Em fevereiro de 2023, o Brasil civilizado chocou-se com a descoberta de que vinícolas gaúchas mantinham trabalhadores em regime de trabalho análogo à escravidão. Tanto pior, também viralizou a notícia de que trabalhadores oriundos de outros estados, sobretudo nordestinos, eram tratados de forma ainda mais subumana. É simbólico imaginarmos que um dos estados que mais recebeu imigrantes europeus pobres para substituir a mão-de-obra escravizada, na passagem para o século XX, ressurja no bojo de um escândalo de escravização contemporânea. A herança escravocrata ainda atingiria outro corpo negro, em terras gaúchas, nos últimos dias.
A bibliotecária Ana Maria Souza, servidora pública estadual concursada, com décadas de experiência profissional em empresas como BR Distribuidora, foi nomeada diretora da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul. O que deveria ser um momento de júbilo e satisfação pela ocupação de um espaço nunca antes ocupado por uma mulher preta transformou-se em uma espécie de cruzada contra a concretização de um ato administrativo legítimo. Da capacidade técnica à naturalidade, a carioca Ana Maria Souza foi milimetricamente escrutinada tamanho incômodo que a sua nomeação causou.
Qualquer pesquisa estatística séria demonstrará que a mulher negra brasileira é ocupante das faixas mais precarizadas da pirâmide social graças à conjunção de diversos fatores excludentes. A ascensão de profissionais como a bibliotecária em questão a espaços de poder faz-se necessária não apenas reparação histórica, mas como a possibilidade de que a população negra detenha as mesmas oportunidades secularmente monopolizadas pela branquitude.
A imagem de uma trabalhadora negra à frente de serviços gerais ou em outras atividades, que apesar de honrosas são considerados menos nobres e de menor capacitação, são normalizadas, mas o desconforto surge quando a sociedade racista é obrigada a se deparar com uma diretora negra da mais importante biblioteca pública do Rio Grande do Sul. Ora, as bibliotecas enquanto locus de acesso à leitura e à informação deveriam ser dos primeiros equipamentos a por em cheque o racismo estrutural. Melhor ainda quando isto começa a ser feito a partir da representatividade inerente à mulher que ocupará a liderança de uma dessas instituições.
O Coletivo Nacional de Bibliotecários e Bibliotecárias Negras divulgou uma petição em apoio à nomeação de Ana Maria Souza destinada a assinaturas daqueles que defendem a causa antirracista. É possível assinar a petição neste link

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