Em meados de 2008, a professora Dalila (responsável por uma das turmas da 3ª série da Escola Estadual Hermano Ribeiro da Silva) nos passou uma atividade: encontrar um livro para ler. Lembro que na minha casa só tinha aqueles livros de igreja, algumas fichas telefônicas e uns dois guias de rua. Lembro também que minha prima recebeu uns poucos livros nos kits do estado, mas eram inacessíveis por motivos de birra.

Antes mesmo de usar esses argumentos a meu “favor”, a professora Dalila nos trouxe a solução: “A biblioteca da escola está em reforma, mas existem bibliotecas fora da escola, como a biblioteca do CCP (Centro Cultural São Paulo),  e ela funciona aos sábados…”. Eu nem sabia que existiam bibliotecas fora da escola… e nessa hora, a luz das histórias em quadrinho também piscou na minha cabeça.

Como eu já sabia que fim de semana seria impossível ir sem um de meus responsáveis, e o sábado seguinte era a folga do meu pai, cheguei em casa na maior expectativa e determinada a convencê-lo a me levar até lá. E ele topou!

No sábado, período da manhã, fui com meu pai até a biblioteca, que fica em torno de 10 minutos de distância da minha casa. A Associação Comunitária Despertar é uma instituição não governamental, que atua na comunidade a quase 30 anos e tem como missão promover a inclusão social através de cursos profissionalizantes, atividades físicas e também ações culturais.

A portinha da biblioteca era minúscula, e era dividida em dois ambientes: no primeiro ambiente tinham muitos itens digitais: CDs, DVDs, VHSs, e até mesmo algumas fitas de rolo e alguns discos. No segundo ambiente, duas paredes estavam com prateleiras quase até o teto e abarrotadas de livros. Tinha uma estante só de gibi na terceira parede, um balcão com alguns marca páginas (personalizados com informações da Associação e horários de funcionamento da biblioteca), e tinha o livro de registro de empréstimo.

Atrás disso tudo, estava a Leticia, a primeira bibliotecária que conheci. O espaço da biblioteca sempre foi muito pequeno e limitado, por isso ela nem conseguiu sair de trás do balcão, mas de lá mesmo ela foi tão solicita e acolhedora, que já me senti parte daquele lugar, e foi amor à primeira vista!

Eu e meu pai explicamos sobre a atividade da professora Dalila, e logo ela nos indicou onde ficava a parte dos livros infanto-juvenis. Demorei um bom tempo para escolher o livro certo: “O cão e a raposa”. Na hora do empréstimo ela disse que precisava de um comprovante de residência e nossos documentos. Eu e meu pai fomos completamente despreparados e sem nada, mas como a biblioteca era perto, subimos o morro rapidinho, pegamos as coisas e voltamos para fazermos nosso cadastro. Li o livro no mesmo dia e já estava louca para ler o próximo. Mas a folga do meu pai era a cada 15 dias… e tive que esperar.

Durante um bom tempo essa era minha rotina quinzenal: ir à biblioteca e escolher um novo livro. Não demorou muito e comecei a me desafiar, fui parando de ler livros fininhos e cheios de ilustração e comecei a ler livros maiores. Logo comecei a ir sozinha para à biblioteca e com mais frequência, lia mais de um livro por semana. A Leticia também me desafiava com novos temas. Aos poucos nos tornamos amigas, e em uma de nossas conversas ela me falou sobre a biblioteconomia… Agradeço a ela em todos os nossos reencontros!

No terceiro ano do ensino médio e de toda a correria, eu estava perdida sobre a questão da faculdade e o curso que iria cursar, até que surgiu a oportunidade de prestar um concurso para a Fundasp, e, como passei, escolhi trabalhar em uma biblioteca escolar. No ano seguinte, dei início na biblioteconomia, e logo no primeiro semestre eu entendi a diferença das bibliotecas (comunitária, escolar, universitária etc).

No segundo semestre precisamos fazer um trabalho apresentando alguma biblioteca, e eu convenci as meninas do meu grupo a fazermos um trabalho sobre a biblioteca comunitária do meu bairro. Durante a visita técnica para esse trabalho, eu descobri que a Leticia não cuidava mais da biblioteca, mas ainda trabalhava na instituição, e descobri também que a biblioteca tem um nome: Sanae Kato Hasui.

Nesse ano de 2021, em uma das minhas andanças, vi que a parte da biblioteca inteira estava quebrada… Minha reação foi choque e muito choro. Eu realmente achei que a biblioteca tinha sido destruída para construírem outras salas de aula, ou algo menos atrativo, e, mais uma vez, a leitura perderia seu lugar de direito.

Não demorou muito para eu rever a Leticia, e ela mais uma vez acalmou meu coração: “A biblioteca passará por algumas reformas, ficará maior, e o projeto está lindo. Logo a gente reinaugura.”. Alívio! Felicidade! Estamos vencendo! Agora estou à espera da reinauguração da Biblioteca Comunitária Sanae Kato Hasui para finalmente voltar aos empréstimos. Como forma de gratidão, já prometi a mim mesma a fazer algumas doações de livros.

Viva as bibliotecas comunitárias!

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