Houve um tempo em que a censura era prima irmã da ausência de livros e bibliotecas a mão cheia – déficit que ainda carregamos igualmente a mão cheia por estas bandas. Atualmente a censura acontece pelas vias tradicionais mesmo, ou seja, silenciando as possiblidades de circulação de leituras e conversas – além, claro, da profusão de dados produzidos e dispersados por inúmeras fontes, muitas questionáveis, remixado com o baixo índice de letramento da população, que impede a leitura crítica nas entrelinhas dos textos. Destituídas das jornadas de construção de cérebro e comportamento leitor, vamos deixando cada vez mais e mais gente à margem da possibilidade de ler para ler o mundo e fazer dele o melhor lugar para todas as vidas viverem.

Ocorre que a vida pulsa e expande. Afinal, como aprendemos com Darwin, a esterilidade não é a missão da vida.

Numa dessas voltas que a vida dá, aceitei a proposta de realizar alguns encontros de formação com educadoras mediadoras de leitura de Salas de Leitura de escolas públicas em Açailândia, na zona rural do Maranhão. O tema me encantou e motivou desde o início: gestão democrática das Salas de Leitura. Desde que andei o primeiro passo em direção à defesa de universalização de bibliotecas vivas e pulsantes Brasil afora e escolas adentro o fiz movida pela convicção de que saber ler e desenvolver o comportamento leitor para mergulhar no oceano das palavras e emergir com mais conhecimentos para fazer deste planeta o melhor lugar possível para todas as vidas viverem. E como a bibliotecária Geneviève Patte, escolhi os livros e as bibliotecas para atuar em defesa dos humanos direitos.

“Muitos dos que militam em favor de maior justiça social escolheram o livro, a leitura e a biblioteca como meio de dar poder a quem não tem poder, o poder de falar da escrita, a possibilidade de ser ouvido

Escuta foi palavra-chave ao longo dos nossos encontros mediados pela tela – viva a tecnologia que permite humanos encontros planeta adentro. Pensar, planejar e implementar gestão democrática em uma Sala de Leitura/Biblioteca na escola passa por muita escuta de toda a comunidade escolar. Passa por reconhecer sua função social no cotidiano da escola: a gestão democrática da sala de leitura, como ação concreta, é base educativa para a apropriação da palavra que gestará a democracia.

Um fato que precisa ser corrigido com urgência, aliás: embora a escola seja o lugar por excelência de acesso à leitura, pouco ou nenhum tempo é dedicado para ler na escola. Daí a importância de a Sala de Leitura/Biblioteca na escola pensar, junto com professoras(es) e estudantes, circunstâncias promotoras de leitura no tempo escolar também.

Nessa jornada sobre escutas e agendas de leituras tocamos em um tema barulhento: como lidar com temas/livros entendidos como polêmicos. Como diz a bibliotecária e pesquisadora Fabíola Farias, “há livros bons e ruins sobre tudo”. Há temas sensíveis à sociedade que precisam ser tratados, até porque não desaparecerão porque não estão em livros. Ou porque os livros não estão disponíveis em bibliotecas ou salas de leitura. Toda conversa encontra uma boa mediação em um bom livro quando quem medeia é leitora/leitor experiente e comprometida(o). Importante, sempre, ler a obra completa, pois trechos descontextualizados podem gerar interpretações equivocadas. Leitura, conversa e escuta são, sempre, a melhor jornada.

A gente nunca sabe o que semeia com as palavras. Nem por isso deixa de semeá-las. No meu caso, em particular, é porque sequer saberia existir de outra forma. Não se trata de vírus que picou, mas sim de trabalho, estudos e observações que enraizaram a convicção. Saber ler e escrever com gosto e competência é condição para existir em uma sociedade pautada na escrita.

Pois bem! Findos os encontros formativos que conduzi, recebi um presente de Raimunda, uma educadora e mediadora sensacional que trabalha na Sala de Leitura Amaro Pedrosa da Escola Municipal Julieta Quintal de Açailândia, que tive a alegria de conhecer nesta jornada.

