20 centavos

Não se trata de 20 centavos. Se trata de eu e você pagarmos triplicadamente por todas as coisas e simplesmente não enxergar o retorno do investimento.

Nós pagamos o valor do produto/serviço; pagamos os impostos embutidos no valor final desse produto/serviço; pagamos imposto de renda. Não raro, pagamos outros impostos que sustentam a máquina burocrática, estatal e societária. Tal qual a anuidade dos CRBs.

A propósito, você sabe para onde vai o seu dinheiro pago ao CRB? Nem eu.

Não bastasse o fato de não contarmos com mecanismos de transparência e fiscalização sobre o emprego de todo o dinheiro arrecadado, nós não obtemos o retorno qualitativo pelo quantitativo recolhido. Se o governo cobra impostos, e cobra caro, eu deveria ter a contrapartida.

Educação, emprego, saúde, segurança e agricultura, como os cinco dedos da campanha eleitoral de determinado candidato no passado (não importa qual) permanecem insatisfatórios.

Se existe uma coisa que eu acredito é que o Brasil só vai pra frente quando a classe média optar pela desobediência civil privada e parar de pagar planos de saúde e escolas particulares para seus filhos.

Porque em vez de brigar pela contrapartida do gestor das finanças e exigir escola pública de qualidade e saúde pública de qualidade, preferimos pagar para ter a contrapartida qualitativa do serviço privado.

E é por isso, na tentativa de zelar nossos filhos da competição futura com os filhos das classes mais pobres, seja na escala educacional ou nutricional, que optamos por pagar tudo triplicadamente, sem esperar nada em troca.

A mesma lógica se aplica ao transporte público. Se o governo não é capaz de subsidiar o valor da tarifa e ao mesmo tempo oferecer serviço de qualidade, então cobre o valor que queira cobrar, mas deixe de me taxar. Por outro lado, se continuo a pagar bovinamente e sentir na pele a imobilidade da mobilidade urbana, sem exigir a contrapartida, estou sendo conivente e passivo.

A mesma lógica se aplica às bibliotecas públicas. Quando compramos um livro, pagamos o valor da produção desse livro, pagamos os impostos associados ao preço final. Além de pagar outros impostos que de uma forma ou outra serviriam para financiar a manutenção de bibliotecas públicas. Ou seja, em vez de pegarmos o livro emprestado DE GRAÇA nas bibliotecas públicas, preferimos pagar por ele. Em vez de brigar pela biblioteca pública de qualidade, financiada pelos nossos impostos, preferimos nos calar e comprar livros em livrarias virtuais. Nesse sentido, todos nós somos coniventes, omissos e irresponsáveis.

Lembrem-se, a biblioteca pública é um nivelador social. Não exige crachás nas portas de entrada. Não faz diferenciação entre branco, preto, índio, velho, criança, rico, favelado. É um aparelho que reflete a ideologia do Estado, claro. Mas parte da premissa que o filho do pobre tem o mesmo direito de acesso àquele espaço que o filho do rico.

Nosso papel enquanto bibliotecários é cada vez mais brigar para que a biblioteca seja corretamente financiada pelo erário público e trabalhar para que os cidadãos sejam capazes de usufruir seu próprio investimento, uma vez construída essa consciência.

Quando as bibliotecas públicas brasileiras possuírem padrão FIFA, padrão Escandinávia, eu me darei por satisfeito. Continuarei pagando meus tributos. Mas dessa vez, com gosto e razão.

Influência online

Antes de segunda-feira, 17, eu estava com a impressão de que apenas 5% da minha timeline no facebook estavam publicando informações sobre as manifestações. A implicação dessa assimetria é que uma minoria dos usuários está agindo como as principais fontes de informação. Essas pessoas se tornaram uma espécie de autoridade no assunto, trabalhando em conjunto com aqueles que replicam o conteúdo gerado.

Obviamente que o discurso público mudou bastante depois da repressão policial em São Paulo e no Rio de Janeiro (novidade apenas para quem nunca participou de manifestações públicas ou testemunhou a atuação policial nas periferias), mas poucas pessoas no facebook estavam usando sua influência online para se posicionar em relação à movimentação social.

