Foi um sucesso de público o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro, da Leitura e da Escrita. Gente conhecida e graúda passou por lá, compartilhando olhares e um certo ar de lamento pelas agruras da área do livro e das bibliotecas!

Também me obriguei a notar alguns tipos esquecidos que, feridos pelo próprio anonimato, teimaram em evocar cargos e um passado inglório, determinados a garantir legitimidade ao próprio discurso. Lembrei da voz serena do meu velho professor de lógica: “Argumentum magister dixit, Cristian”.

Diante da minha cara de flagrante incompreensão, lá vinha ele com a figura do rinoceronte: “Você sabia que o rinoceronte marca o seu território com urina e excrementos, acumulando-os em pilhas que podem atingir um metro de altura? Cada um usa as armas que tem, caro Cristian.” Desde então, considero o rinoceronte a espécie mais parecida com a do homo sapiens.

O fato é que o pequeno Salão Nobre da Câmara estava apinhado. Num frenesi alucinante, deputados e senadores se alternaram no microfone, discursando forte. Em linhas gerais, defenderam a liberdade de expressão e o acesso à informação.

Representantes da sociedade civil trilharam o mesmo percurso, reiterando o importante papel da leitura e das bibliotecas. Após quase três horas de falas e aplausos inflamados, tudo são nos conformes. Suspeito que o “povo do livro” voltou feliz pra casa. E não é pra menos: conseguir reunir 200 parlamentares em torno de uma pauta cultural é uma vitória.

Entretanto, fiquei inquieto com a ausência de duas questões que me parecem nevrálgicas para a proteção efetiva do livro, da leitura e da escrita. A primeira delas é uma agenda clara a respeito desses assuntos.

Afinal de contas, o que significa, na prática, defender o objeto “livro” e as práticas humanas da “leitura” e da “escrita”? Será que a perspectiva de tutela e de luta em torno dessas três figuras é exatamente a mesma para todos aqueles que ocuparam o belíssimo Salão Nobre da Câmara? Suspeito que não.

Talvez um bom método para a empreitada fosse mapear o conjunto de proposições legislativas que tramitam, atualmente, na Câmara e no Senado Federal, bem como as que se encontram arquivadas, pelo menos as da legislatura passada, por imposição do Regimento Interno.

Essa comparação pode auxiliar os parlamentares a compreender, sem passionalidades, o que foi ou o que tem sido considerado importante nesse universo amplo e complexo. A partir desse confronto, se poderia estabelecer, com a ponderação devida, os projetos de lei que merecem maior atenção do Parlamento em função do seu impacto social.

Além disso, escolher uma pauta mínima aumenta, significativamente, sua aprovação nas duas Casas Legislativas. De fato, o livro, a leitura e a escrita, além da censura, têm outro inimigo de peso: a morosidade do próprio Parlamento em aprovar proposições. Embora saibamos que nem toda lei “cola” no Brasil, a efetivação de direitos passa, necessariamente, pelo Congresso Nacional.

E hoje o que presenciamos é um saco cheio de proposições – mais de 90 – tramitando, lentamente, nas Comissões Permanentes daquelas duas Casas. Essa vagareza do Parlamento precisa ser combatida, e uma pauta bem negociada entre os membros da Frente pode ser salutar.

Outra questão não discutida foi a ausência de parlamentares dos chamados “direita” ou “centro”. Vi o deputado Marcelo Calero (PPS-DF), ex-ministro da Cultura, abracei o simpático Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) e saudei o senador Jean Paul Prates (PT-RN). Mas senti falta da professora Dayane Pimentel (PSL-BA), autora de um projeto de lei destinado a melhorar a situação das escolas, incluindo a implantação de bibliotecas.

E onde estava o sargento Isidório (Avante-BA), feroz defensor do papel da leitura na formação moral do povo, que propôs o reconhecimento da Bíblia como Patrimônio Nacional, Cultural e Imaterial do Brasil e da Humanidade?

Também esperava dar um hello para Joice Hasselman (PSL-SP), líder do governo na Câmara. Afinal de contas, enquanto patrona do projeto de lei intitulado “Escola sem Partido”, subscrito por meia dúzia de deputados, ela ressalta que livros didáticos e paradidáticos devem apresentar “aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria”.

Onde se poderia discutir de forma mais adequada a justeza de forma e de conteúdo de coleções bibliográficas que nesta Frente? Engana-se quem acredita ser o livro e a leitura de interesse exclusivo das esquerdas. A leitura e o que gravita em torno dela são objeto de interesse de praticamente todas as legendas do Congresso.

Enfim, temos dois grandes desafios pela frente: garantir maior representatividade política da Frente e, a partir daí, estabelecer uma pauta mínima. E isso se consegue por meio de uma única ferramenta: o convencimento. Fora dele, a palavra se reduz a manifesto, com baixa ou nenhuma eficácia na vida do brasileiro, em especial do mais pobre, impedido de exercer o direito constitucional de consumir cultura, incluindo a cultura dos livros.

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