Deixo você na companhia das palavras semeadas pela Raimunda:

“A sugestão da leitura das obras da escritora Colleen[1] surgiu no ano passado após uma pesquisa realizada na escola para conhecer o mapa de leitura das escolas de Açailândia. Durante as pesquisas, alunas do 9º. ano citaram que gostariam muito que na Sala de Leitura tivesse os livros da Colleen, principalmente o livro que estava sendo febre no momento, “Assim que Acaba”. Eu tive a curiosidade de comprar os livros “Assim que Acaba” e “Assim que começa”, porque queria saber o porquê de tanto interesse. Li as obras e tomei a decisão de que o livro não serviria para fazer parte do acervo da Sala de Leitura por tratar de assuntos que considerei, digamos, pesados para a idade, pois tratava de sexualidade de forma bem implícita. Porém, as alunas ficaram me instigando sobre essas obras.

Raimunda Campos, mediadora da Sala de Leitura, junto com estudantes e professores participantes.

Durante uma formação com a Christine, através do programa Rotas e Redes literárias, falei destes livros e a Chris me deu segurança para quebrar as barreiras. Ela falou que quando a leitura é bem mediada e orientada não há problema estas obras estarem no contexto escolar, pois é justamente na escola que poderemos orientar as(os) estudantes a terem uma visão de mundo melhor. Observando o contexto em que as(os) estudantes estão inseridas(os), sendo que a maioria dos pais não tem hábito de ler, e que só na escola podem ter acesso à leitura, como mediadora, eu entendi que não deveria impedir os mesmos de terem acesso aos livros, mesmo estes livros sendo considerados proibidos por algumas pessoas no contexto escolar. Comprei os livros novamente, falei com a minha diretora e supervisora e elas deram o aval. Decidimos que faríamos leituras orientadas por mim e pela professora de língua Portuguesa, a Cláudia, que aceitou o desafio.

Numa reunião de pais antes da socialização das leituras comentei que as(os) estudantes do 9º.  ano estavam lendo livros que tratavam de temas polêmicos, com os quais conviviam e que estas leituras seriam acompanhadas pela escola.

Realizamos a leitura dos livros entre março e junho. Combinamos que uma aluna ficaria responsável por viabilizar o rodízio dos livros entre o grupo (composto por 8 meninas e 2 meninos), pois no início tínhamos apenas dois exemplares. Liam em casa ou nos intervalos das aulas. A sede pelas obras da escritora foram aumentando e foram dando dicas de outros títulos da autora. Quando percebi o entusiasmo das alunas pela leitura por prazer, compramos mais títulos. Mesmo tendo iniciado a quebra de paradigmas, sabendo que os temas tratados nos livros aconteciam de fato na realidade das(os) estudantes, tive medo da reação dos pais: como reagiriam diante destas leituras? Os temas abordados nas obras “Assim que Começa”, “Assim que Acaba”, “O lado feio do amor”, “Todas as suas imperfeições” e “As mil partes do meu coração” são: agressão física, agressão psicológica, relacionamento abusivo, abuso sexual, valores familiares, superação, traumas psicológicos, bloqueio emocional, perdão, perdas, luto, problemas familiares, reconciliação.

Partindo deste princípio, contando com a presença da professora Cláudia como mediadora nesta ação, resolvemos que no final das leituras iríamos realizar a socialização deles com todas(os) as(os) estudantes e discutir os temas abordados nos livros. A professora Cláudia realizou uma roda de conversa com as(os) estudantes para definirem os temas que seriam tratados, todos baseados nas leituras. Foram eles: conquista do feminismo no Brasil e linha do tempo, evolução do contexto histórico das mulheres e a Lei Maria da Penha.

Foi gratificante! Houve muita aprendizagem socializada pelas(os) estudantes que leram as obras com suas(seus) colegas de classe: 50 estudantes participaram fazendo perguntas e opinando sobre os temas. Foi muito bacana o envolvimento dos professores convidados. Houve grande recepção sobre os temas; participaram dando opiniões, relatando causos conhecidos, fazendo o link sobre o que os livros tratam e a realidade. As(os) professoras(es) convidadas(os) ajudaram nesta interação. Ao final, outras(os) estudantes agendaram para também terem contato com os livros.

