No Museu da Maré, passado, presente e futuro se encontram e convivem numa museografia construída a partir do lugar e da vida de seus moradores, sempre em diálogo com a diversidade cultural existente em nosso país. Na Maré, onde as visões preconceituosas só conseguem enxergar as ausências, o museu é um convite ao diálogo, às trocas que enriquecem nossa cultura.
A exposição é apresentada como um grande calendário temático, organizado em 12 temas, chamados de “tempos”. Por isso, o nome dado à exposição: Os Tempos da Maré. Os textos de abertura de cada tempo questionam a realidade e mostram a necessidade de transformação.
Tempo da água
Mangues, ilhas, biodiversidade marinha, piquenique, areal, banho de mar
Redes, barcos, pesca, sustento
Festa de São Pedro, Nossa Senhora dos Navegantes, procissão
Balança d’água, rola-rola, bacia, lata na cabeça, varais
Aterros, fábricas, poluição… E o futuro?
Tempo da casa
Tempo da casa, do aconchego e da segurança
Para muitos que chegaram depois, só restaram o mar e o mangue
Antes da casa foi necessário construir o chão, casa de madeira sobre as palafitas
Depois, vieram o aterro, o tijolo e a laje. Em mutirão vão surgindo novas casas.
Outras, o governo construiu: Centro de Habitação Provisória, casas coloridas, telhas de amianto, apartamentos, duplex de tijolinhos vermelhos…
Tempo da casa, do aconchego… E a segurança?
Tempo da migração
Muitos chegaram no pau de arara, outros vieram numa terceira do Ita.
Rodoviária: lugar do desembarque de quem ainda chega; lugar de um novo começo
Ingá de Bacamarte, Codó, Sapé, Campina Grande, Serra Branca, Ipu
Cachoeira Alegre, São Fidelis, Ubá … Tantas cidades e pessoas…
Saudades, expectativas, esperanças, memórias
Diferentes tempos que aqui se encontram.
Tempo da resistência
Aqui, resistir sempre foi preciso: resistir à força da maré, à ação da polícia, às ameaças de remoção.
Os moradores se organizaram em associações, lideranças surgiram, muitas conquistas foram alcançadas.
Mas o tempo da resistência não acabou. É preciso continuar resistindo.
Violência, preconceito, discriminação…
Aqui, resistir sempre é preciso. Mas resistir sozinho é impossível
Tempo do trabalho
No domingo tem mutirão pra erguer a casa, colocar a laje.
Chegar em casa à noite, depois do trabalho, mas ainda não dá pra descansar.
Tem que ir pra fila d’água encher as latas ou esperar o caminhão com concreto pra espalhar no chão.
O trabalho transforma o lugar, recria o espaço, gera novas relações.
É do trabalho que nasce a Maré.
Tempo da festa
Música, alegria, paixão! Tempo da ginga e da dança.
Tempo de expressar nossa cultura feita de mistura e troca.
Carregada de cores e vida.
Tempo da feira
Tempo de sons, sabores, cores e cheiros.
Um dia aqui, outro ali. Cada dia uma feira, cada dia um lugar diferente.
Tempo de acordar antes do sol, trabalhar duro pra ganhar o pão.
Caixotes, barracas, lotes, balanças…
E aquele jeito especial de cativar: “Ei, freguesa! Tá bom e barato, vai levar?!”
Feira é sobretudo o lugar de negociação…
Como pensar esse tempo sem uma boa pechincha?!
Tempo da fé
Tempo de contradições e coerências.
Dúvidas e certezas; medo e esperança.
Tempo da diversidade, da mistura, do sincretismo.
No tempo da fé, tudo o que é humano encontra-se com o Divino.
Tempo do cotidiano
Tempo do dia-a-dia, da rotina.
Tempo da escola, da brincadeira, do futebol, do bate papo, da paquera, do namoro, do samba, do funk, do rock, do forró.
Tempo da casa, da criança, do homem e da mulher.
Tempo do trabalho, das preocupações.
Tempo que voa e nos consome.
Mas também é o tempo da reflexão.
Tempo de rever o passado. Tempo da vida que se faz agora.
Tempo de planejar um futuro melhor.
Tempo da criança
Bola de gude, bate-beg, bambolê, pião.
Amarelinha, caracol, garrafão.
Pipa, roda, corda, rua.
Cabra-cega, esconde-esconde, passa anel.
Também passa o tempo, mesmo contra a nossa vontade.
Agora, criança na rua é ruim. E a brincadeira, onde fica?
Tempo do medo
Quais são os nossos medos?
No tempo do medo havia tábua podre, criança caindo na água, ventania, tempestades, ratos, remoções…
No tempo do medo existe a bala perdida, a violência, a morte bruta…
Os medos que nos assombram podem nos paralisar, tanto quanto nos motivar a lutar pela transformação da realidade.
Tempo do futuro
Passado, presente, futuro.
Estes três tempos aqui se misturam.
O que ainda não é, um dia será.
Será a partir do ontem, das lutas e conquistas, das memórias que resistem ao esquecimento.
Será a partir do hoje, do trabalho, da coragem, do engajamento, do diálogo e da tolerância.
Será a partir de políticas públicas, políticas comprometidas com a transformação.
Será a partir da prática da cidadania.
Tempo do futuro, um tempo que já começou.