da democracia representativa.

Os autores reconhecem que essa é uma “linha de raciocínio diferente” dos pesquisadores que “acreditam inclusive que essa nova tecnologia poderia reviver o sentido político da democracia direta, tornando-se uma ágora digital”. A palavra ágora é de origem grega e se refere ao local de reunião no qual a política era discutida, normalmente ocupando um local central no espaço urbano.

Jussara e Jambeiro explicam que “o mais relevante é a constatação do expressivo uso da internet em todas as formas de participação política” entre as organizações pesquisadas. Eles diferenciam esse uso, entretanto, mostrando que ele é mais forte em atividades como “busca de informações” e na difusão de suas mensagens e pontos de vista na rede, do que na “fiscalização de políticas públicas”, por exemplo. Ou seja: o uso existe, mas é preciso notar os diferentes usos que se faz da ferramenta.

Quem não tem internet também se beneficia

O Nexo perguntou ao cientista político Marco Antônio Teixeira, da FGV – presente no debate do lançamento do livro, em São Paulo – como é possível considerar a internet como uma ferramenta importante da democracia quando pesquisas mostram que metade dos brasileiros não se conectam com frequência à rede.

“Nossa perspectiva é mais de futuro”, ele respondeu. “A tendência é que esses artefatos digitais venham a melhorar a representação, com políticas de transparência e com um conjunto de ferramentas com as quais você mobiliza e pressiona muito rapidamente as autoridades públicas.”

Ele acredita que, embora a ferramenta possa não estar nas mãos de todos, seus benefícios atendem a coletividade de maneira ampla. “Cada vez mais, elas [as autoridades] serão vigiadas, sancionadas e cobradas publicamente. Queira ou não, os artefatos digitais têm conseguido isso.”

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