Catia Lindemann estava trabalhando na biblioteca da Penitenciária Estadual, localizada no município de Rio Grande, quando a tropa de choque da polícia militar (PM) resolveu invadir de surpresa o local. Como a biblioteca, localizada no centro da prisão, era na verdade uma cela desativada, a então estudante de biblioteconomia ficou literalmente presa quando os agentes decidiram trancar a porta de chumbo por fora sem antes avisar a ela. “Naquele dia senti de verdade o que era estar presa de fato. Ficamos em silêncio total, eu e os autores nas estantes”, desabafa.

O episódio é apenas um dos vários vividos por Catia à frente do “Projeto Janela Literária”, que ela, por convicção e insistência, conseguiu que fosse aprovado tanto pela administração penitenciária, como pela juíza da Vara de Execução Criminal da cidade onde morava. A faculdade de biblioteconomia da qual era aluna, antes refratária à ideia, só aderiu ao projeto depois que, com a cara e a coragem, a estudante fez as coisas acontecerem, inclusive com o auxílio do então ministro da Educação, Aluísio Mercadante, para quem ela escreveu pedindo ajuda.

O projeto, iniciado em 2012, tornou-se extensão na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), de onde Catia sairia bibliotecária em 2014. Mas embora o desenvolvimento do mesmo tenha se dado na biblioteconomia, a idealizadora do projeto ressalta que o mesmo só saiu do papel por que a sociologia lhe deu ouvidos e acreditou em suas ideias. “Em pouco tempo o projeto tornou-se pauta na mídia, entrevistas, matérias e deste modo, pasmem, a biblioteconomia da minha escola de formação passou a acreditar no projeto, disponibilizando inclusive bolsas para os alunos interessados em trabalhar na biblioteca prisional”, lembra.

Além de bibliotecária formada pela FURG e autora do Projeto Janela Literária, Catia Lindemann tornou-se uma “ativista de biblioteconomia social”, com atuação em bibliotecas prisionais e mediação da leitura para populações socialmente vulneráveis. Seu projeto além de contribuir para a ressocialização de presos, também tem transformando apenados em autores de obras literárias. Recentemente ela assumiu a presidência da Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais (CBBP) da FEBAB. Nesta entrevista ela fala das ações e das dificuldades à frente da iniciativa.

Como tem se dado sua atuação nas bibliotecas carcerárias? Conte um pouco da sua experiência?

Eu fiz o caminho inverso, pois foi a cadeia que me levou para a biblioteconomia, literalmente. Meu mundo era o das artes (esculturas em espuma) e deste modo conheci o cárcere, confeccionando material para uma peça de teatro dentro da prisão. Fiquei encantada ao comprovar apenados envolvidos em projetos culturais e indaguei de que modo eles tinham acesso aos livros para compreenderem a fala que estavam decorando. Foi então que me disseram que eles simplesmente “não tinham”, pois não havia biblioteca naquela instituição penal, a Penitenciária Estadual do Rio Grande (PERG), a maior do interior do estado. Foi ai que busquei o respaldo legal sobre a presença de bibliotecas prisionais e constatei que havia inclusive uma lei que torna obrigatória a presença de bibliotecas em toda e qualquer prisão (Lei de Execuções Panais – LEP – nº 7.210, de 11 de julho de 1984). Não pensei duas vezes e troquei o meu curso de artes visuais pela biblioteconomia.

Cheguei à minha escola de formação com a ideia fixa de montar uma biblioteca na prisão, pois embora sendo uma obrigação do Estado e já que nada consegui ao cobrar isso do governo, imaginei que a área que trata das bibliotecas haveria de me ajudar. Ledo engano! Nem posso dizer que fechavam as portas pra mim, porque em verdade eles sequer abriam. Bastava eu mencionar a palavra “prisão” e pronto, eu os afugentava. Neste momento eu comprovei que o preconceito para com o cárcere não está apenas no senso comum, nas pessoas que não leem sobre o assunto, que apregoam aquele velho jargão do “bandido bom é bandido morto”. Não, na academia a falácia impera, na hora de colocar em pratica o discurso, se mostram tão preconceituosos quando a sociedade fora muros acadêmicos. Até que a sociologia me deu ouvidos e acreditou no meu projeto.

