Se disse mais de uma vez que as políticas para as áreas de livro, leitura e bibliotecas eram prioridades na gestão de Roberto Freire à frente do Ministério da Cultura (MinC). Se isso pudesse ser confirmado (só o tempo iria dizer), a expectativa parece ter se frustrado após sua saída “prematura” da pasta.

Como se sabe, Freire – que estava à frente do MinC desde que Marcelo Calero deixou o posto denunciando membros do governo – resolveu entregar o cargo quando os escândalos envolvendo o nome do presidente Michel Temer vieram à tona na última semana.

“Tendo em vista os últimos acontecimentos e a instabilidade política gerada por fatos que envolvem diretamente a Presidência da República, eu, Roberto João Pereira Freire, decido em caráter irrevogável, renunciar ao cargo de Ministro de Estado da Cultura”, disse ele em sua carta de demissão.

Um dos principais apoiadores do impeachment de Dilma Rousself, Freire orgulha-se de ter articulado o apoio de feiras literárias, criado o Prêmio Monteiro Lobato de Literatura para a Infância e a Juventude, bem como o Prêmio Literário Ferreira Gullar destinado a homenagear o poeta maranhense (morto ano passado) por quem o agora ex-ministro tinha uma admiração pessoal.

E embora Freire tenha destacado seu empenho na reabertura da Biblioteca Demonstrativa de Brasília, fechada desde 2014, o que se viu de fato foi a instalação de uma estrutura de painéis em frente à fachada do prédio, chamado de “envelopamento”, sinalizando, segundo os informes oficiais, a retomada dos trabalhos para a reabertura da unidade, o que se daria até o fim deste ano.

Sob a gestão de Freire foram retomados os trabalhos do Departamento de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB), que estavam em suspenso desde a saída de Juca Ferreira, ministro da Cultura de Dilma. Inclusive com o processo de retomada das atividades do DLLLB o bibliotecário Cristian Brayner (primeiro com esta formação a ocupar o cargo) foi alçado ao posto de diretor, situação na qual ainda permanece, sabe-se lá até quando.

Mas apesar dos compromissos assumidos em relação às áreas de livro, leitura e bibliotecas, uma das principais (se não a principal) polêmicas da gestão de Freire envolveu exatamente os servidores da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) que se sentiram desprestigiados quando este, por meio do DLLLB, anunciou a formação de um grupo de trabalho para pensar a reformulação do depósito legal sem antes consultar os maiores interessados na questão, ou seja, os próprios servidores da FBN.

Deste embate resultou o afastamento da bibliotecária Luciana Grings, que é servidora da FBN, do referido grupo de trabalho, principalmente depois que esta criticou a medida por meio de uma entrevista à Biblioo.

A resposta ao MinC veio através de uma carta de repúdio na qual os servidores criticavam não só o processo de discussões da legislação referente ao depósito legal e à guarda de publicações digitais, mas principalmente a retirada da bibliotecária do grupo de trabalho formado para discutir a questão.

Neste mesmo período os servidores do MinC também divulgaram uma nota criticando o que chamaram de aparelhamento do Ministério e ao desmonte das políticas culturais. De acordo com o documento, haveria um claro processo de comprometimento de ocupação dos cargos iniciado pela gestão do ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero.

“A atual gestão do Ministério optou por não dar continuidade a procedimentos de seleção por critérios que sejam publicamente conhecidos. O único critério que parece ter sido adotado é o de pertencer ao partido do ministro”, dizia o documento.

Uma reportagem publicada também na época pelo portal Fórum mostrava que dezenas de derrotados do PPS, partido de Roberto Freire, nas últimas eleições haviam ganho cargos no Ministério. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do MinC respondeu naquele momento que a escolha dos nomes para a equipe se dava por “critérios republicanos”.

Ainda no campo das polêmicas, Freire se envolveu em um imbróglio com o escritor Raduan Nassar durante entrega do Prêmio Camões 2016. Na ocasião o escritor paulista fez duras críticas ao governo Temer, despertando a reação do ministro, que abandonou o discurso ensaiado para rebatê-lo.

Dentre as dúvidas que pairam ante a saída de Freire do MinC é se a tão alardeada internacionalização da literatura brasileira terá continuidade em uma próxima gestão ou se ela ficará apenas no papel, como muitos outros projetos nas áreas do livro, leitura e bibliotecas têm ficado nos últimos anos no Brasil.

No que se refere a universalização das bibliotecas públicas no Brasil, a gestão de Freire foi igualmente incompetente, pois sequer conseguiu restabelecer ao Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) o seu protagonismo nesta seara. O país continua aguardando o dia em que verá pelo menos uma biblioteca bem estruturada e com profissionais qualificados e competentes (incluindo bibliotecários) em cada um dos seus municípios.

Enfim, se mesmo diante dos compromissos assumidos esses setores não avançaram quanto deveriam (o que não poderia ser diferente em um governo ilegítimo como o de Temer), imagine agora em um cenário de instabilidade política na qual o país mergulha. Só o tempo dirá sobre nossa Cultura, especialmente no que se refere às áreas do livro, leitura e bibliotecas.

*Este post foi atualizado no dia 28 de maio para acrescentar informações

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