Para essa movimentação social atingir o status de transformação cultural vamos precisar de uma força tarefa mais dedicada e mais disposta a participar da esfera pública. Isso implica estar no facebook monitorando os acontecimentos e descer às ruas para concretizar a organização digital. São princípios diretamente atrelados ao código de ética dos bibliotecários: contribuir, como cidadão e como profissional, para o incessante desenvolvimento da sociedade e dos princípios legais que regem o país.

Art.8º – O Bibliotecário deve interessar-se pelo bem público e, com tal finalidade, contribuir com seus conhecimentos, capacidade e experiência para melhor servir a coletividade.

Então eu sugiro que todos vocês incluam em suas pautas diárias de atualizações do facebook e twitter alguma coisa sobre as manifestações que julguem relevantes. Não importa se são contra ou a favor. Apenas façam.

A maior parte das informações e opiniões sobre as manifestações, que ajudam a moldar meu pensamento sobre o tema e manter atualizado sobre as notícias que não tenho estômago para digerir na tv, são oferecidas a mim através das páginas que curto e perfis de amigos.

Continuem inflamando o sangue que corre nas minhas veias.

Radicalizar

Duas semanas atrás me vi acidentalmente no meio de um protesto nos arredores da Praça Taksim, em Istambul. O que mais impressionou foi que lá, os encurralados eram os policiais. E que os manifestantes possuíam uma clara organização tática no enfrentamento ao choque, além de todo o equipamento de proteção necessário, com máscaras de gás profissionais, óculos protetores, jaquetas de couro e luvas de amianto. Não eram apenas jovens indignados. Eram jovens, adultos, idosos e crianças turcas. Não tive dúvidas que aqueles manifestantes possuíam todas as condições necessárias para mudar seu país. Podiam até sofrer baixas e perder a briga. Mas que estavam prontos para brigar, estavam.

O que vi aqui em meu retorno foi uma repressão policial rápida que inviabilizou uma avaliação sobre a força do movimento. E continuei acreditando que eram apenas poucas vozes que estavam reverberando no facebook. Que no final do confronto, policiais e manifestantes voltavam juntos, no mesmo busão, porque eles nem se deram conta que eram as marionetes da perversidade. Detesto ter que concordar com o Jabor, mas naquele momento, quem estava protestando eram poucos jovens da classe média conectada.

A classe média sempre foi a direção das revoluções culturais, mas se o povão não chegar junto, não há moção capaz de levar adiante, seja no voto, seja na força bruta.

O que eu presenciei segunda, na grande passeata do Rio de Janeiro, além de um agregado de universitários brancos na maioria, foi uma ode à paz. E me expliquem, por favor, a razão disso, porque sou contra. Passeatas desse tipo, pacifistas, estão propondo o que? O movimento social tem que ser mais inteligente. Acreditar que a passagem vai baixar ou o país vai mudar graças ao amor e a paz é pior que roteiro de filme da Xuxa.

Me resta acreditar que o movimento está na sua infância, que não vai arrefecer e que encontrará seus reais propósitos e objetivos.

Mas não venham pedir pra promover paz, quando tudo o que não tive em tempos recentes foi paz: a paz que faltou quando precisei da rede pública de hospitais; a paz que faltou quando fui assaltado a mão armada; a paz que faltou quando os preços dos alimentos subiram no mercado; a paz que faltou quando as instalações prediais da universidade impediram a decência do ensino; a paz que faltou quando descobri que posso quitar um imóvel de dois quartos somente em 43 anos; a paz que faltou quando o emprego virou subemprego e tive que encontrar um segundo; a paz que faltou quando precisei adquirir um carro e atrapalhar o trânsito porque o trânsito no coletivo me impedia de chegar a tempo de trabalhar; a paz que faltou quando fui protestar pacificamente e fui recebido à balas de borracha; a paz que faltou quando eu visitei a biblioteca pública mais próxima de casa e tive vontade de chorar de decepção.

Sou pacifista, mas não tenho sangue de barata. E você?

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