Catia Lindemann começou primeiro pela biblioteca e depois foi fazer biblioteconomia. Foto: arquivo pessoal

Deste modo, sem um único centavo governamental, sem apoio de verba alguma conseguimos o aval da administração penitenciária e também da juíza da Vara de Execução Criminal da cidade [de Rio Grande, município localizado no Sul do Rio Grande do Sul] para então implantar a biblioteca atrás das grades. Tudo que nos foi dado era um espaço vazio, uma cela desativada. O carro que nos levava para a penitenciária era o do meu pai, combustível do nosso bolso, material idem. As estantes e demais mobiliário eu pedi publicamente nas redes sociais. Os livros a comunidade doou e grande parte o banco de livros a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul nos ofertou. Inauguramos com a cara e a coragem, os apenados lixaram e pintaram as estantes velhas e enferrujadas que ganhamos. Eles sabiam que tudo era em função deles e o pertencimento com relação a biblioteca passou a fazer parte deles.

Por outro lado, me angustiava não ter dinheiro para material básico de classificação, por exemplo. Tudo era por nossa conta.  Até que, com a maior cara de pau, mandei um e-mail para o então Ministro da Educação, Aloizio Mercadante, falando do projeto e das dificuldades para obter apoio e recursos. Para minha surpresa, dois dias depois ele respondeu. Foi assim que o projeto tornou-se extensão na Universidade [Federal do Rio Grande – FURG] e só ai, depois de um longo ano com assinaturas burocráticas, tínhamos o “Projeto Janela Literária” (ressalto que o nome foi criado por mim e patenteado com registro). Em pouco tempo o projeto tornou-se pauta na mídia, entrevistas, matérias e deste modo, pasmem, a biblioteconomia da minha escola de formação passou a acreditar no projeto, disponibilizando inclusive bolsas para os alunos interessados em trabalhar na biblioteca prisional. Infelizmente, alguns não duravam nem uma semana.

Bastava ouvir o barulho da bola quicando mais forte, no pátio onde os presos se exercitavam e, pronto, já julgavam ser alguma rebelião e no dia seguinte nem voltavam. Bem, foram longos cinco anos com muitas, mas muitas histórias para contar. Situações inusitadas, a técnica bibliotecária sendo reinventada, replanejada e até criada lá dentro, pois o cárcere possuí especificidades únicas. Vocês podem até ler algo sobre isso neste capítulo do livro “Ideias Emergentes em Biblioteconomia”, em que contraponho as cinco Leis de Ranganathan dentro da biblioteca prisional.  Segui meu trabalho mesmo pós formada, ai voltei a não ganhar nada novamente, pois já não tinha mais vinculo institucional com a Universidade. Até que ano passado trocaram a direção da Instituição Penal e fui literalmente impedida de entrar na biblioteca. Os presos acenavam do alto das janelas, por entre as grades, sacudiam os livros nas mãos gritando: “Cadê os livros?”… “Hoje é dia de devolver”… “Por que a senhora tá indo embora?”… Eu não tinha como responde-los, não dava para ficar gritando e nem me era permitido. Apenas os olhei, fiquei inerte por alguns segundos e passou um filme na minha cabeça.

Lembrei de tudo que lutei para levar a biblioteca ao cárcere e depois ser impedida de entrar no local que eu mesma construí. Lembrei daquela canção do Zé Ramalho, Cidadão, e foi como me senti, parafraseando, foi do tipo: “tá vendo aquela biblioteca moço, ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição… Hoje depois dela pronta me vem um cidadão e me diz que não posso entrar…”. A explicação foi uma só, taxativa e reta: “você não pode ficar aqui porque não é funcionária do estado e tão pouco como voluntária, pois a Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE) não contempla a presença de bibliotecário nas penitenciárias”.

Mas não desisti e sigo brigando aqui fora para poder voltar a reabrir a biblioteca, que hoje permanece fechada aos presos. Enquanto não consigo isso, trabalho, sem ganhar um só centavo, pelos presos aqui fora. Foi deste modo que consegui pegar toda a produção literária dos apenados, resultados pós-formação de leitores com eles e transformei em livro. Levei, depois de muito batalhar, preso até a capital [Porto Alegre] para autografar a sua obra na presença do atual governador do estado. Do cárcere à imortalidade dos livros. Este apenado era do “seguro” (celas em que ficam presos condenados por outros presos) e hoje ele circula livremente pela prisão, é respeitado e admirado. Não porque pertence a alguma facção poderosa ou porque é um preso vip, mas porque ele hoje é um autor. Sua obra faz parte das estantes da biblioteca.

Você poderia nos contar alguma situação que lhe marcou em todos estes anos de atuação com este tipo de bibliotecas?