A sala de leitura Amaro Pedrosa da Escola Municipal Julieta Quintal começou a quebrar alguns paradigmas, porém ainda estamos longe do esperado. Ainda tenho receio, porém a escola tem que fazer esta ponte com as leituras consideradas” não adequadas”, pois se a escola não abordar estes temas, as(o)s adolescentes irão à procura destas literaturas e não terão apoio de um adulto para falar sobre a realidade em que vivem.

Seguem alguns depoimentos:

Eu conheci o livro “É Assim Que Acaba” há um tempo, sempre via muita gente falando sobre, mas nunca tinha lido. Quando eu finalmente li o livro ele superou todas as expectativas que eu tinha criado. Claro que eu sabia que o livro era ótimo, mas não sabia que a história iria me prender no nível de eu devorar o livro em dois dias. Durante a leitura do livro eu me emocionei, porque me imaginei no lugar da Lily e de todas as suas experiências traumáticas. Posso dizer que ‘É Assim Que Acaba’ foi uma das leituras que me proporcionaram as experiências mais incríveis em relação a livros que eu já tive!”. (Isabelly)

O primeiro livro que eu li foi ‘O lado feio do amor’. Eu amei esse livro, me senti dentro dele. É incrível. Me identifiquei com a personagem, Elizabeth Tate Colleen. Em certos momentos eu senti raiva, mas é normal. Senti várias emoções diferentes. Amei o final do livro, chorei, fiquei feliz e com raiva. Tudo ao mesmo tempo. A raiva foi porque o livro acabou. Tô ansiosa pra ler de novo.” (Ana Lívia).

’É assim que acaba’ é um livro que aborda temas sensíveis como violência doméstica, abuso sexual e até mesmo suicídio. No meu ponto de vista Lily mostrou como é passar por aquilo, conviver com um agressor e até mesmo como a sociedade pensa sobre aquilo. Ryle, que mostrava ser perfeito, acabou sendo o maior pesadelo de Lily. Bloom mostra também como carregar uma relação tóxica: um homem lindo que nos nossos sonhos todos gostariam de ter até ele mostrar as garras dele. No meu ponto de vista a parte mais impactante pra mim foi quando Atlas finalmente apareceu na história e veio pra mudar a situação. A frase mais importante que eu vi foi: “pode parar de nadar agora, Lily’. Finalmente chegamos à costa”.  Isso nos mostra que em meio a tantas guerras, tanto psicológica quanto física, nunca devemos parar de lutar pelos nossos direitos de mulher, pois um dia vamos vencer na vida e poder descansar. No início eu chorei de raiva porque Lily amava o Ryle e ele mostrou ser muito perfeito, mas por outra parte amei o livro pois mostra a relação entre a Atlas Corrigan e Lily Bloom. Senti várias emoções ao mesmo tempo. Enfim ele é ótimo e tem várias lições.” (Rayanne).”

“É a ignorância e não o conhecimento que destrói o paraíso”[2]

A ideia por trás da censura de forma geral e de livros em particular está bem explicitada pela escritora Olga Tokarczuk:

O mundo ao nosso redor se tornou complexo demais – e em várias dimensões ao mesmo tempo. Uma resposta espontânea, instintiva, para esse estado de coisas é a reação das pessoas apegadas à tradição e conservadoras que enxergam o aumento da complexidade como uma doença, uma verdadeira patologia (…) A saudades do passado perdido atravessa nosso pensamento … surge a ideia da possibilidade de reverter o tempo”. Ocorre que, como conclui: “Não caberíamos naquelas vidas. Não caberíamos no passado – nem os nossos corpos, nem a nossa mente[3]

