Em nota publicada no site da Libres (Liga Brasileira de Editoras) na última quinta-feira (5), a presidente da instituição, Raquel Menezes, disse que os editais do MEC, pelo qual o governo comprará livros (didáticos e de literatura) para os anos finais do Ensino Fundamental e Educação Infantil, respectivamente, representam um atraso enorme no que diz respeito à diversidade editorial.
“O governo praticamente reconhece que, em vez de bons livros para os alunos da escola pública, ofertará exemplares estanrdardizados e, consequentemente, com menos viço. O setor público, assim, explicita um preconceito contra os mais pobres, que ficam privados da qualidade editorial disponível para os leitores que podem pagar por livros nas livrarias”, criticou Raquel.
Conforme destacou a Biblioo recentemente, a proposta do governo federal de padronizar as obras literárias (pela regra os livros terão que ter um dos três formatos sugeridos: 205 x 275 mm, 270 x 270 mm ou 135 x 205 mm, sendo a capa em papel cartão 250 g e miolo em couchê 80 g) foi muito criticada pelos profissionais da área do livro justamente por empobrecer as obras.
“As regras que exigem a formatação de livros para padrões estabelecidos de antemão pelo governo representam um trabalho adicional que, em si, favorece as grandes editoras. Essa questão já fora fartamente discutida e parcialmente superada por governos anteriores pela adoção de uma série de medidas que foram, agora, simplesmente ignoradas”, disse a presidente da Libres.
Ainda de acordo com Raquel, não apenas os grandes grupos econômicos do setor editorial são favorecidos com os editais, contrariando, segundo ela, o espírito da Constituição de 1988, que prevê o incentivo à ampla concorrência e às empresas de menor porte, como também impõem regras que resultam no oferecimento de livros aos estudantes que mais se assemelham a apostilas, empobrecidos em seus aspectos físicos, o que contribui para afastá-los de um dos elementos centrais do mundo da leitura: a diversidade de formas que o livro pode apresentar.
Em entrevista recente à Biblioo, a editora e membro do Conselho Diretor da FNLIJ, Anna Rennhack, disse que enquadrar as obras nos três formatos trará perdas para os leitores. “Se uma obra com o formato 15,5 cm por 22,5 cm for selecionada, ela terá que se adequar ao formato 13,5 cm por 20,5 cm, com redução significativa de ilustrações, corpo de letra, gráficos”, explicou Rennhack na ocasião.
O MEC, por sua vez, apontou como objetivos do programa o apoio à formação dos acervos das escolas públicas, a ampliação das oportunidades de acesso dos estudantes à literatura de qualidade e a contribuição para o desenvolvimento de competências e habilidades dos estudantes, em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
“Essas são adequações que permitem a produção em larga escala para que o custo fique mais baixo para as editoras. Sem isso, seria impossível fazer esse programa”, disse Wilson Troque, coordenador geral dos Programas do Livro do FNDE, durante a audiência pública realizada no mês passado.
Abaixo a íntegra da nota da presidente da Libres
Rio de Janeiro, 05 de abril de 2018
Prezado Presidente do FNDE,
Senhor Antonio Idilvan de Lima Alencar,
A Liga Brasileira de Editora (LIBRE), representante de mais de 100 editoras brasileiras independentes, vem por meio desta externar sua preocupação com os retrocessos presentes nos editais: EDITAL DE CONVOCAÇÃO PARA O PROCESSO DE INSCRIÇÃO E AVALIAÇÃO DE OBRAS DIDÁTICAS PARA O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO PNLD 2018 e EDITAL DE CONVOCAÇÃO PARA O PROCESSO DE INSCRIÇÃO E AVALIAÇÃO DE OBRAS DIDÁTICAS E LITERÁRIAS PARA O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO E DO MATERIAL DIDÁTICO PNLD 2020. As regras dos editais, na prática, desfavorecem e dificultam a participação de editores independentes, reduzindo a oferta de diversidade para os alunos da rede pública, o que encerra um desrespeito com estes mesmos alunos como leitores e consumidores de livros.
