Atuar com a comercialização de livros de segunda mão (além de gerar prazer para os apaixonados por esse suporte), pode representar uma alternativa para o desenvolvimento econômico de pequenas cidades. São os chamados Book Town (Cidades Livro) que surgiram primeiramente em pequenas localidades européias e já alcançaram a marca de quase 40 Cidades Livro em diferentes países.

Consiste na concentração de livrarias que tem por meta atuar no segmento da escrita, leitura, edição, eventos literários e produção e comercialização de livros. Para nós, aqui no Brasil, o que tem de mais semelhante são as lojas de sebo que atuam com venda de livros de segunda mão, contudo, geralmente nas grandes cidades e em muitos casos, desarticuladas do ponto de vista geográfico.

A primeira Cidade Livro teve origem em 1961. A genial ideia surgiu com a ação do livreiro Richard Booth, nascido em Hay-on- Wye, localidade rural do País de Gales. Abaixo transcrevo informações biográficas que contam os aspectos que motivaram Booth a realizar a criação de uma Cidade Livro.

“Ele foi educado na Rugby Schoole na Universidade de Oxford, mas temia ver os jovens como ele deixarem sua terra natal e seguirem para a cidade. Um dia pensou uma maneira comercial para salvar a pequena localidade rural em que vivia. Tendo herdado a propriedade Bryn Melyn de seu tio, o major Willie Booth, optou por abriu uma livraria de segunda mão em Hay-on-Wye. Junto com outros homens seguiu para a América para comprar livros em bibliotecas que estavam fechando, enviando em contêineres para Hay-on-Wye. Seu exemplo foi seguido por outros, de modo que até os anos 1970 Hay-on- Wye se tornou internacionalmente conhecida como a ‘Cidade dos Livros’”.

Além de livrarias, anos mais tarde a cidade de Booth ganhou também o Festival Literário Hay-on-Wye que atrai milhares de turistas todos os anos que seguem em busca de obras literárias a preços acessíveis, bem como para prestigiar produtos culturais que a cidade tem a oferecer concentrados em galerias, lojas de antiguidades e de artesanato.

As Cidades Livro ganham o mundo…

Seguindo o conceito criado por Richard Booth que propõe o desenvolvimento rural sustentável por meio da comercialização de livros em pequenas cidades, a ideia se expandiu por vários países.

Nos dias atuais, um organismo internacional foi criado com o objetivo de fomentar o projeto envolvendo as Cidades Livro europeias. Nasceu assim a Organização Internacional das Cidades Livro – IOB. Em um primeiro momento, as cidades envolvidas foram: Bredevoort, (Holanda), Fjaerland (Noruega), Hay-on-Way (País de Gales), Montolieu (França) e Redu (Bélgica). O organismo conta com o apoio do Instituto de Pesquisa Vestlandsforsking, da Noruega e da Universidade de Luton, na Inglaterra.

A função da IOB é entre outras coisas, estimular o interesse do grande público pelas Cidades Livro e, por conseguinte auxiliar na melhoria da qualidade das ações realizadas por meio da troca de conhecimentos e competências visando o fortalecimento da economia rural.  Mas, além dos aspectos econômicos, as propostas tendem a auxiliar na manutenção do patrimônio cultural, histórico e imaterial das localidades.

Existem cerca de 37 cidades estruturadas como Cidades Livro, boa parte não consta no quadro ajustado pela IOB, contudo há outras experiências exitosas em países como os Estados Unidos, Japão, Malásia, Austrália.

A tabela abaixo apresenta uma lista de Cidades Livro existente por indicação de localidade/país e o ano em que foram iniciadas suas atividades operacionais.

Soraia-Magalhães-Book-town-imagem-620x1024-02

Como em todos os seguimentos, no âmbito das Cidades Livro, há casos de grande êxito no empreendimento, mas também de avanços moderados ou até abandono. Um exemplo de um projeto que parece ter sido abandonado ocorreu na cidade de Dalmellington*, na Escócia. Sobre o local, encontrei informações produzidas em 2005 que apontavam que as livrarias foram fechadas e que não haviam sido retiradas as placas que sinalizavam Dalmellington como Cidade Livro, fator que gerava desconfortos para aqueles que seguiam as placas em busca das livrarias.

Há exemplos também de grande êxito, como oque ocorre em Jinbocho, no Japão. Nesta localidade, existem cerca de 200 livrarias, incluindo mais de 130 livrarias de segunda mão, e mais de trinta livreiros em uma pequena área no centro de Tóquio. A diferença é que o empreendimento não está alocado em uma pequena cidade e sim numa grande metrópole. A ideia em Jinbocho, porém antecede a proposta criada por Richard Booth, que fincou os primeiros passos em 1961.