Não caberíamos todas, todos, todes neste passado. Numa sociedade democrática conservadorismo é opção, jamais imposição. Existir em um mundo complexo pressupõe abertura para a escuta e acolhimento da diversidade. Tarefa complexa que demanda trabalho educacional cotidiano para ampliar percepções e perspectivas. Educar para a sensibilidade é conferir à educação muito mais do que o fim funcionário ao qual fica relevada, entrincheirada e submetida ao atendimento do imediatismo, quase sempre circunscrita à lógica da empregabilidade/trabalhabilidade da repetição. Até porque, para atender aos desafios do ANTROPOCENO[4] temos que desenvolver compreensão e inovação ajustadas para encontrar caminhos de reversão e suspensão dos desastres humanos e ambientais que nosso modo de viver vem causando, da produção ao consumo. Ainda mais em tempos nos quais pautas identitárias são estampadas em toda a sorte de itens disponíveis nas prateleiras físicas e virtuais. Fala-se, digita-se, compra-se e usa-se camisetas, canecas, tapetes, cadernos e que tais e nenhum neurônio é recrutado para pensar soluções concretas para as pautas que ‘consumimos’.

A ideia que move a censura é equivocada. Parte do pressuposto de que tirar o tema dos campos da visão e da audição impedirá que o que quer que seja deixe de existir. Só que não funciona assim. É o caso dos temas abordados nos livros da Colleen Hoover, tão requisitados à Raimunda pelas estudantes.

Ao invés de proscrever os livros, os livros devem ser lidos para promover conversas, embora eu não esteja aqui defendendo o uso funcionário da literatura. Como destaca Perry Nodelman, “A verdadeira inocência não é ignorante. Permanecer inocente, isto é, tentar não fazer o mal, requer conhecimento do mal”. Eu acrescentaria, não ser vítima do mal requer conhecimento sobre sua existência para preparar-se ao longo de uma jornada cuidadosa, onde conversas mediadas pelos livros podem ser boas estratégias, em casa, nas escolas, nas bibliotecas

Não estou aqui divulgando esta iniciativa como exemplo do bem que estes livros podem promover. Não li os livros e, portanto, desconheço sua qualidade literária, inclusive. Sequer estou afirmando que aqui está a possibilidade de constituição de comportamento leitor. Para tatear essa hipótese seria necessária uma observação de médio e longo prazos a partir da oferta de um planejamento intencional de leituras, o que não há neste momento. Fato é que a censura não é o caminho. Fato é que há muita dor na vida que precisa de mediação e é essencial que mediadoras/educadoras de leitura tenham apoio e preparo para mediar as tensões e gritos de socorro. Os livros e as leituras podem também ser esse “lugar” e que melhor lugar que a escola para oferecer essa possibilidade. Mas nada pode parar em pé sem que exista uma pessoa preparada/leitora para oferecer com cuidado e delicadeza essa mediação, como fez Raimunda. Nenhuma mediação é possível pelos livros sem que existam pessoas adultas/educadoras que sejam boas leitoras. E aqui abro um parêntese.

Para escrever este artigo perguntei a algumas grandes leitoras/educadoras amigas de caminhada (Graça, Rosana e Maria Paula) se conheciam a obra de Colleen Hoover e solicitei que indicassem outras obras que tratam de temas semelhantes aos tratados nos livros desta autora (veja no final do artigo). Uma delas, a gigante Rosana Baú, perguntou se eu queria conversar com uma de suas alunas que havia lido as obras da Hoover. Claro que sim e assim conversei com uma jovem que relatou as razões pelas quais sentiu-se afetada pelos livros da autora. Entre as perguntas que fiz perguntei se lia literatura de outras autorias e temas e se lia poesia. Nesse ponto da conversa sua voz ganhou novo tom, diria que de arrebatamento. Ela disse que na abertura de todas as aulas a Rosana lia poesia e junto mergulhavam nos versos. Essa experiência compartilhada a afetou intensamente. Encontrou na tecitura dos poemas a nomeação dos afetos e passou a dialogar consigo mesma seguindo trama semelhante e passou a escrever poesias. Perguntei à Rosana qual poema havia lido na última aula. Compartilho aqui com você.

Escrevendo um currículo
Por Wislawa Szymborska

O que precisa ser feito?

Preencher a ficha de inscrição

e anexar um currículo.

