José Almeida Júnior nasceu no Rio Grande do Norte e atualmente vive em Brasília, onde trabalha como defensor público. Em 2017, venceu o Prêmio Sesc de Literatura na categoria romance, o que lhe garantiu publicar o livro Última hora pela Editora Record e se destacar no disputado mercado editorial brasileiro.

Em Última hora, José reconstrói um dos períodos mais importantes da história do país, ao narrar uma das maiores perseguições da imprensa na época, a de Carlos Lacerda, da Tribuna da Imprensa, ao jornal Última Hora, de Samuel Wainer.  Um dos personagens do livro é o escritor e jornalista Nelson Rodrigues, que criou a coluna “A vida como ela é” no Última Hora. Finalista do Prêmio Jabuti, Última hora é um mergulho nos anos 1950.

O Prêmio Sesc possibilitou a José Almeida romper com uma característica marcante do mercado editorial, a concentração regional dos que mais publicam no Brasil. Pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, da Universidade de Brasília (UnB), coordenado pela professora de literatura brasileira, Regina Dalcastagnè, analisou os romances publicados pelas principais editoras brasileiras, em um período de 15 anos (de 1990 a 2004). O resultado impressiona: mais de 60% dos seus autores vivem no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Depois de dois anos de divulgação de Última hora, José Almeida Júnior lançou em junho, pela Faro Editorial, o livro O homem que odiava Machado de Assis.  Neste novo romance histórico, o escritor inventa o personagem Pedro Junqueira, que tem uma rivalidade com o maior escritor da literatura brasileira.

Nesta entrevista para à Biblioo, José Almeida Júnior conversa sobre sua formação como leitor, as pesquisas que realizou na elaboração do romance O homem que odiava Machado de Assis e em como a ideia de instinto de nacionalidade pode ser lida atualmente na literatura brasileira.

Como surgiu a ideia inicial para escrever o romance?

A ideia do romance surgiu quando descobri um ponto obscuro na biografia de Carolina e Machado de Assis. Carolina Novais, com mais de trinta anos e solteira, mudou-se de Portugal para o Brasil na companhia de Artur Napoleão, músico reconhecidamente boêmio. O fato era incomum para a sociedade católica conservadora do século XIX. Posteriormente ela se casou com Machado de Assis, e Artur Napoleão foi um dos padrinhos.

Mas o mistério aumentou quando Artur Napoleão deixou um livro de memórias e declarou que não poderia revelar as circunstâncias em que Carolina havia se mudado do Porto às pressas. Com base nesta lacuna na biografia de Machado, construí um personagem de ficção, Pedro Junqueira, que vivia às turras com Machado. No meu romance, Pedro foi a causa da vinda de Carolina para o Brasil.

Machado mandou queimar as cartas com Carolina antes de morrer, das que se salvaram poderia descrever um trecho que tenha lhe impressionado?

Machado de Assis mandou queimar as cartas com Carolina antes de morrer. Mas se salvaram duas trocadas antes de eles se casarem. Em uma delas, Machado diz que Carolina sofreu, o que levanta mais especulações a respeito de uma desilusão amorosa anterior em Portugal. Eis o trechinho: “Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir e pensar. Como te não amaria eu? Além disso tens para mim um dote que realça os mais: sofreste”.

Ao pesquisar a vida de Machado de Assis algo lhe chamou atenção em relação ao impacto das relações raciais daquela época na vida do escritor?

Machado de Assis viveu o auge e o declínio da cultura do café baseada no trabalho escravo. Ao contrário do que falam alguns críticos, o aspecto racial não passou ao largo da obra machadiana. Machado de Assis não fazia militância aberta contra a escravidão, mas tratava a questão a sua maneira.

Em romances como Helena e Memórias Póstumas de Brás Cubas, o trabalho servil é retratado de maneira sutil. Mas há contos de verdadeira denúncia social, como “Pai contra a mãe” e “O caso de vara”. Nas crônicas, o escritor também fazia colocações incisivas a respeito da escravidão. O próprio Machado de Assis, como mestiço, foi vítima de preconceito racial. Os irmãos de Carolina, por exemplo, não aceitaram o casamento no início pela questão racial.