Cidades Livro…Dá pra fazer?

Pequenas cidades que possuam potencialidades sejam por suas belezas naturais, culturais, patrimoniais e outros podem perfeitamente se adequar a proposta, contudo é fundamental investimento e mobilização. As Cidades Livro surgem como possibilidade de desenvolvimento de negócios, haja vista motivar a movimentação de pessoas que seguirão atraídas pelas livrarias e outros serviços.

Os atrativos consistem na demanda por livros de segunda mão e as possibilidades de encontrar títulos e volumes em bom estado e até raros por bons preços. As Cidades Livro se fortalecem à medida que vão surgindo outros investimentos, novas livrarias e revitalização ou remodelação de espaços para atender a acomodação com cafés, pousadas, restaurantes e instalações de cunho cultural como galerias, antiquários, teatros, cinemas.

Visitando Cidade Livro em Mellösa, zona rural da Suécia

No verão europeu de 2012, tive a oportunidade de conhecer à primeira Cidade Livro da Suécia estabelecida em Mellösa. A localidade com cerca de 550 habitantes faz parte da cidade de Flen (distante cerca de 115 km de Estocolmo). Em meio à paisagem bucólica, a chegada a Mellösa é cercada de tranquilidade. Há pouca movimentação nas estradas e as áreas verdes que antecedem o lugarejo se oferecem aos olhos. Em Mellösa, o comércio é restrito, mas o visitante pode contar com o Bysmedjan, bonito e aconchegante Café onde são servidas especialidades suecas em forma de lanches.

 Soraia-Magalhães-Book-town-imagem-02

Fachada de uma das casas que compõe a Cidade Livro (Book town) Mellösa – Foto: Soraia Magalhães

Desta experiência, o ponto alto da passagem por Mellösa foi à possibilidade de conhecer a casa de Barbro Ergetie. Com dois pavimentos, a casa amarela alardeada por jardins oferece por dentro uma grande surpresa. Livros. Livros por todas as partes. Na sala de estar, na sala de jantar, no banheiro, na cozinha, livros, livros, livros. A casa em si, um atrativo turístico.

Book Town 1

Conforme é possível acompanhar nas imagens expostas, Mellösa, além de ser uma Cidade Livro, possui também uma Casa Livros. O mais interessante é que as publicações organizadas nos compartimentos da casa foram selecionadas por tonalidades de cores, fator que contribui para que a decoração se torne mais atrativa.

 Mellösa, Cidade Livros para Crianças

Mellösa possui também um espaço reservado ao público infantil. O local assemelha-se a casa de Pippi Meia Longa (uma das mais amadas personagens do público infantil sueco criado por Astrid Lindgren). Funciona em um espaço pequeno, alegre, colorido e com substancial volume de livros aos cuidados da jovem Yvonne Huth, que por sinal também escreve livros infantis.

Book Town 02

O local mais parece uma brinquedoteca. Além dos livros há bichos de pelúcia, assentos coloridos e área para correr e brincar.

A passagem por Mellösafoi breve. Infelizmente não pude participar de nenhuma agenda envolvendo escritores, palestrantes, músicos, mas soube que as programações ocorrem por meio de apresentações, debates, exposições e palestras.

Cidades Livro no Brasil… Sonho possível?

O meio rural do Brasil vem passando por transformações. O Governo Federal nos últimos anos tem implementado uma série de políticas públicas que objetivam promover melhorias no âmbito da produção agrícola,com ênfase a agricultura familiar e com uma visão ampliada para incorporação de outras atividades econômicas.

O objetivo é promover qualidade de vida gerando oportunidades extensivas à juventude. Neste sentido, ações que fundamentam o projeto Cidades Livro encaixam-se como uma estratégia possível. Afinal é a economia turística que pode ser utilizada como alternativa sustentável de desenvolvimento nas áreas rurais.

O projeto Cidades Livro corresponde a uma oportunidade para que os amantes do livro impresso encontrem sua Meca. Pode representar também uma alternativa econômica que se encaixa numa perspectiva conciliatória entre preservação de recursos naturais e culturais com a valorização do livro físico. Mas para que algo aconteça nesse sentido é preciso arregaçar as mangas. Alguém se habilita?

Para maiores informações, ver:

IOB – Organização Internacional do Livro Cidades

Book Town

Richard Booth

 

Comentários

Comentários