Mesmo que a vida seja longa
o currículo tem que ser curto.

Obrigatória a concisão e seleção dos fatos.

As paisagens são substituídas por endereços,

memórias trêmulas dão lugar a datas inabaláveis.

De todos os seus amores mencione apenas o casamento,

de todos os seus filhos, apenas aqueles que nasceram.

Quem conhece você conta mais do que quem você conhece.

Viagens somente se forem feitas no exterior.

Associações em quê, mas sem por quê.

Honras, mas não como foram conquistadas.

Escreva como se nunca falasse consigo
e se mantivesse à distância.

Passe em silêncio seus cães, gatos, pássaros,

lembranças empoeiradas, amigos e sonhos.

Preço, não o valor,
e o título, não o conteúdo.

O tamanho do sapato, não para onde ele vai,

aquele que você se faz passar.

Acrescente uma foto com a orelha de fora.
O que conta é o seu formato, não o que ouve.
E o que está lá para ser ouvido mesmo?
O ruído das fragmentadoras de papel.

Importante destacar que ao escrever a partir da iniciativa relatada pela Raimunda não estou preconizando biblioterapia nem livros como recursos terapêuticos, pois sequer tenho aprofundamento para esta afirmação. Aliás, nesse campo, o que mais tenho são inquietações.

Ao longo desses mais de vinte anos trabalhando no entorno do que promove o direito ao acesso democrático aos livros e às leituras significativas aprendi, sobretudo com o Percival[5], que não há soluções fáceis e que o começo do equívoco é deixar-se encantar com a ideia de que experiências isoladas com leituras ou mesmo a experiência pessoal podem ser amplamente transferíveis – aliás escrevi um artigo recentemente sobre esse tema intitulado “Os fetiches da leitura”. Autoengano é um dos grandes desserviços à esta causa.

O que quero deixar aqui é a importância da escuta num mundo altamente complexo. E quando se trata de realizar diálogos mediados pela leitura de literatura, também visando enraizar comportamento leitor, é preciso ofertas sistemáticas de formações de aprofundamento para educadoras(es) que têm essa responsabilidade em mãos, pouco importando se os espaços que ocupam chamam sala de aula, sala de casa, sala de leitura ou biblioteca.

Parte da minha intenção com este artigo é dizer da importância em realizar ações formativas em todos os âmbitos, privado e público, de forma consistente e frequente, apoiando educadoras(es), mediadores(as) de Salas de Leitura e bibliotecárias(os) e salas de aula a conhecer e ler obras literárias que tratam temas que são tão sensíveis quanto urgentes. Partilhar e refletir com assertividade e delicadeza meios de fazer frente à censura e buscar caminhos de diálogo com a escola e as famílias para que seja possível construir boas redes de diálogo e cuidado com leituras significativas. Com certeza, se estiverem mais bem preparadas(os), terão muito mais condições de bem e melhor acolher e acomodar temas e reflexões que precisam ser enfrentados para arrancar a raiz das violências e preconceitos que pilham vidas cotidianamente e no comezinho das horas.

Em tempos nos quais a tese de legítima defesa da honra para respaldar feminicídio foi recém derrubada – pasmem que ainda estava em vigor! –, banir a censura e formar comme il faut [6] educadoras(es) para mediar leituras significativas com crianças e jovens e adultos é um compromisso de base, fundamental e urgente, para assegurar direitos humanos e humanos responsáveis pelo cuidado com todas as vidas.

Quando a humanidade deixa-se vencer pelo preconceito e egocentrismo perde-se tempo precioso que poderia e deveria estar à serviço do novo bom e melhor para todas as vidas. Eu realmente não sei o quão perto dessa utopia podemos chegar como espécie tão bem-sucedida biologicamente, a ponto de habitar praticamente todas as regiões do planeta, incluindo as mais inóspitas, e nos aventurar a existir em outros. Dou as mãos ao Drumond e penso que se existe uma mínima possibilidade, passa inequivocamente pelo ambiente educador, está em nós e só será experimentada se vencermos numa “dangerosíssima viagem”,

(…) De si a si mesmo:

Pôr o pé no chão

Do seu coração

Experimentar

Colonizar

Civilizar

Humanizar

O homem

Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas

A perene, insuspeitada alegria

De con-viver[7].

