Por João Fellet da BBC Brasil
Formada e pós-graduada em duas das melhores universidades americanas, Carolyn Chimeri imaginava que teria uma vida mais confortável que a de seus pais, que jamais foram para a faculdade.
Após completar o ensino superior, porém, ela acumulou uma dívida de US$ 238 mil (R$ 754 mil) e hoje rala para quitar as prestações com um salário de professora, aos 29 anos de idade.
“Eu e meu marido brigamos o tempo todo por dinheiro, pensando em como sobreviver, pagar as contas e viver como pessoas comuns em Nova York”, ela diz à BBC Brasil.
Dívidas como a de Chimeri, que alcançam os seis dígitos, não são incomuns nos Estados Unidos, país onde há poucas universidades gratuitas e cerca de 70% dos estudantes recorrem a empréstimos para custear o ensino superior, segundo o governo americano.
Dados oficiais indicam que a dívida estudantil no país alcançou US$ 1,3 trilhão neste ano – o equivalente a 70% do PIB brasileiro em 2015. Esse montante, segundo o Federal Reserve, o Banco Central Americano, é devido por 43,3 milhões de pessoas.
Já no Brasil a oferta de crédito para estudantes é bem menor e foi reduzida durante a crise: o maior programa federal de financiamento estudantil, o Fies, ofereceu 222 mil linhas de crédito neste ano, que cobrem menos de 10% do total de matrículas anuais em universidades.
Chimeri se endividou pela primeira vez para se formar em história e ciência política na Penn State, universidade pública na Pensilvânia. Nos EUA, mesmo universidades públicas costumam ser pagas, com algumas custando até U$ 40 mil ao ano (em universidades privadas, o valor pode chegar a US$ 70 mil, ou R$ 223 mil).
Após se formar, ela pegou outro empréstimo para um mestrado na Universidade Columbia, em Nova York, acreditando que o diploma lhe garantiria melhores empregos e a chance de quitar o débito com mais rapidez.
Ela diz que seus pais haviam se oferecido para pagar o primeiro empréstimo, mas a crise econômica global complicou a família e fez com que ela assumisse a dívida.
Chimeri foi contratada como professora numa escola pública em Nova York, mas, mesmo pagando parcelas todos os meses, diz que a dívida pouco diminuiu por causa dos juros de 8% ao ano.
Para cortar despesas, mudou-se com o marido para a casa da avó dele e, na melhor das hipóteses, espera quitar os débitos por volta de 2030.
“Não posso comprar uma casa nem começar uma família – sinto que estou parada nos meus 20 e poucos anos”, lamenta.
Ansiedade e depressão
A ONG Student Debt Crisis (crise da dívida estudantil), que tenta reformar o sistema de financiamento estudantil nos EUA, compilou vários depoimentos de ex-alunos com dívidas na casa dos seis dígitos.
Uma advogada recém-formada e desempregada na Califórnia com dívida próxima a US$ 400 mil se diz “ansiosa e deprimida” com a perspectiva de jamais conseguir quitar o valor.
Uma ex-estudante em Montana afirma que, por causa dos juros, o empréstimo de US$ 30 mil que pegou para completar a faculdade em 1993 hoje alcança US$ 300 mil, embora jamais tenha deixado de pagar parcelas.
Diretora da Student Debt Crisis, Natalia Abrams diz à BBC Brasil que algumas pessoas com grandes dívidas ficam devendo pelo resto da vida. Segundo ela, 20% dos americanos com mais de 50 anos têm dívidas estudantis.
Mas ela afirma que os mais vulneráveis não são necessariamente quem deve mais, e que um dos grupos mais afetados são devedores que não conseguem completar a faculdade. Muitos largam o curso para trabalhar e atender a alguma demanda mais urgente, como os custos de um tratamento médico ou de um filho recém-nascido.
Sem o título universitário, não conseguem pleitear maiores salários e deixam de pagar a dívida, ficando impedidos de pegar outros empréstimos.
Abrams diz que os alunos das melhores universidades dos EUA – como Harvard, Stanford e Yale – não costumam ter dívidas muito grandes, já que essas instituições são frequentadas por membros da elite americana (capazes de custeá-las sem empréstimos) e concedem bolsas aos estudantes mais pobres.
Os mais endividados, segundo ela, estudam em universidades que buscam o lucro (“for-profit”). Essas instituições são minoritárias nos EUA, mas vêm se multiplicando e costumam ter avaliações mais baixas que universidades públicas ou sem fins lucrativos.
Para Abrams, o governo federal – responsável pela maior parte do crédito estudantil nos EUA – não deveria cobrar juros sobre esses empréstimos. Hoje os juros, definidos pelo Congresso americano, variam entre 3,76% e 6,31% ao ano.
No Brasil, os juros do Fies são de 6,5% ao ano. O programa brasileiro só é oferecido a famílias com renda de até dois salários mínimos e meio (R$ 2.200).
Abrams defende ainda que sejam ampliados os programas de perdão de dívidas e que todos os americanos possam cursar os dois primeiros anos de faculdade gratuitamente em universidades públicas.
Dívidas como a de Carolyn Chimeri (acima), que alcançam os seis dígitos, não são incomuns nos EUA
A proposta integrava o plano de governo do ex-candidato democrata à presidência Bernie Sanders e foi parcialmente incorporada pela candidata Hillary Clinton. Ela restringiu a oferta de ensino superior gratuito aos estudantes com renda familiar de até US$ 125 mil ao ano.
Dívidas administráveis
O sistema americano de financiamento estudantil tem seus defensores. Em estudo para o Brookings Institution, um centro de pesquisas em Washington, a professora de economia da Universidade de Michigan Susan Dynarski diz que a dívida estudantil tem crescido nos EUA porque vem aumentando o número de estudantes em universidades do país.
Ela afirma que a maior parte das dívidas é administrável e que muitos devem menos de US$ 10 mil.
Para Dynarski, o crédito estudantil corrige uma falha do mercado financeiro, já que bancos privados não concederiam empréstimos garantidos apenas pelos salários futuros do devedor.
Ela diz, porém, que as regras atuais são duras com recém-formados, obrigados a quitar parcelas altas logo que saem da faculdade e quando seus salários ainda estão baixos. Segundo a professora, 28% dos devedores com menos de 21 anos deixam de pagar algumas parcelas.
Dynarski defende que os EUA adotem um modelo semelhante ao do Reino Unido, onde os pagamentos são definidos conforme o salário do devedor e dívidas não quitadas em 30 anos são perdoadas.
Para Carolyn Chimeri, a professora que deve R$ 754 mil, estudantes devem ser melhor orientados antes de contrair empréstimos que afetarão boa parte de suas vidas.
Ela diz que, se soubesse do impacto que a dívida teria em seu dia a dia, provavelmente teria cursado universidades mais baratas.
“É doloroso pensar em como minha geração poderia estar contribuindo com a sociedade não fosse por essa carga enorme”, afirma.