Eu sempre fui a única que percorria os pavilhões com o carrinho da Biblioteca. Sempre acompanhada por um “preso trabalhador” (conhecidos como presos de confiança da guarda). Ele foi escolhido por ser o mais antigo no sistema e porque não tinha envolvimento com nenhuma facção. São seis pavilhões: quatro masculinos e dois femininos (pasmem, aqui as mulheres cumprem pena junto dos homens, não há presidio feminino). Mas existem as celas do seguro, local em que ficam os presos com HIV, tuberculoso, gays, pedófilos, estupradores e presos perigosos. A cela é um cubículo, ficam em sistema de tranca, não podem transitar junto dos demais, nem na hora de pegar sol, para proteger a própria integridade física deles. O espaço que foi feito para comportar no máximo seis presos, divido em dois triliches, abriga até 14 e mais presos.

Não há grades, apenas uma porta de chumbo e uma “portinhola” (espécie de mini janela) que fica sempre fechada, só é aberta para entrar comida. Até que consegui liberação para que esta portinhola também fosse aberta para que os presos recebessem os livros. A fisionomia dos presos ali é a imagem da degradação humana. Suas faces são amareladas, o mau cheiro é horrível. Olhos que sequer me deram atenção. Precisei ficar em pé por vários meses, ali, direto na porta, lendo em voz alta, apresentando-os aos livros, já que a maioria (quase 99%) jamais havia lido um só livro na vida. Ai aconteceu o que eu intitulei de “efeito dominó”.

Catia Lindemann trabalha na biblioteca do Penitenciária Estadual de Rio Grande, RS. Foto: arquivo pessoal

Observei um preso desenhando ao chão, atrás de um receituário médico. Notei que ele levava jeito e corri na biblioteca, peguei uma obra que se chama “Técnicas de Desenho Manual” e voltei no seguro para entregar pra ele. Mas ele não aceitou ficar com o livro sob alegação de que não “curtia” ler. Fiquei sem ação, pois ele foi áspero comigo, sequer olhou pra mim e tão pouco desejou pegar o livro, deixando-me com a mão estendida segurando a obra pela portinhola. Não pensei duas vezes, joguei a obra ao chão, próximo dele e saí sem olhar para trás. Pedi que o carcereiro fechasse logo a portinhola e não aceitasse pegar o livro de volta. Passaram-se uma semana e na véspera de retornar ao seguro para levar mais livros e pegar os empréstimos, o tal preso mandou um recado pra mim, lá na biblioteca. Ele queria que eu levasse folhas de papel e lápis ou alguma caneta quando eu fosse levar os livros.

Assim o fiz e quando cheguei ao seguro, tão logo abriu-se a portinhola, ele estendeu as mãos na direção do meu rosto. Eu tremi, afinal, o cara havia me tratado mal pacas na semana anterior. Gelei e sem nada dizer, apenas olhei, pela primeira vez, dentro de seus olhos. Foi quando ele me disse: “Não tenha medo, só estou lhe mostrando que já não tremo tanto com as mãos. No livro que a senhora deixou dizia que para desenhar é preciso ter as mãos firmes e toda vez que me vem a “fome da pedra” (crack), eu começo a desenhar sem parar. Veja, eu lhe fiz um desenho, é seu. Será que a senhora poderia me trazer mais livros de desenho?”. Eu simplesmente fiquei sem acreditar no que estava acontecendo e chorei… Sim, as lágrimas escorreram pela face, tentei disfarçar, baixei a cabeça, mas desabei mesmo foi quando outro preso, da mesma cela, me perguntou: “Eu não sei desenhar, mas gosto de escrever. A senhora tem também livro que ensina a gente a gente a fazer poesia?” E assim aconteceu o efeito dominó. Naquela semana, todas as celas do seguro pediram livros e em poucos meses eram os que mais liam dentro do cárcere. Neste local também passou a ser realizado o que os presos chamavam de “Oração do Livro”. Todos os dias alguém das celas pegava um livro e lia determinado trecho em voz alta. Tenho por escrito o relato deles discorrendo sobre como isso acontecia. Eles gostavam de escrever tudo que os livros e a biblioteca estava proporcionando para eles enquanto mudança de rotina, de ocupação do tempo ocioso. E neste caso, eles disseram que era a única hora do dia em que a TV da cela era desligada e o silêncio só era quebrado por quem estava lendo, juntos realizavam então a Oração do Livro.

