Sobre o diagnóstico de que falta aula de história para aqueles que exigem uma intervenção militar, ouso discordar. Durante a leitura do livro Fascismo de Michael Mann (Editora Record, 2008), muitas coisas me chamaram a atenção. O fascismo e os movimentos de ódio, historicamente, cresceram entre a classe média letrada.
Em todos os regimes, com exceção da Hungria, o fascismo encontrou adeptos, sobretudo, entre a população mais abastada que tinha acesso a educação. O que aprendi nesse livro, que me parece essencial nos dias de hoje, é que os movimentos de ódio se baseiam em uma espécie de irracionalismo, tendo como foco um discurso anti-intelectual que desmerece a pesquisa e o conhecimento científico.
O fascismo se apóia na ideia de que as pesquisas são irrelevantes, tal como os pesquisadores. Essas pessoas estão centradas no conceito de que a análise crítica é uma arma da esquerda para enganar e manipular. Fascistas queimam livros, perseguem intelectuais e professores, não por discordam do que eles dizem, mas por discordarem do conhecimento científico – e, em grande escala, por discordarem do conhecimento.
Uma breve volta pelas redes sociais mostra isso, fascista crêem numa espécie de conhecimento autodidata, descolado do processo histórico; um conhecimento intuitivo, encharcado de achismos e propagado por fake news.
É um movimento de manada que atinge aqueles que temem perder os seus privilégios – financeiros – e se vêm atacados em seus conceitos de moral e bons costumes. Basta imaginar que os fascistas vivem de narrativas fictícias de um inimigo poderoso que os ameaça em seus valores; inimigos imaginários que só existem em suas premissas sem fundamento.
Foi assim na Alemanha Nazista com a criação da ideia de que judeus eram os vilões monstruosos que ameaçavam a economia e a pureza alemã; foi assim na guerra fria com o discurso de que os comunistas – aqueles comedores de criancinhas – estavam tramando a tomada do poder para instaurarem uma ditadura sangrenta que acabaria com a família e a ordem burguesa; foi assim no golpe de 64 com a ideia – furada – de que Jango era comunista; é assim nos atuais movimentos xenofóbicos que apontam o dedo para imigrantes sírios, para muçulmanos, para haitianos etc.
Crer que aula de história resolveria o problema dessas pessoas é inocência. O que se mostra de dados concretos a eles sobre violência e perda de direitos é uma propaganda, pois por se acharem superiores aos demais acreditam que a violência era justificada.
Quando se mostra que os regimes de exceção eram assassinos, a tendência é que achem isso normal, pois crêem na violência como forma de resolução de problemas, e nunca acham que essa violência irá atingi-los. Não irá atingi-los, pois são puros, são bons, são cidadãos do bem: e por ser um movimento de mínima empatia com o outro, pouco importa que o fascismo mate, pois nunca crêem que serão vítima do regime.
A escola é fundamental, aulas de história são imprescindíveis, mas existe uma espécie de maldade nessas pessoas tão profunda que dificilmente seriam transformadas por aulas de história. O problema é muito mais amplo, a falência não é da escola, muito menos de uma disciplina em particular – a história, ou a sociologia, ou a filosofia – a falência é da sociedade, do sistema econômico. Falta de aulas de história não criam aberrações desse porte. A situação é muito mais complexa e profunda.
Por ser um movimento de manada, o fascismo nasce nos nichos mais conservadores e ali se alimenta. A situação atual preocupa, com certeza, por termos milhões de desempregados desesperados, prontos para acatarem soluções fascistas – e temos, o que é triste de constatar, uma multidão de pessoas que não sendo de classes abastadas se postam como tal, assumindo o discurso dessa, engrossando o caldo e favorecendo a eclosão do ovo da serpente.
Falta aula de história, falta empatia, falta humanidade, falta solidariedade etc.