Como você vê a campanha Machado de Assis Real, que busca adequar as características físicas de Machado de Assis a como ele de fato era, neto de negros que foram escravizados e filho de um homem negro?

A campanha Machado de Assis Real veio num momento muito importante. O Brasil sempre foi racista e tentou esconder essa condição com o mito da democracia racial. Depois de alguns anos de avanços, com reparações históricas, o país começa a retroceder na questão racial. O racista saiu do armário e não tem mais vergonha de manifestar o seu preconceito.

A campanha Machado de Assis Real, além de fazer uma correção histórica, é importante para a questão da representação dos negros. Embora os livros escolares tragam Machado de Assis como um mestiço do Morro do Livramento, poucos o identificam como negro em razão das fotos embranquecidas do escritor.

Capa do livros “O homem que odiava Machado de Assis”, de José Almeida Júnior. Divulgação

Você é um escritor que vive fora do eixo Rio-São Paulo, isso de alguma forma dificulta a divulgação da sua obra? Neste sentido, qual a importância teve um prêmio nacional, como o Prêmio Sesc de Literatura, para sua carreira profissional?

Com certeza, morar fora do eixo Rio-São Paulo dificulta a divulgação da obra. Boa parte da imprensa nacional e dos grandes eventos literários acontecem lá. Mas hoje as redes sociais ajudam bastante na divulgação. Tento usá-las da melhor maneira possível para que as pessoas conheçam o meu trabalho.

O Prêmio Sesc de Literatura também me ajudou a projetar a minha carreira como escritor. Aliás, foi o prêmio que deu o ponta pé inicial na minha carreira, porque não tinha nada publicado e não era conhecido no meio. O Sesc me inseriu no circuito nacional de eventos literários o que me deu uma grande projeção.

Comente um pouco sobre sua formação como leitor. Havia biblioteca na sua casa? O que você leu na juventude que de fato lhe impressionou?

A minha formação como leitor foi com os clássicos da literatura brasileira. Não digo isso em tom de jactância. Na verdade, era o único tipo de literatura a que tinha acesso em Mossoró. Na cidade, não havia livraria e ainda não existia internet. Então os livros que eu lia eram os regionalistas que havia na biblioteca da minha escola e os clássicos do Estadão e da Folha que eu comprava nas lojas de R$ 1,99. Aos poucos, eu fui formando minha biblioteca. Duas leituras me marcaram muito na juventude foram Memórias Póstumas de Brás Cubas e Fogo Morto de José Lins do Rego.

Em um dos seus textos críticos, Machado de Assis reflete sobre um tema que haveria de preocupar a crítica de sua obra: o que faz de um escritor um escritor de seu país. No artigo Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade essa preocupação é evidente. É viável pensar em um instinto de nacionalidade para a literatura brasileira? Este tema, de alguma forma, atravessa a sua obra?

A literatura brasileira, em geral, tem essa preocupação com retratar o Brasil. E não basta trazer a brasilidade como cenário, é preciso retratar as relações sociais e de classe existentes no país. José de Alencar, por exemplo, embora tenha tentado formar uma literatura nacional através do romance histórico e indianista, transporta, em boa parte de sua obra, uma sociedade burguesa europeia bem diferente da realidade brasileira, que foi forjada à base do trabalho escravo.

Machado de Assis talvez tenha sido o primeiro romancista a realmente retratar um instinto de nacionalidade, principalmente quando expõe o paternalismo baseado no favor e no dever de obediência, como bem percebeu Roberto Schwarz. Eu também tento mostrar na minha obra um instinto de nacionalidade, na medida em que eu apresento as relações de classe existentes no Brasil.

Clique aqui e leia três capítulos de O homem que odiava Machado de Assis.

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