Para finalizar e sair da prisão de minha cidade, digo-lhes que presos de outros estados me procuram quando saem da prisão. Ficam sabendo de mim pelas redes sociais e me pedem ajuda no que tange a ajuda-los ao retorno à educação. Cito o exemplo de um egresso do sistema penal de Belo Horizonte (MG), que um mês pós liberdade buscou em mim ajuda para realizar o sonho de publicar suas obras escritas no cárcere, dentro da biblioteca e também queria entrar para a Universidade.  Mesmo distante e via Web, fiz tudo que eu podia, realizei matérias com ele e hoje ele é graduando do curso de Letras da UFMG.

Que condições você enfrenta na sua atividade? Você já passou por alguma situação de perigo?

Sim, já fiquei presa dentro da biblioteca em certa feita quando a tropa de choque da PM [polícia militar] invadiu a penitenciária de surpresa. Havia a desconfiança de que agentes estavam facilitando a entrada de armas e drogas. Como falei anteriormente, a biblioteca é uma cela desativada, mas mantem a porta de chumbo e tranca por fora. Foi o que fizeram: chegaram já fechando a porta e fechando por fora. Como a biblioteca fica no centro da prisão, fazendo ligação com todos os pavilhões, não tinha como eu sair e chegar até a entrada da penitenciária porque havia cães por todos os lados. Naquele dia senti de verdade o que era estar presa de fato. Ficamos em silêncio total, eu e os autores nas estantes.

Naquela tarde não tinha o tradicional barulho da bola no pátio, ao lado da biblioteca, apenas gemidos e o latido dos cães. Quando terminaram de “bater grade” (vistoria nas celas), fui retirada da biblioteca. Por outro lado, já passei por situação em que dois indivíduos anunciaram um assalto numa noite de sábado. Do outro lado da rua, um terceiro elemento gritou para que os “manos” atravessassem a rua e me deixassem seguir. Eles xingaram e relutaram, até que o outro pegou uma arma e ordenou em tom de voz mais alto. Eu não entendi nada e segui em frente, pernas bambas, caminhando apressando, até que ouvi o meu nome: “foi mau ai dona Catia, qualquer hora dessas eu volto lá na biblioteca pra pegar livro”. Ai entendi que se tratava de algum leitor do cárcere e eu não sabia se agradecia à Deus por ter me livrado daquela situação ou se ficava triste por comprovar que aquele homem já não segurava mais um livro e sim sua arma dentro do retorno ao mundo do crime.

Como o poder público tem se portado em relação a este tipo de biblioteca aqui no estado do RS?

De modo totalmente apático. Por isso vivo afirmando que não precisamos de novas leis no cárcere e sim que se faça valer as leis que já existem. O Rio Grande do Sul está há 24 anos sem concurso para bibliotecário e sem previsão para ser realizado algum. Como a LEP de [19]84 é bem clara ao afirmar que é obrigatória a presença de bibliotecas no cárcere e para que deste modo possa haver o ensino escolar atrás grades, compreende-se que legalmente qualquer bibliotecário escolar do estado poderia assumir este tipo de biblioteca.

Apenado atuando na biblioteca criada por Catia Lindemann. Foto: arquivo pessoal

Mas os profissionais da informação que temos já estão quase se aposentando e os ainda ativos, sequer tem a menor vontade de atuar em espaços prisionais. Quanto a SUSEPE, o edital deles não contempla a nossa profissão. A lei complementar estadual nº 13.259/2009 diz exatamente quais os cursos superiores estão comtemplados como Técnico Superior Penitenciário (TSP). No site da SUSEPE tem a lei da estrutura de cargos, que são só três: agente penitenciário, técnico superior penitenciário e agente penitenciário administrativo e nenhum bibliotecário.

Qualquer agente penitenciário deve ter curso superior, independente da área, até biblioteconomia. No entanto, ele não poderia atuar como bibliotecário uma vez que estará prestando concurso para “agente penitenciário” e não bibliotecário, pois a função não existe para o sistema penal.

Para que tenhamos bibliotecas prisionais sendo geridas por bibliotecários, teríamos de ter o apoio do Ministério Público (MP), que ingressaria com ação civil pública e pedindo a contração de bibliotecários e a construção das bibliotecas, dando de fato aplicabilidade a lei.

Como você enxerga a atuação (ou falta dela) de bibliotecários nas bibliotecas carcerárias do Brasil em geral e no Rio Grande do Sul em particular? Trata-se de um profissional imprescindível?

