Numa audiência pública realizada recentemente no Rio, na qual se pleiteava a manutenção da Secretaria de Estado de Cultura, extinta que tinha sido pelo governo Pezão, observei que apenas uma das pessoas que discursaram se apresentou como membro de um determinado partido político. Destes e outros episódios conclui haver um certo ressentimentos em relação à identificação com a luta política, como se isso representasse algum pecado.

Na grande mídia, por sua vez, o discurso de desqualificação da política é uma prática sedimentada, tendo fortes reflexos na sociedade que, desavisada, acredita que aquela é uma arena apenas de bandidos e corruptos. Desqualificando a política, a mídia hegemônica se “qualifica” como uma das únicas (se não a única) instância(s) capaz(es) de garantir um padrão mínimo de ética e legalidade numa sociedade descrente dos seus representantes.

Vereadora Sâmia Bomfim (PSOL/SP) participa de ato pelas bibliotecas em São Paulo. Foto: Luciana Santoni / Organização do ato

Uma das consequências diretas desta postura é que muitas pessoas, inclusive as mais instruídas, passam a incorporar este espírito, marginalizando a luta política, se ressentindo, inclusive, de citar suas filiações partidárias e seus alinhamentos ideológicos, como parece ter ocorrido no episódio da audiência pública do Rio. Este fenômeno se verifica em vários seguimentos sociais, inclusive naqueles que por vezes estão empenhados na luta em favor do livro, leitura e bibliotecas, especialmente as públicas.

O que estas pessoas não parecem perceber é que não se faz luta política, sem politizar seus atos, sem ser consequente e, muitas vezes, radicalizar suas ações. Vale destacar que quando me refiro à politização não estou falando necessariamente de incluir nas mobilizações os políticos propriamente ditos, mas sim de não negar o papel destes e de seus partidos (principalmente de suas bases) com vistas aos objetivos que se quer alcançar.

Mas se na politização da luta muitas vezes se faz necessária a incorporação de políticos, partidos e suas bases, também se faz necessário o rechaçamento de alguns políticos, partidos e suas bases como forma de expurgar da luta não só os aproveitadores, mas principalmente de afastar aqueles historicamente alinhados com pautas contrárias aos movimentos sociais e culturais ao qual pretende, por conveniência, se ligar.

Por exemplo, é impossível imaginar que na luta em favor das bibliotecas públicas e da pauta dos livros e da leitura partidos historicamente alinhados ao mercado possam dar alguma contribuição. Vide o exemplo das bibliotecas-parque do Rio, entregues a uma organização social, precarizando a mão de obra de seus trabalhadores, deixando sem assistência seus usuários, viabilizado pelos governos sucessivos do PMDB: primeiro Sérgio Cabral, hoje preso por desviar milhões dos cofres do estado, e depois Pezão, já cassado por uma decisão do TSE.

Outro exemplo é a cidade de São Paulo, governada pelo PSDB de João Dória, o mesmo partido do ex-presidente FHC – responsável por iniciar o maior processo de privatização de instituições públicas vista no Brasil – que pode ver sua rede de bibliotecas nas mãos das já citadas organizações sociais, entregando estes espaços, públicos por excelência, nas mãos da iniciativa privada. Sorte que a Frente que luta pelas bibliotecas da capital paulista já deu provas de sua articulação política, se posicionando de forma muito veemente contra o fazer espúrio do governo local.

Coral com pessoas em situação de rua durante apresentação no ato pelas bibliotecas-parque do Rio. Foto: Jeorgina Rodrigues / APCIS-RJ

No Rio, o movimento pela reabertura e manutenção das bibliotecas-parque, embora aguerrido, parece não ter alcançado o mesmo grau de politização da mobilização de São Paulo. Politizar, como já disse, é assumir não só um discurso mais radical, mais uma ação muito mais consequente, mostrando aos responsáveis pelo desmantelamento das bibliotecas que bibliotecários, usuários e sociedade em geral irão até as últimas instâncias para ver os seus direitos, materializados no espaço e manutenção das bibliotecas públicas, respeitados.

Por fim, mas não menos importante, é fundamental ressaltar que politizar a luta política é qualificar sua organização. Assim, não basta uma boa o operacionalização das atividades (cartazes, camisas, carros de som etc.), que também são importantes, mas não necessariamente fundamentais para o sucesso da empreitada. É preciso se debruçar sobre as condições materiais responsáveis por suscitar a luta. No caso do desmantelamento das bibliotecas públicas, por exemplo, é claro e evidente que este processo está ligado ao quadro agudo de desvalorização do espaço público em detrimento do privado, num claro recado dos governos aos que deles mais precisam: tem direito quem pode pagar.

Para se fazer uma luta consistente em favor das bibliotecas públicas, do livro e da leitura é preciso assumir o seu caráter político; é preciso aprofundar o debate, qualificar o discurso e tornar as ações muito mais consequentes. Do contrário, estaremos fadados ao fracasso, fazendo com que estes espaços continuem sem garantir sua função básica: permitir o acesso à leitura e a informação.

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