Por uma EDUCAÇÃO ipisis literis da origem da palavra em grego: ex ducere, ex (fora) + ducere (conduzir, levar), libertadora da “caverna de Platão”, que nos possibilite indagar a vida e nos torne menos ilha e mais continente. Para que sejamos menos vítimas de valores sacralizados que põe a vida em risco. Para habitarmos um mundo com menos estereotipias e mais acolhimento à pluralidade com a qual a vida se manifesta. Pela escuta ativa. Pela democratização do acesso à jornada leitora abrangente e significativa Brasil adentro e mundo afora!

EM TEMPO:

  • os livros utilizados nas leituras foram comprados pela Raimunda e pela supervisora com recursos próprios, uma evidência do desabastecimento no qual vivem salas de leitura e bibliotecas na escola públicas. Vale conhecer o Passo a Passo sobre mobilização para obtenção de recursos públicos;
  • Abaixo indicação de outras obras sugeridas por leitoras/especialistas em literatura sobre relações e relacionamentos abusivos

OBRAS DE OUTRAS AUTORIAS COM TEMAS SEMELHANTES

Maria das Graças Monteiro Castro

Graduada em Biblioteconomia com doutorado em educação pela UFMG. Leitora votante da FNLIJ desde 1991.

Crianças, de Maria José Ferrada, editora Pallas

Kramp, de Maria José Ferrada, editora Moinhos

O homem do outdoor, de Maria José Ferrada, editora Moinhos

Clara e o homem da janela, de Maria Tereza Andruetto, editora Ameli

Clarice, de Roger Mello, editora Global

Terra Preta, de Rita Carelli, editora 34

Os afogados, de Maria Tereza Andruetto, editora Solisluna

Lá dentro tem coisa, de Adriana Falcão, editora Salamandra

Rosana Baú

Doutora em literatura, leitora e professora do ensino básico

Sapato de salto, Lygia Bojunga

Estela sem Deus, Jeferson Tenório

Peso do pássaro, Aline Bei

Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, Maya Angelou

Maria Paula

Graduada e licenciada em Letras com Mestrado nos Estudos Comparados das Literaturas de Língua Portuguesa e doutoranda pela USP. Professora de Literaturas africanas e afro-brasileira.

Laços de família, Clarice Lispector

Uma noite muito, muito estrelada, Jimmy Liao

Cartas a uma negra, Françoise Ega

Olhos d’água e Insubmissas lágrimas de mulher, Conceição Evaristo

A disciplina do amor e Seminário dos Ratos, Lígia Fagundes Telles

A casa de bonecas, Henrik Ibsen

Os da minha rua e uma escuridão bonita, Ondjaki

Sejamos todos feministas, Chimamanda Adiche

Quando as cores foram proibidas, Monika Feth

Nori e eu, Sonia Ninomiya e Masanori Ninomiya

Nina, Traci N. Tood

Pequeno Manual Antirracista, Djamila Ribeiro

Carta à minha filha, Maya Angelou

Orlando, Virginia Woolf

Redemoinho em dia quente, Jarid Arraes

Água Funda, Ruth Guimarães

A garota que não se calou, Abi Daré

[1] Colleen Hoover: escritora norte-americana que escreve principalmente romances nos gêneros romântico e ficção

[2] Nodelman, Perry, “Somos mesmo todos os censores?”, pag. 44, Solisluna Editora, edição 2020

[3] Tokarczuk,Olga, “Escrever é muito perigoso”, pág.27, Editora Todavia, edição 2023.

[4] Palavra criada nos anos 1980 pelo biólogo norte-americano Eugene Stoermer e popularizado na década de 2000 por Paul Crutzen , cientista atmosférico holandês e vencedor do Prêmio Nobel de Química de 1995

[5] Luiz Percival Leme Britto

[6] Expressão em francês que significa ‘como deve ser’

[7] O homem; as viagens

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