A ausência de bibliotecários no sistema penal só comprova como de fato é o sistema penitenciário. Vejam bem, o cidadão comete um delito, é julgado, sentenciado e levado para a prisão. Por que? Exatamente porque transgrediu as regras, burlou a lei. Mas o sistema faz o mesmo com as bibliotecas. Ora, há um lei que torna obrigatória a presença de bibliotecas na cadeia e dentro da lei, elas são caracterizadas no mesmo patamar das escolares, ou seja, o que corrobora também com a presença de bibliotecário à frente delas. Isso existe? Não! E sabe o que eu já ouvi do Sistema? “Livro é luxo para preso”. Pera ai, não interessa o que A ou B acham, o que o estado pensa e sim fazer valer uma lei. Cabe aos apenados divergir de uma certa lei e ficar em liberdade, impunemente sem precisar fugir ou se esconder? Por que o estado pode?

Como tem sido a atuação do CRB local? Existe alguma ação deste órgão em direção a estas bibliotecas?

Há até pouco tempo o CRB/10 desconhecia a LEP de 1984. Cheguei a debater sobre o assunto com o nosso presidente em um grupo de profissionais da área, na rede social. Ele achou que a única lei existente era a que havia sido sancionada pela então presidente Dilma, lei n° 13.163, de 10 setembro de 2015, quando em verdade ela apenas modifica a Lei de Execução Penal (7.210/1984) e prevê a implantação nos presídios do ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio, cumprindo assim o preceito constitucional de universalização. Com a nova lei, a União, estados, municípios e o Distrito Federal terão de incluir em seus programas de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino, o atendimento aos presos.

O censo penitenciário passará a apurar, também em cumprimento da mudança na legislação, o nível de escolaridade dos presos; a existência de cursos nos níveis fundamental e médio e o número de presos e presas atendidos. Além disso, verificará a implementação de cursos profissionais em nível de iniciação ou aperfeiçoamento técnico e o número de presos e presas atendidos; a existência de bibliotecas e as condições de seu acervo seguem dentro da nova lei, mas permanecem também ainda na LEP de 1984, compreendendo que ela foi apenas reimplementada com novos direitos socioeducativos aos apenados.  Portanto, expliquei para ele que nada era tão novo para que o CRB não tivesse ciência e respaldo para fiscalizar a existência das bibliotecas nas prisões. E assim o CRB/10 passou a fazer esta fiscalização, foram dez instituições penais fiscalizadas para saber se havia ou não a presença de bibliotecas e quando havia, eles cobravam a presença de um bibliotecário.

Quando fui levar o preso autor para autografar seu livro na capital, ouvi sonoramente da Coordenadoria de Educação da SUSEPE a seguinte afirmação: “O Conselho de Biblioteconomia anda pegando no nosso pé pela ausência de bibliotecários nas bibliotecas. Agora não usamos mais a nomenclatura ‘biblioteca’ e sim ‘espaços de leitura’, assim eles não podem fazer nada.” Entendem o que eu quis dizer quando afirmei na resposta anterior que o próprio sistema transgride as leis?  Afinal, na lei não existe o termo espaço de leitura e sim bibliotecas.

O Conselho não deveria cobrar apenas a presença do bibliotecário, mas primeiro partir da premissa de que é “obrigatório” ter biblioteca e tendo esta, é preciso a presença do profissional formado e capacitado para trabalhar nelas. Ai você ouve do sistema aquela velha desculpa que também ouvimos das bibliotecas escolares: “ah, melhor ter um espaço de leitura sem bibliotecário do que não ter nada.” Pera ai, até quando vamos seguir omissos e corroboradores do que é errado? E assim está tudo como dantes no quartel d’Abrantes.

As pessoas ficam consternadas quando assistem pela tv as notícias lastimáveis sobre as rebeliões nos presídios, massacres. O governo investe na construção de mais muros prisionais, mas sequer investe um só centavo na Educação intramuros do cárcere. As pessoas precisam compreender que punir apenas não adianta, porque é só isso que a prisão faz. Mas como não temos prisão perpétua no Brasil, uma hora os caras saem e ai entra a pergunta que todos nós deveríamos fazer: “como nós, sociedade, desejamos que estes indivíduos retornem ao convívio social na liberdade?”.

Biblioteca prisional não é fábrica de milagres, mas opera milagres sim, ainda que com um ou dois ou mesmo com a possibilidade de um “efeito dominó”. Eu consegui, imagina tantos outros bibliotecários à frente de muitas outras bibliotecas prisionais?! Minhas palavras não são utopias ou devaneios, elas estão embasadas nas leis que já existem, só é preciso dar aplicabilidade. Biblioteca prisional não é assistencialismo, mas direito legal de todo e qualquer apenado.

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