As leituras dos contos de “Eles”, de Vagner Amaro (Malê, 2018), permitem ao público leitor perceber uma riqueza de sutilezas e matizes, em um processo que ocorre nas profundezas da identidade masculina.

Trânsito peregrino e imprevisto, um caminho instigante, tecendo tramas e construindo pontes. Antes que eu pudesse perceber as dimensões da escrita, eu senti os efeitos em minha alma.

Um fluir de personagens pais, avôs, tios, meninos, corpos, dores, vivências acolhidas. Coisas que eu sempre soube, em algum nível muito sutil, começaram a fazer sentido. Desbravei trilhas fechadas e isoladas a longas décadas.

A época do patriarcado está se esgotando. O processo é funcional, está isento da estrita dualidade dentro-fora ou corpo-mente. Reconexões – simplicidade e complexidade dos meandros da existência:

“…Luan convenceu meu pai de irmos andar na areia e quem sabe mergulhar na água gelada. Ele era tão animado! Meu pai sorria para Ele de um jeito calmo, Eles pareciam grandes amigos…. Meu pai, de olhos abertos, parecia dormir de tão parado. Luan não estava mais na casa. Eu me sentia quieto dentro do peito…Meu pai, naquela casa sempre sozinho, e nunca mais aquele sorriso, daquela tarde, o visitou.” (no conto Eles).

O tecido de construção desta  narrativa se faz com leituras de fantasias, realidade, memórias:

“… na mente de Edson, duas grandes telas abriam-se; em uma, a jovem loira que o havia entrevistado; em outra tela, um menino negro, trancado no quarto, escondido de seus pais, imitava passos de balé. Sonhava que faria uso deste treino, no que conseguiria construir como o resto da sua vida.” (no conto Dança).

Há um saber que eu não compreendo. Entrar em contato com isto é perturbador. É um momento de bravas mudanças, mas também de desencontros, submissão, silencioso, privado, perverso:

“…O triângulo Késia-Leandro e o ‘tio’ Joaquim. O amor, o se sentir sem lugar. A praia. A miragem. ‘Socorrer o outro que não estava ali mas povoava sua mente’”. (no conto Miragem )

O afogamento.

Em nossa sociedade, apesar de tudo o que pensamos que já avançamos, há uma urgência em legitimar a unidade interior do indivíduo. As reflexões de “Eles” são configuradas por uma quebra de paradigmas e desvela uma sociedade regida por valores masculinos racionais e mais do que tudo economicamente dirigidos.

O desafio e a qualidade desta produção são ressonâncias internas para um campo de cultivo de sonhos e projetos. Talvez, a partir desta janela que acabamos de abrir, possamos sintonizar um novo tempo de respeito, solidariedade, escuta e essencialmente o amor.

Prazer imenso na leitura!

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