Para entender os problemas dos editais, devemos, inicialmente, considerar que vivemos um tempo de escassez de compras governamentais de livros para a rede pública de ensino, o que impacta profundamente a economia do livro no país. A gritante descontinuidade das ações governamentais na área nos últimos anos fragiliza políticas públicas essenciais num país que ainda enfrenta problemas graves na área da leitura e do letramento.
Além de representar uma retomada tímida e insuficiente dessas compras, os editais trazem problemas de redação que ferem os princípios de formação do leitor. Mais grave que isso é o ataque à igualdade da cadeia do livro. As regras que exigem a formatação de livros para padrões estabelecidos de antemão pelo governo representam um trabalho adicional que, em si, favorece as grandes editoras. Essa questão já fora fartamente discutida e parcialmente superada por governos anteriores pela pela adoção de uma série de medidas que foram, agora, simplesmente ignoradas. Não apenas os grandes grupos econômicos do setor são favorecidos, contrariando o espírito da Constituição de 1988, que prevê o incentivo à ampla concorrência e às empresas de menor porte ‒ as que, sabidamente, empregam proporcionalmente mais trabalhadores ‒, os editais impõem regras que resultam no oferecimento aos estudantes de livros que mais se assemelham a apostilas, empobrecidos em seus aspectos físicos, o que contribui para afastar os estudantes de um dos elementos centrais do mundo da leitura: a diversidade de formas que o livro pode apresentar.
Além disso, não há regras que de fato limitem a participação de grandes grupos editoriais por meio de CNPJs artificiais, criados apenas para vendas governamentais. Pelo contrário, ignorando os avanços do Estado brasileiro no reconhecimento da importância da diversidade cultural e editorial brasileira, tais normas do PNLD estimulam a concentração e a homogeneidade cultural. É como se o governo trocasse uma floresta nativa por uma floresta de eucaliptos, em que a biodiversidade é sufocada pela monocultura.
Explicando historicamente: depois de uma compra em caráter precário em 2003, o MEC passou a adotar regras que favoreciam a participação de pequenas empresas e a valorização da bibliodiversidade. A limitação no número de inscrições de obra por cada editora concorrente indicou aos editores independentes que eles teriam condições reais de ter suas obras realmente avaliadas, sem ser necessário recorrer à pressão de lobistas ou investimentos improdutivos em marketing. Com a ampliação da participação de editoras independentes no processo, limitando a participação das grandes empresas, cresceu a oferta total de livros produzidos em todo o país e a diversidade de projetos editoriais em disputa. Não é preciso ir além para compreender o impacto disso na variedade editorial que se tornou acessível a milhões de estudantes brasileiros.
Nesse sentido, é preciso entender que os editais em questão representam um atraso enorme no que diz respeito à diversidade editorial. O governo praticamente reconhece que, em vez de bons livros para os alunos da escola pública, ofertará exemplares estanrdardizados e, consequentemente, com menos viço. O setor público, assim, explicita um preconceito contra os mais pobres, que ficam privados da qualidade editorial disponível para os leitores que podem pagar por livros nas livrarias. Além disso, as exigências relativas a manuais de leitura são, também, um retrocesso pedagógico em matéria da autonomia que se espera crescentemente dos professores. Em vez de alunos e professores que produzam e troquem conhecimento, o MEC estimula a padronização da leitura de obras literárias.
Desse modo, a Libre acredita que o PNLD deve ser revisto radicalmente, retomando os avanços que o Estado brasileiro construiu a partir de discussões amplas e democráticas com leitores, autores, editores e professores.
Para que a cadeia do livro seja respeitada e incentivada, é preciso que as editoras independentes, que idealizam suas políticas editoriais com maior autonomia, tenham direito a competir em condição de igualdade com os grandes grupos editoriais.
Raquel Menezes
Presidente da Libre no biênio 2018-2019