Por Ana Freitas, da Galileu
Analisamos relatórios e mostramos como a forma com que você interage com o mundo e com a tecnologia vai mudar daqui a duas décadas.
Peço uns segundos de reflexão para o seguinte: o aparelho de telefone que você tem no bolso tem o poder de processamento e a capacidade de armazenamento várias vezes maiores do que o computador gigante que você usava pra entrar no ICQ em 2003. Aliás, o seu celular é mais poderoso do que o computador da NASA que levou o Apollo 11 à Lua.
A velocidade com que a tecnologia avança é observada pela Lei de Moore, uma “profecia” de 1965 do então presidente da Intel, Gordon Moore. A Lei de Moore diz que o número de transistores em um chip dobra a cada 18 meses, e esse padrão se mantém desde então. Em 2001, o inventor e futurista Ray Kurzweil ampliou a teoria de Moore, dizendo que sempre que uma tecnologia encontra um tipo de barreira que interrompe ou desacelera seu desenvolvimento, surge uma outra tecnologia que rompe com essa barreira. Kurzweil acredita que a humanidade deve atingir a singularidade tecnológica em 2045 – asingularidade é o o nome que se dá ao momento em que a civilização atingirá níveis tecnológicos tão rápidos, avançados e que mudarão tão profundamente os paradigmas da sociedade como um todo, que a inteligência artificial vai superar a inteligência humana, e nossa mente limitada de hoje é incapaz de prever exatamente o que isso significará.
A evolução tecnológica, então, não é linear, e não dá pra esperar que nos próximos 20 anos a gente avance tanto quanto nos 20 anos que passaram. Na verdade, o mundo será completamente diferente: levando em conta a projeção de Moore e as análises de Kurzweil, que é um dos mais respeitados futuristas do mundo, em 18 ou 20 anos a tecnologia será centenas de milhares de vezes mais avançadas do que é hoje (dá uma olhada nesse gráfico pra entender a dimensão da coisa). Por isso, é muito difícil prever os paradigmas que serão rompidos nesse período.
Mas há quem esteja tentando – gente que, inclusive, já teve sucesso no passado em palpitar sobre onde estaríamos tecnologicamente nos dias de hoje. O PEW, instituto de pesquisas sobre internet, conversou com especialistas sobre as possibilidades para a internet nos próximos anos. O site Edge.org entrevistou Kevin Kelly, editor da revista Wired e um dos mais respeitados analistas sobre o futuro da tecnologia. E nós vasculhamos o vasto material coletado nessas entrevistas em busca da resposta: quão diferente nossa vida será daqui a 20 anos por causa da evolução tecnológica?
Wearables Você já deve ter ouvido falar dessa categoria de gadgets – que carece de uma tradução adequada em português. O termo se traduz literalmente como “vestíveis” e nele se encaixam aparelhos como o os relógios da Samsung e da Apple, o Glass, do Google, e pulseiras que registram atividades físicas, como Fitbit. De acordo com especialistas, é aí que vamos nos aproximar mais rapidamente dos filmes de ficção científica. Eles vão baratear, se tornar populares e vão incorporar aplicativos de realidade aumentada capazes de mudar nosso cotidiano e a maneira como os recursos tecnológicos se relacionam. Imagine ver a realidade com camadas de dados – visualizar, pelo seus óculos, a distância de onde você está para onde quer ir, com coordenadas ao vivo? As possibilidades para gadgets como esses são bastante amplas.
A escassez de atenção “Nós gastamos quatro, talvez cinco anos estudando e treinando para aprender a ler e escrever, e esse processo de aprendizado afeta as conexões no nosso cérebro. (…) Pode ser que para que aprendamos a gerenciar nossa atenção, a pensar de maneira crítica, (…) toda essa ‘alfabetização tecnológica’, tenhamos que passar anos treinando e estudando. Talvez demande treinamento, estudo”, diz Kevin Kelly, editor da revista Wired. Outros especialistas concordam: atenção e a capacidade de focar-se em algo por um período estendido serão commodities raras, e talvez ainda não saibamos, mas seja necessário estudar e dedicar tempo a adaptar nosso cérebro a esse contexto de hyperlinks e referências cruzadas entre o conteúdo que consumimos sem deixar que isso atrapalhe a concentração e a absorção da informação.
Internet das coisas A internet ainda é, para nós, uma coisa na qual estamos conectados ou não. Ou seja, existem momentos em que estamos na rede e horas em que estamos completamente desconectados. Em 20 anos, a relação entre nós e a rede será parecida com a maneira como lidamos com a eletricidade: ela simplesmente existe e permeia nosso cotidiano. Não falamos sobre, não analisamos seu impacto e assumimos que ela simplesmente esteja ali o tempo. Só notamos que ela existe quando não a temos mais. Da mesma maneira que a eletricidade, espera-se que a internet fique tão barata que se espalhe pelo mundo e chegue inclusive a regiões carentes.
Um dos especialistas disse, anonimamente: “a internet e a humanidade serão uma coisa só, pro bem ou pro mal. A internet das coisas será a inovação mais útil, e a que mais pegará as pessoas de surpresa.” Nos próximos 20 anos, a internet será parte de praticamente todas as coisas que a gente tem e tudo vai se integrar online – da porta da sua frente da sua casa a sua bicicleta, sua câmera fotográfica, sua geladeira, as lâmpadas e a mesa de jantar.
Esqueça a privacidade Se você acha que temos um problema com privacidade, saiba que a maioria dos analistas diz que é um caminho sem volta. E em vez de nos preocuparmos em não sermos monitorados, vamos desistir de brigar pelo impossível e tentar diminuir o impacto dessa nova realidade. Como? Exigindo mais transparência(assim, tendo certeza quem está nos monitorando, quando e porquê) e negociando períodos cegos, um espaço de tempo pra ficar livre da vigília constante.
A tecnologia resolve problemas, mas cria outros A maioria dos nossos problemas hoje é tecnogênico, ou seja, foram criados pela tecnologia”, explica Kevin Kelly. E a maioria dos problemas do futuro, ele diz, serão criados por tecnologias que estamos desenvolvendo hoje. Isso acontece desde os primeiros avanços tecnológicos – quando, por exemplo, o homem desenvolveu um martelo feito de pedra, ele foi usado como ferramenta, pra produzir outras coisas, mas também foi usado para ferir pessoas de maneira mais eficiente. E Kelly diz que usar um martelo para uma coisa ou outra é uma questão de escolha, mas que antes de inventarmos o martelo, essa escolha nem existia. “A tecnologia segue dando meios para que façamos o bem e o mal, e está ampliando as duas possibilidades, mas o fato de que temos uma nova escolha a cada vez é uma coisa boa também.”